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Boa parte das pessoas teve a experiência de começar a ler no ambiente escolar, uma vez que as casas brasileiras, em sua grande maioria, não são ambientes propícios. Sendo assim, se torna comum pais que não leem, crianças sem acesso à leitura – também por razões […]
Publicado em 13/08/2022
Boa parte das pessoas teve a experiência de começar a ler no ambiente escolar, uma vez que as casas brasileiras, em sua grande maioria, não são ambientes propícios. Sendo assim, se torna comum pais que não leem, crianças sem acesso à leitura – também por razões socioeconômicas. Estevão Azevedo, mestre pela USP e escritor, assegura que mais desafiador que uma criança que vem de uma família assim, é um professor que não lê. Ele conta que a escritora Ana Maria Machado diz que é muito difícil ensinar a se apaixonar pela leitura se o professor também não é. “Se falamos com paixão de uma obra que a gente gosta, há muito mais chances de alguém ter interesse”, acredita Estevão.
A formação de professores leitores é fundamental para que as crianças se interessem, pois são eles os mediadores desse processo. Estevão explica que os docentes de todas as disciplinas devem praticar a leitura, não apenas o de português ou de redação. “O de geografia pode falar para seus alunos de uma obra que o agradou e que trate de um tema de sua área. Há também os que envolvem a matemática”, exemplifica Estevão, autor do volume de contos O som de nada acontecendo (ed. Record).
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Muita gente entende que dentro do universo escolar, a literatura é um instrumento para aprender algo específico. Quando a escola decide adotar uma obra para ensinar geografia ou história, certifica essa ideia, de que o mais importante é o conteúdo que ela transmite sobre algum saber do mundo. Só que isso vai na contramão da boa literatura e do que preconiza a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sobre formar pela fruição literária.
Estevão explica que para desenvolver as crianças desde cedo, a literatura tem importância por si só, e não somente pelos conteúdos que transmite. É essencial que aprendam a enxergar o universo que ela traz: as palavras que são escolhidas, o modo como são agrupadas, o trato com a língua. Há narrativa que fala da água, da história do Brasil, de questões socioemocionais, mas para ser útil, não deve tratar de uma única coisa e de um jeito só. Ela não pode dar apenas uma resposta. “Se uma obra responde a uma pergunta apenas, isso normalmente é má literatura”, complementa Estevão.
A literatura sempre ensina e é por isso que ela não se presta tão bem à função de abordar um único conteúdo. Estevão destaca o poder de lidar com sentimentos, com a alteridade, quando, através de uma história, pode-se viver profundamente a vida de outra pessoa, a ponto de vivenciarmos as emoções de um personagem, porém num ambiente seguro, protegidos pela ficção.
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Leia: O papel da literatura na compreensão do mundo e de si mesmo
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Deve-se estimular a criança a ter prazer com a literatura, e o segredo para isso acontecer é dar liberdade. “A criança interpreta como quiser, se atém ao que lhe chama a atenção, ao que lhe encanta ou ao que lhe toca, faz uma leitura livre de imposições, sem avaliações ou cobranças”, frisa Estevão.
Enfrentar tudo isso na escola é tarefa difícil porque se parte de indicações de leituras padronizadas. É importante conhecer Machado de Assis porque faz parte do patrimônio cultural da humanidade, é um direito e uma ferramenta importantes. O jovem deve ter acesso ao cânone, mas ele também precisa de um espaço de liberdade, uma biblioteca onde ele possa escolher.
A escola deve criar estratégias. Um erro é condicionar a leitura a um teste para verificar se o aluno entendeu a história. “Pode ser que ele não saiba responder as cinco perguntas da prova, mas o livro pode ter transformado esse aluno profundamente em outros aspectos.” Estevão adverte que exigir pós-leituras são formas que matam o prazer.
Um bom livro é o que usa as palavras com propriedade, traz beleza e recursos estéticos. “A literatura é uma arte de múltiplos sentidos: se eu domino a estética do texto, mas tento claramente doutrinar sobre determinado aspecto para ao término chegar a uma única conclusão, então isso é má literatura, pois há um conteúdo imposto, e não abre a possibilidade para o leitor fazer sua própria interpretação”, acredita.
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Leia: Formar novos leitores para entenderem a si e ao mundo
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É preciso que o jovem encontre aqueles com os quais se identifique. Até pouco tempo tínhamos dificuldade de encontrar nos livros, na TV e nas músicas, personagens negros, mulheres, homossexuais, indígenas, como protagonistas das histórias. “Se o protagonista é sempre homem, branco, letrado e mora no Sudeste, como alguém diferente disso vai se identificar com o livro que lê?”, questiona Estevão. Esse pequeno espectro de pessoas que contam suas próprias histórias sobre elites privilegiadas, não é suficiente para dar conta da complexidade e diversidade do mundo, e assim, estamos perdendo muitas histórias boas. “A diversidade é decisiva não só para a literatura e a vida escolar, mas para a sociedade, cidadania e democracia”, garante Estevão.
Estevão Azevedo participará do painel online Lentes para o mundo: formação de crianças e jovens leitores, em 18 de agosto, no Grande Encontro da Educação, que chega à oitava edição. Galeno Amorim e Malu Carvalho também estarão nessa mesa. Promovido pela Plataforma Educação e Plataforma Ensino Superior, o evento ocorre de 16 a 19 de agosto, de forma híbrida e com inscrições gratuitas. O encontro será híbrido nos dias 16 e 17 de agosto e somente online nos dias 18 e 19. Mais de 50 palestrantes estão confirmados.
Onde: Inteli (Instituto de Tecnologia e Liderança), localizado no campus Cidade Universitária da USP.
Inscrições gratuitas: https://grandeencontrodaeducacao.com.br/
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