NOTÍCIA

Formação docente

Por que ler os clássicos do pensamento pedagógico

Os insubstituíveis auxiliam a formar professores capazes de adentrar em raízes e, consequentemente, a ter embasamentos aquém das soluções circunstanciais

Publicado em 26/06/2020

por Redação revista Educação

classicos-pensamento-pedagogico Da direita para a esquerda, Jean Piaget, Anísio Teixeira, Paulo Freire, Sócrates e Vigotsky, segundo o ilustrador Jean Galvão

“É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível”, Ítalo Calvino

Por Célio da Cunha*:

O cenário das escolas mudou muito nestes primeiros anos do século XXI. A crescente luta pelos direitos humanos e pela universalização da cidadania, somada a oscilações econômicas, sociais e culturais, e acirrada competitividade por mercados, e tudo permeado por notáveis avanços da ciência e de sucessivas inovações tecnológicas, contribuíram para o delineamento de cenários humanos sem precedentes na história.

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Certamente, a escola erigiu-se como um dos palcos que mais sofrem as influências de todas essas mudanças paradigmáticas. Com muita frequência, os gestores e professores ficam perplexos diante de tantas incertezas e desafios que surgem no cotidiano escolar. Precisam mobilizar o melhor de suas energias e de seus conhecimentos pedagógicos, mas nem sempre encontrando caminhos e rumos que atendam às suas próprias expectativas, como também as da sociedade.

O reconhecimento da importância da educação em nosso país pode ser visto pelo longo percurso que crianças e jovens devem percorrer no cenário de complexidades, desigualdades e interrogações em que sonhos e fracassos se revezam e podem deixar marcas no itinerário da vida.

Com os avanços da ciência da infância, a pedagogia contemporânea passou a considerar fundamental a educação desde os primeiros anos de vida. E até chegar ao final do ensino superior, é quase um quarto de século passado nas escolas. E com o reconhecimento da escola de tempo integral, o tempo de formação se amplia ainda mais. Esse longo percurso coloca em evidência a importância da escola e o que acontece dentro e fora dela.

É certo que a escola por si só não opera milagres. Seria pedir muito.  A escola faz parte de um contexto social e econômico repleto de humanidades e desumanidades. Seu maior e mais nobre objetivo será sempre o de lutar para que a dimensão humana tenha a primazia com a esperança de que essa diretriz possa iluminar os caminhos que serão percorridos durante a existência cada vez mais longeva.

clássicos do pensamento pedagógico

Da direita para a esquerda, Jean Piaget,
Anísio Teixeira, Paulo Freire, Sócrates e
Vigotsky, segundo o ilustrador Jean Galvão

Acredita-se que nesse longo percurso que crianças e adolescentes devem passar nas escolas, o papel de gestores e professores e também da família reveste-se de relevância ímpar e insubstituível. O marco das tendências atuais é de cada vez mais destacar a imprescindibilidade de uma boa formação. Há mais de 100 anos, Durkheim, em sua obra clássica sobre a evolução pedagógica, acentuou a importância de uma cultura pedagógica na formação de professores. Dizia Durkheim que não basta prescrever aos professores com precisão o que terão de fazer. É preciso também que estejam em condições de julgar, de avaliar essas prescrições, de ver sua razão, de ver as necessidades às quais respondem.

Para Durkheim, é necessário que os professores estejam conscientes das questões às quais essas prescrições trazem soluções provisórias. E isso só se consegue por meio de uma cultura pedagógica. Por isso, a importância de ler os clássicos do pensamento pedagógico para entender nas raízes de suas reflexões o que eles imaginaram muito além das prescrições e de receitas e soluções ditadas pelas circunstâncias.

Sócrates -Na linha pedagógica dos tempos, elegemos alguns clássicos em busca de ensinamentos e lições que podem ser úteis em tempos tão desconcertantes como o que estamos vivendo. O primeiro deles  é Sócrates, que ensinava em praças públicas e que nos legou a importância pedagógica da pergunta e do diálogo fecundo para lembrar uma expressão usada por um educador esquecido que foi Rafael Grisi.

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Por isso, Sócrates foi considerado o inventor do conceito. Empregou-o, observou Hubert(2967), para descobrir os mistérios da natureza. “Assim compreendida, continua Hubert, a educação é coisa inteiramente diferente de uma socialização, da integração de um espírito num sistema de crenças feitas e estranhas a ele, adaptação de uma vontade a um conjunto de hábitos preestabelecidos.

“O fim supremo da educação: atingir o deus, lugar e fonte de todos os conceitos, virtudes nas almas, beleza em todas as produções da natureza e do homem”. O ideal pedagógico de Sócrates foi muito bem caracterizado na maior das obras clássicas sobre educação – A Paideia, de Werner Jaeger.

Assim, valendo-se da maiêutica de Sócrates, pode o professor, no cenário imaginado e possível, incentivar a criatividade dos alunos e ensejar a revisão de preconceitos, mostrando, por exemplo,  que o conceito de beleza veiculado pela mídia deixa à margem muitas coisas boas e belas, mas que não atendem aos critérios estabelecidos pela mídia. E certamente com esses ensinamentos o processo educativo poderia ser enriquecido  de percepções importantes sobre a vida em sociedade.

Todavia, a Paideia grega entraria em declínio como também a pedagogia da pergunta de Sócrates. Em que pesem os esforços da civilização romana de levar a cultura grega para várias partes do mundo, o fato é que durante a Idade Média os “fundadores da racionalidade” ficaram à margem e muitas de suas obras escondidas em mosteiros e abadias. Apesar do esforço de Quintiliano de mostrar que a paixão de aprender depende da vontade, que não pode ser forçada, daí se concluindo que os castigos haveriam de continuar ainda por séculos, impedindo a revelação de talentos e, por conseguinte, da autorrealização humana.

A Paideia grega foi aos poucos deixando os mosteiros e, graças a vários fatores, entre eles, o dos caçadores de livros do século XV, as ideias de Sócrates, Platão e Aristóteles, para citar apenas alguns, começaram a penetrar e iluminar horizontes e novas direções do pensamento.

Idade da Renascença. E no final do século XVI veio ao mundo um notável pensador que Jean Piaget não se cansava de admirar. Seu nome: John Amós Comenius, que depois de ler intensamente as melhores obras da época, escreve a Didática Magna, a arte de ensinar tudo a todos. E o que tem a ver essa obra de mais de 300 anos com a pedagogia do século XXI?

Muitas coisas. A título de exemplo, um dos problemas de aprendizagem mais comuns hoje em nossas escolas: alunos que não estão conseguindo aprender.  E, se numa reunião de professores de uma escola, convocada para a elaboração do projeto pedagógico de instituição escolar, Comenius fosse chamado, ele recomendaria:

Deve-se inflamar, de qualquer modo nas crianças, o desejo ardente de saber e de aprender;

O método de ensinar acende-se e favorece-se nas crianças, pelos pais, pelos professores, pela escola, pelas próprias coisas, pelo método e pelas autoridades civis;

Os professores, por sua vez, se forem afáveis e carinhosos, e não afastarem de si os espíritos com qualquer ato de aspereza, mas os atraírem afetuosamente com atitudes e palavras paternais(…) facilmente conseguirão tornar-se senhores de seus corações, de modo que eles sintam até mais prazer em estar na escola que em casa.

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por que ler os clássicos do pensamento pedagógico

Jean-Jacques Rousseau

Importância do Estado – Observe-se a atualidade pedagógica dos ensinamentos de Comenius e a importância que ele atribui às relações entre mestres e discípulos, como também a atenção que ele dispensa à articulação com a família, a escola, os pais e as autoridades civis. E por que autoridades civis?  Porque Comenius já percebia a importância da responsabilidade do Estado na política educacional, que deveria estar integrada desde a sala de aula com gestores e  professores capazes de conquistar os corações de crianças e adolescentes, de modo a tornar a escola prazerosa,  com os pais presentes e com o poder público consciente de sua responsabilidade.

Comenius viveu numa época de mudanças paradigmáticas, com o Renascimento, a Reforma e a Contrarreforma e notável impulso da ciência com Descartes, Galileu, Kepler, Newton, entre outros. Essas mudanças continuariam e chegariam ao século XVIII, o século do Iluminismo, das Luzes, fase da história em que a razão humana eleva-se ao status de guia suprema dos rumos pelos quais deveria trilhar a humanidade.

Diderot, Voltaire, Locke, Smith, Montesquieu, para lembrar alguns dos expoentes do pensamento dessa época, indicam e postulam novos horizontes. Porém, pertenceu também a esse século um dos maiores pensadores da educação de todos os tempos, que lança alguns pressupostos indispensáveis para uma verdadeira educação que transcenda a supremacia da razão. Seu nome: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

Se retomarmos o cenário com os professores reunidos para discutir o projeto da escola e uma professora pedir a palavra e advertir que não se poderia pensar o projeto pedagógico sem antes o colegiado discutir o conceito de educação, certamente sua proposta será aceita, seguindo-se várias percepções como: o fim da educação é preparar os jovens para a vida; adquirir o domínio dos conhecimentos necessários ao mundo de hoje; preparar para o mundo do trabalho etc.

E se Rousseau fosse chamado para essa reunião, ele expressaria…

*Célio da Cunha é professor Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília; antes: Assessor Especial da Unesco no Brasil, Professor da FE-UNB e Superintendente de Ciências Humanas e Sociais do CNPq.

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