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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 23/07/2021

José Pacheco: Brasil ainda desconhece o que tem de melhor

Mem Martins, 22 de maio de 2041

Por José Pacheco para a edição 277: Há cerca de uns quarenta anos, fui levado até à Te-Arte pela mão da minha amiga Rosely Saião. E aconteceu o deslumbramento dos sentidos. Não esperava encontrar no Brasil tanta generosidade e responsável ousadia. Enquanto muitas escolas se convertiam ao digital e se transformavam na vanguarda tecnológica do atraso pedagógico, a Te-Arte era bela na simplicidade. Ali, tudo tinha a medida da infância e até apetecia voltar a ser criança. Por isso, a presença do adulto que educava num sábio lazer fazia sentido.


Assista: Entrevista com José Pacheco: por um outro olhar na educação

Leia: António Nóvoa: aprendizagem precisa considerar o sentir


 

O Brasil não era pobre em exercícios de canseira e paixão. Importava conhecê-los, resistindo à tentação de lançar novas “modas”. O país não poderia continuar no desconhecimento do que tinha de melhor. Educadoras como a Therezita – uma jovem septuagenária – eram motivo de esperança, num Brasil condenado a acreditar que, pela educação, chegaria ao exercício de uma cidadania plena.

Liberdade proibida 

Senti-me privilegiado por a ter conhecido. Bem haja a Dulcília por ter escrito um belo livro, em que relatou experiências de mãe, expondo a outros olhares um espaço de amor maduro, onde a sensibilidade se reinventava e o impulso criativo ganhou raízes.

A Fernanda foi criança feliz no Te- Arte e ali voltou como realizadora de cinema, para fazer um documentário. Agradeço os momentos passados no Te-Arte, gravando imagens de uma amena conversa. Mas ficou-me o travo amargo de algumas confidências escutadas.

Netos queridos, aceitai a possibilidade de a memória me trair, pois fiquei aturdido com o chorrilho de disparates (leia-se exigências ministeriais), que escutei. Talvez não reproduza a lista por completo ou a adultere. Mas, ainda que corra o risco de inexatidão, não poderei deixar de partilhar aquilo que, desde então, me preocupa.

Há muitos anos, a Therezita solicitou alvará para o seu jardim de infância. Após vistoria e análise do projeto, os burocratas do ministério recusaram-lhe esse estatuto por “razões” que, parcialmente, passo a enunciar.

O chão do Te-Arte não era plano, o que constituía, na opinião dos burocratas, um perigo para as crianças. Era um espaço repleto de árvores, às quais as crianças podiam subir e… cair. Era compreensível que os burocratas se preocupassem com o risco de acidentes no Te-Arte. Porém, em muitos anos de funcionamento, nunca uma criança do Te-Arte necessitou de tratamento hospitalar, enquanto outras escolas e jardins de infância disso não se podiam gabar.

Ainda vira-lata

A lista de absurdas exigências era longa: as paredes deveriam estar pintadas de branco, porque os burocratas preferiam paredes “assépticas”; o número de crianças por metro quadrado superiormente estabelecido não poderia ser ultrapassado; as crianças deveriam usar uniforme e estar escalonadas em turmas, por idades. E por aqui me quedo, para vos poupar a muitas outras alarves imposições.

No filme Para o amanhã nascer feliz foram expostas mazelas do sistema educacional. Para vergonha de um Brasil atolado na miséria educacional, o Te-Arte era celebrado em filme e em dois belos livros. Quando o filme foi projetado nas telas das nossas salas de cinema, os espectadores puderam ver imagens do que de melhor o Brasil dispunha no campo da educação. Tomaram conhecimento de uma instituição que, por vontade dos burocratas, pagava um imposto exorbitante – idêntico ao que pagava uma multinacional – só porque o ministério se recusava a reconhecer o projeto como jardim de infância e que, desde a sua fundação, funcionava como… “centro de recreação”.

Era forte a influência da síndrome do vira-lata. Os burocratas dela sofriam.


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