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Edição 241

Neurociência ajuda a ensinar matemática

Apesar do estigma de complexa, disciplina é imprescindível

Publicado em 21/08/2017

por Redacao

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Neurociência ajuda a ensinar matemática

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*Por Mônica Cristina Andrade Weinstein, da revista Neuroeducação
Conferir trocos e a conta bancária, ajudar os filhos em suas tarefas escolares ou, ainda, dar sentido a estatísticas e entender notícias sobre saúde e economia. A matemática faz parte do nosso dia a dia. Tomamos decisões com base em informações numéricas. Saber interpretá-las, portanto, nos permite fazer melhores escolhas.
Raramente alguém subestima a importância de saber interpretar textos para entender o que acontece no mundo e para um bom desempenho em muitas profissões. Mas não é raro ouvir argumentos sobre a “inutilidade” de aprender matemática. Na realidade, ignoram-se os custos individuais e sociais do mau desenvolvimento das habilidades matemáticas.
Pesquisas em larga escala conduzidas nos Estados Unidos e no Canadá indicam que competências matemáticas abaixo da média nos anos iniciais da escolarização estão associadas a risco elevado de que essas habilidades não melhorem no término dos anos escolares. Esse fator isolado mostrou mais influência na determinação do mau desempenho em matemática do que a família, habilidades socioemocionais, inteligência e leitura. A identificação precoce de crianças em risco para dificuldades para a aprendizagem da matemática é, pois, crítica.
Desempenho ruim
O Brasil sedia a Olimpíada Internacional de Matemática em 2017, mas a realidade do país não é animadora. Os alunos brasileiros ficaram no 58o lugar em matemática entre os 65 países e territórios analisados no último estudo Pisa, de 2012. Dos alunos brasileiros com 15 e 16 anos – ou seja, os últimos anos de escolarização –, 67,1% estão abaixo do nível 2 em matemática, com baixa performance na disciplina. Apenas 0,8% atingiu os níveis 5 e 6 na disciplina, os mais altos. Comparando, mais da metade dos estudantes de Xangai, na China, primeiro país do ranking, estão nesses níveis, que demandam capacidade de análises muito complexas.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) considera que os alunos que ficam abaixo do nível 2 nas disciplinas analisadas (matemática, leitura e ciências) terão dificuldades na escola e, mais tarde, no mercado de trabalho, e poderão não ascender socialmente. Além disso, como a matemática é essencial para outras disciplinas, como física e química, o desinteresse precoce pelos números pode refletir em déficit de inovação tecnológica no futuro.
Buscar estratégias para melhorar o ensino de matemática e, principalmente, ajudar os alunos com dificuldades nessa disciplina é um dos grandes desafios da educação. Nesse sentido, a neurociência cognitiva oferece indicações para que o professor e a escola possam combater o estigma de disciplina complexa e tornar as aulas de matemática mais motivadoras e eficazes.
A cognição numérica
A neurociência cognitiva é um campo interdisciplinar – envolve conhecimentos da genética, da biofísica, da neurociência computacional, entre outras – que investiga potenciais substratos neurais para processos mentais. Dentro dessa abordagem se desenvolvem as pesquisas sobre cognição numérica, isto é, as bases cognitivas e neurais dos números e da matemática.
Humanos e alguns animais compartilham uma habilidade básica de perceber e comparar quantidades não simbólicas de itens, comumente denominada “numerosidade”. Pombos, por exemplo, conseguem organizar conjuntos numéricos de até nove itens, de acordo com estudo publicado na Science – habilidade que por muito tempo foi reconhecida apenas em primatas.
Em humanos, essas habilidades básicas são o alicerce para a construção de futuras representações numéricas simbólicas. Essa construção – ou seja, para que crianças e adultos usem com precisão numerais, símbolos e quantificadores linguísticos – demanda instrução ao longo do desenvolvimento. Existem vastas evidências de que as competências numéricas nos primeiros anos de vida são preditivas da aprendizagem matemática nos anos escolares.
As habilidades numéricas básicas já deveriam estar bem consolidadas ao término do ciclo de alfabetização, por volta do 3o ano do ensino fundamental. A partir desse momento, as dimensões cognitivas que vão predizer o desenvolvimento de competências acadêmicas matemáticas no futuro são menos claras. Diversos estudos sugerem alguns substratos para a cognição matemática: memória de trabalho, linguagem e velocidade de processamento da informação. Algumas pesquisas enfatizam que a capacidade de decodificação fonológica (entendimento dos sons da fala) também contribui diretamente para o desenvolvimento das habilidades simbólicas da matemática.
Em síntese, para que a criança avance na aprendizagem da matemática, é necessário garantir uma sólida representação numérica no ensino infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.
Entender-Fazer-Praticar
Conhecimentos da psicologia cog­nitiva e do desenvolvimento e neurociência se complementam para explorar a cognição matemática. Pesquisas de neuroimagem funcional mostram que existem pelo menos dois sistemas neurais envolvidos no processamento da informação matemática (veja quadro na pág. 60). Estudos sobre o ensino de matemática com bons resultados têm demonstrado a importância de haver um equilíbrio entre entender e dominar conceitos e desenvolver a fluência aritmética e de cálculo por meio de treino. As redes neuronais que dão suporte à cognição numérica e matemática estão to­das integradas e se retroalimentam. Portanto, qualquer modalidade de instrução matemática que exclua a tríade entender-fazer-praticar estará deixando parte da rede menos desenvolvida, mais vulnerável.
O ensino explícito, dirigido e de boa qualidade é a forma mais eficiente de promover o desenvolvimento da competência matemática para todos os alunos. Existe clara evidência de que o cérebro é plástico o suficiente para que sejam justificados esforços de instrução e intervenção permanentes e sistemáticas para alunos que enfrentam dificuldades persistentes para aprender matemática.
Discalculia
Um exemplo de contribuição da pesquisa em neurocognição para a educação matemática é a validação do “contar nos dedos” para o aprendizado de representações numéricas. Embora ainda exista uma crença de que esse método é um obstáculo à abstração simbólica, a literatura em neurocognição sugere que as representações numéricas proprioceptivas que envolvem todo o corpo, inclusive os dedos, são fundamentais para o desenvolvimento das habilidades numéricas básicas. Essa informação se aplica à instrução de todos os alunos, mas ela se torna prioritária nos casos dos alunos com discalculia, um transtorno específico de aprendizagem que impede ou impacta severamente a aprendizagem das habilidades numéricas básicas e, consequentemente, o desenvolvimento da fluência com os fatos numéricos.
Para crianças e alunos com discalculia, é fundamental que a representação numérica fique bem estabelecida antes de exigirmos que eles transitem entre as diferentes possibilidades de representação numérica (algarismo-numeral falado-numeral escrito). Geralmente essas crianças precisam de mais tempo que seus pares para dominar a cardinalidade dos números, melhorar o entendimento sobre eles e poder realizar sua decomposição, como em, por exemplo, 8 = 7 + 1 = 5 + 3. A representação da numerosidade e as habilidades numéricas mais evoluídas ocorrem em duas regiões cerebrais distintas, embora integradas, respectivamente o sulco intraparietal e o córtex pré-frontal (veja quadro na pág. 60).
Para crianças e adultos que não desenvolveram uma representação do número eficaz, o recurso às estratégias proprioceptivas, incluindo o uso dos dedos para contar, significa uma aquisição prioritária, e não apenas um mecanismo de transição para a representação exclusivamente mental dos números. Esse é um exemplo de como o estudo das estruturas neurais pode ajudar a informar a educação matemática.
Podemos pensar o ensino de matemática sobre o seguinte o tripé: engajar o aluno, garantir instrução explícita e sistemática e desenvolver a fluência na evocação dos fatos numéricos. A neurociência cognitiva oferece boas indicações que podem auxiliar essa tripla tarefa em diferentes momentos da escolaridade (veja quadro nas págs. 58 e 59).
Entender o desenvolvimento do cérebro e da mente dos alunos é fundamental para informar a reflexão dos educadores sobre suas práticas. Múltiplos níveis de análise são possíveis. Por exemplo, o mau desempenho de um aluno numa prova pode ser explicado pelo seu comportamento desatento na sala de aula, que por sua vez está relacionado aos sistemas atencionais do cérebro, que envolvem redes neuronais e neurônios específicos, além da participação de neurotransmissores, mensageiros químicos que possibilitam a comunicação entre neurônios, como a dopamina. Toda essa cadeia pode estar relacionada tanto ao ambiente da sala de aula quanto ao genoma do aluno, ou, ainda, a uma combinação entre os dois. Precisamos, pois, estabelecer pontes entre os laboratórios e as salas de aula, cuidando para que as traduções das pesquisas para as possíveis aplicações à educação não sejam reducionistas e contribuam para uma compreensão integrada da ciência da mente, cérebro, educação e aprendizagem.

Leia mais:

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