NOTÍCIA
Observar como cada país formata seu currículo é entender que cada realidade pede um modelo particular e que não existem parâmetros universais
Publicado em 29/03/2012
Alunos chegam à escola em Cuba: regime político fechado e currículo altamente prescritivo |
Não existe certo e errado quando se fala em teoria curricular – diferentes países têm modelos totalmente díspares, mas que se encaixam em suas realidades nacionais e refletem a forma como os governos enxergam a educação. Em Cuba, país que vive há décadas um regime bastante fechado, o currículo é prescritivo ao máximo. O governo tem um forte programa de formação inicial e continuada, certificando-se de que todos os professores em sala de aula sabem aplicar o currículo nacional. Soma-se a isso o fato de que diretores e vice-diretores acompanham o trabalho dos professores com frequência na sala de aula, observando na prática como o conteúdo está sendo trabalhado. Independentemente de críticas ou elogios, é um modelo que funciona para Cuba em sua realidade atual.
Do socialismo ao capitalismo voraz dos Tigres Asiáticos, o modelo prescritivo também caiu bem em Cingapura. Ainda que a pequena cidade-Estado tenha uma rede de apenas 360 escolas, sua experiência com currículo tem ganhado destaque, especialmente no que tange à matemática. “Eles têm conseguido avanços muito grandes com o domínio da lógica dos alunos”, observa Patrícia Guedes, diretora executiva da Fundação Itaú Social, que vem estudando modelos de currículo de diversos países com sua equipe. A estratégia-chave para esse sucesso, segundo ela, é um instituto nacional de formação de professores que dialoga o tempo todo com as escolas, na mesma ideia de Cuba de que um trabalho docente acompanhado de perto não abre espaços para falhas. “O Ministério da Educação local também coordena e supervisiona esse instituto para garantir que o professor seja bem capacitado para executar o que o currículo estipula.”
Do lado oposto estão países que abandonaram a prescrição, como é o exemplo da Finlândia, e também obtiveram resultados gratificantes. Não existe um currículo nacional, tampouco sistemas nacionais de avaliação. Mas o país vive uma realidade muito específica que lhe dá o direito a uma completa autonomia dos professores e escolas, de um lado, e a garantia da equidade de aprendizado, de outro. “A Finlândia já teve um currículo detalhado e não tem mais, o que mostra que na medida em que o sistema de ensino vai se consolidando, formando melhor seus professores e valorizando a carreira docente, pode abrir mão de um currículo centralizado porque consegue garantir que, lá na ponta, os professores estão tomando as decisões corretas”, analisa Patrícia. Segundo ela, a própria qualidade da formação, bons salários e valorização da carreira dos professores é o que garante a qualidade da educação, sem a necessidade de que todos sigam as mesmas orientações curriculares.
Sabe-se, no entanto, que a realidade da educação finlandesa é bastante particular e que, como em Cingapura e Cuba, redes menores são mais facilmente adaptáveis do que as de países com proporções continentais como o Brasil. Por isso é interessante observar a política curricular de nações igualmente extensas e diversas (embora com nível de desenvolvimento socioeconômico bem diferente), como o Canadá e os Estados Unidos. Em ambos os países, as províncias (Canadá) e estados (EUA) contam com uma forte autonomia em relação ao governo federal, podendo cada um deles pautar suas diretrizes curriculares, sem haver um currículo nacional. Patrícia descreve que no Canadá, embora cada província tenha autonomia para desenvolver o seu modelo educacional, ao comparar o trabalho das diferentes regiões, as estratégias de formação de professor, o material de apoio e o currículo são muito semelhantes. “Isso porque lá existe um conselho de ministros de Educação que gera uma competição saudável, uma vez que sempre existe uma troca de experiências que acabam sendo adaptadas por outras províncias”, explica.
Os Estados Unidos também não optaram pelo currículo nacional: quase todas as políticas educacionais são feitas no nível estadual e distrital, e as escolas particulares respondem a regras próprias. Mas embora não haja um documento único, pode-se observar uma constante de conteúdos que permeia a maioria das escolas em termos de currículo. Existe uma iniciativa recente, no entanto, que apresenta a opção de diretrizes curriculares a redes que desejarem orientação nesse sentido. Em 2009 foi apresentada a Common Core State Standards Initiative (em tradução livre, Iniciativa de Padrões Básicos Comuns do Estado) pela National Governors Association (NGA) e o Council of Chief State School Officers (CCSSO), que traz diretrizes curriculares que podem ser adotadas por estados. Para os que aderirem à proposta (43 dos 48 estados) a implementação começa no ano letivo de 2014/2015.
Comparação justa
De todas as iniciativas citadas, no entanto, na teoria nenhuma se aproxima mais da brasileira quanto a australiana. O país, também com uma extensa área territorial, preocupado com a questão da disparidade da qualidade da educação em suas diferentes regiões, recentemente criou um currículo nacional minimamente prescritivo para que houvesse uma linha norteadora que garantisse a equidade do aprendizado (o mesmo objetivo do MEC com as novas diretrizes e as expectativas de aprendizagem). O processo de construção contou com a participação dos mais diversos setores da sociedade, e foi criado um sistema de avaliação nacional para acompanhar a implementação e observar o quanto as escolas estavam conseguindo atingir as expectativas de aprendizagem. Mas a semelhança com o movimento que vem ocorrendo no Brasil está na teoria. Como observa Patrícia, é possível elaborar um documento ideal, mas “qual adesão ele vai conseguir?”. “A grande questão é como ele será conduzido na prática. O que podemos extrair de todas essas experiências é que há uma enorme variedade de escolhas e de formas de construir o currículo, mas é fundamental pensar sempre em sua aplicação na ponta, na sala de aula.”