A proximidade dos gestores com as escolas pode ser um dos fatores, aponta Mozart Ramos
Para adolescentes que moram em uma cidade de médio porte, entre 100 mil e 500 mil habitantes, terminar o ensino fundamental numa escola municipal pode significar mais aprendizados do que concluir a etapa na rede estadual. Um estudo da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA) mostrou que nos 19 municípios paulistas de porte médio com oferta da segunda etapa do ensino fundamental, tanto pela rede estadual quanto municipal, as escolas municipais tiveram desempenho melhor em 12 deles. Em dois municípios os resultados foram iguais, e em cinco a rede estadual superou a municipal. Sertãozinho e São Caetano do Sul tiveram as maiores diferenças, de 0,9 ponto. A comparação foi feita usando os dados do último Ideb.
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Para Mozart Neves Ramos, responsável pelo estudo, a proximidade entre escolas e gestores pode ser uma das explicações para o melhor desempenho. “Não dizem que é o olho do dono que engorda o gado? As escolas municipais podem ser mais facilmente acompanhadas por secretários de Educação e equipes”, afirma. Ele diz por experiência própria: foi secretário estadual de Educação de Pernambuco entre 2003 e 2007. “Sempre visitei escolas, viajei muito pelo estado. Não acredito que dá para cuidar da educação sentado num gabinete. Mas não cheguei nem perto de ver todas as escolas. Nas cidades de médio porte, o conhecimento da realidade local que o gestor municipal pode ter faz diferença.”
O resultado indica que a municipalização do ensino fundamental traria impactos positivos para os aprendizados das crianças e jovens, mas em contextos específicos. “É muito diferente a realidade de uma cidade média em que há universidades, equipamentos culturais, pessoas com escolaridade e equipes pedagógicas bem formadas, comparada com a de um município pequeno, de cinco mil ou 10 mil habitantes, que não tem universidade perto, que não tem massa crítica para desenvolver projetos. Nesses casos, o papel do Estado é mais importante”, ressalta Mozart.
A relação de mais de 30 anos de Gisele Maria Miranda com a educação de Sertãozinho sintetiza todo o envolvimento que só as redes municipais de cidades pequenas e médias pode proporcionar. Desde fevereiro ela é a secretária em exercício – a secretária titular está em licença médica -, mas antes disso foi professora efetiva, passou por todas as etapas do ensino, atuou como coordenadora pedagógica, como articuladora com projetos federais e desde 2013 trabalha na parte administrativa da secretaria de Educação. “Passei por várias gestões, por vários governos, sempre fazendo o melhor possível”, diz.
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Para completar o “currículo”, os três filhos de Gisele estudaram do infantil ao fim do fundamental em escolas municipais. “Como mãe não tenho críticas. Os três sempre aprenderam muito, gostavam de estudar. Mais tarde fizeram ótimas faculdades; uma das minhas filhas faz pós-doutorado no exterior; a outra hoje é coordenadora aqui na rede municipal”, orgulha-se.
Sertãozinho conta com 120 mil habitantes, quase totalmente morando na zona urbana, apesar de a cidade ter a produção do etanol na base da sua economia. Seu IDH é de 0,761, um pouco acima da média brasileira, que é de 0,727. Nos anos iniciais do ensino fundamental, o Ideb foi de 7,2 (o que representa 0,8 ponto acima da meta desejada) e de 6,1 para a segunda etapa (0,2 acima da meta). Entretanto, se fossem considerados apenas os alunos matriculados na estadual, o Ideb da segunda etapa do fundamental de Sertãozinho seria de 5.2.
A rede municipal oferece o segundo ciclo do ensino fundamental desde 1995. “Primeiro tivemos a experiência do 1º ao 4º ano. Foi tão bacana que acabou se decidindo estender para todo o fundamental aumentando aos poucos. Hoje temos seis escolas com o fundamental II.” Ao todo a rede municipal de Sertãozinho atende 16 mil alunos, da educação infantil ao EJA.
A saber, um dos pontos de destaque são as avaliações diagnósticas bimestrais em toda a rede, que permitem aos gestores acompanhar constantemente a evolução dos aprendizados. “Logo no começo do ano letivo aplicamos a prova, para saber como cada criança chegou – e sempre damos as devolutivas aos professores. A partir dos resultados traçamos os planos, porque não basta conhecer, tenho de criar estratégias”, explica.
A secretária lembra ainda que a transição entre os ciclos se dá de forma mais tranquila quando os pequenos não precisam trocar de escola. “A criança vai passando as fases de desenvolvimento, mas mantém vínculo. Quando o aluno chega ao que chamamos de PEB II, ele tem mais autonomia. Embora seja uma visão diferente, dentro da mesma escola, a passagem é mais tranquila. A família também ganha cada vez mais confiança na escola”, diz Gisele, para quem a desconexão entre a escola, estudantes e família é um elemento que potencializa a evasão. Além das relações humanas da comunidade escolar fortalecida, em uma escola única, o diálogo entre professores dos diferentes ciclos fica facilitado.
Segundo Gisele, a população reconhece a qualidade da educação oferecida e, por isso, a demanda por vagas é crescente. “Temos sempre alunos pedindo transferência tanto da rede estadual quanto de escolas particulares”, conta.
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Presidente da Undime Nacional (União dos Dirigentes Municipais de Educação), depois de vários anos presidindo a Undime São Paulo, o professor Luiz Miguel Garcia avalia que, assim como no caso de Sertãozinho, municípios de médio porte conseguem alinhar algumas vantagens de serem pequenos, mas não pequenos demais: têm a proximidade das famílias com a escola, assim como capacita de profissionais qualificados e capacidade de atrair talentos, num equilíbrio impossível para as pequenas cidades e para as megalópoles. “Um município muito pequeno tem questões de mão de obra especializada que são inerentes, além da necessidade de olhar para a infraestrutura. Por serem redes muito pequenas, as despesas ficam bastante altas nessas áreas”, cita.
Contudo, as cidades médias conseguem superar essas barreiras, sem perder a proximidade. “A cobrança das famílias é muito mais intensa. A conexão é direta, seja com o secretário de Educação, seja com o prefeito”, diz Garcia.
Nas redes de cidades médias, os professores têm possibilidades de evoluir na carreira, mas acabam circulando menos que nas redes estaduais – pois o número de possibilidades de mudança é limitado – o que leva mais uma vez ao fortalecimento dos vínculos. “Nas redes estaduais, o professor entra em uma escola e vai tentando se transferir para áreas melhores. Ele é sempre temporário. Essa troca constante de docentes é muito ruim”, afirma o presidente da Undime.
Haroldo Rocha, secretário-executivo da Educação do Estado de São Paulo, uma rede com 3,5 milhões de crianças e jovens distribuídos em 5.100 escolas, lembra que há fatores extraescolares envolvidos nos resultados de aprendizagens e que, portanto, fogem do controle das secretarias de Educação, sejam elas municipais ou estaduais. “O resultado depende do trabalho que a escola faz, mas também de fatores como a escolaridade dos pais – e principalmente das mães, porque na maioria das vezes são elas que acompanham a vida escolar dos filhos. Temos ainda o nível socioeconômico das famílias e a região geográfica onde moram”, cita.
Para garantir uma comparação ideal entre as redes, seria necessário, por exemplo, que todos os critérios extraescolares fossem comparáveis. “Já vi outras pesquisas, com outras metodologias, indicando um resultado melhor da rede estadual”, afirma Rocha. O secretário-executivo, contudo, entende que secretariais municipais de cidades menores têm potenciais vantagens em relação à administração estadual. “Uma rede municipal bem coordenada, que interage bem com as famílias, pode ter mais eficiência porque cuida de um território menor. Educação não é um produto físico; ela se processa a partir de relações humanas complexas. Quanto melhores forem as relações, melhor a aprendizagem”, afirma. Rocha lembra ainda que Sobral, o “grande case da educação brasileira”, é um município cearense de 200 mil habitantes.
Aliás, a etapa educacional que se inicia no sexto ano é historicamente uma etapa problemática no país. “Em anos passados, o Brasil acreditou que se você fizesse um bom trabalho de alfabetização, alfabetizando plenamente todas as crianças, as outras etapas iriam melhorar automaticamente. Claro que se ela não estiver alfabetizada, não terá sucesso depois. Mas só isso não garante a aprendizagem nos outros ciclos”, conta Rocha. “Se deu muita atenção ao primeiro ciclo, com novas metodologias, com pesquisas, e se pensou muito na seguinte. Foi feito até mais para o ensino médio, pesquisas para compreender melhor como o jovem aprende. Só muito recentemente passamos a olhar para o segundo ciclo do fundamental.”
Porém, o segundo ciclo recebe os estudantes durante uma fase essencial da formação da personalidade. “É quando está surgindo o adolescente. Ele tem uma autonomia maior, é mais questionador e, portanto, são outros desafios para o sistema educacional e professores”, explica Luiz Miguel Garcia, da Undime. Portanto, diz o professor, é importante a escola oferecer respostas para não perder esse aluno. “Com relação à rede municipal, a proximidade da gestão permite respostas mais rápidas aos problemas. sobretudo quando se tem o envolvimento da comunidade nos processos decisórios. A rede menor olha o desenho local e produz respostas mais específicas, menos genéricas.“
Este ano letivo, a pandemia da covid-19 trouxe uma série de novos desafios à etapa e à educação como um todo. Para Garcia, a única resposta possível para todo o país passa pela implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “É hora de implementar os currículos aprovados em 2019, o que já vinha sendo construído. Vamos olhar para os objetivos de aprendizagem e pensar em ciclos. Para o fundamental, a vantagem é que não temos tanta pressa. Mais difícil é a situação no ensino médio, quando realmente há mais pressa.”
A secretária de Sertãozinho, Gisele Miranda, concorda que na volta à escola a retomada dos conteúdos precisa ser encarada com calma. “Estamos pensando nas políticas públicas para o ano que vem. O ano letivo vai seguir em 2021, vamos trabalhar nas defasagens”, conta.
Rocha propõe uma visão otimista, acredita que a pandemia vai deixar para a educação um legado do uso de tecnologias no processo de ensino-aprendizagem que, sendo assim, pode acelerar a melhoria dos aprendizados nos próximos anos. “O adolescente e o jovem precisam de uma educação que a gente chama de mão-na-massa. Melhor forma para que aprendam não é dar aula, é fazê-los trabalhar com coisas da realidade. E a partir disso descobrir sobre ciências, tecnologias, línguas, matemática. Ao menos na parte de inclusão da tecnologia, vai ficar um legado.”
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