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Primaveras educacionais

Movimentos sociais que explodem ao redor do mundo para questionar as diversas formas de tirania política e econômica esbarram, direta ou indiretamente, na educação

Publicado em 30/11/2011

por Deborah Ouchana

Roberto Candia/ AP Photo/GlowImages
Movimentos sociais em todo o mundo também reivindicam
melhorias na educação

“Olhem à sua volta e
vocês encontrarão os temas que justificam a sua indignação. Vocês encontrarão
situações concretas que os levarão a praticar ações cidadãs fortes. Procurem, e
encontrarão!”. Quando o embaixador francês Stéphane Hessel escreveu, no livro
Indignai-vos!, um apelo à juventude para que transformasse sua
indignação em uma insurreição pacífica, talvez não imaginasse que, alguns meses
depois, movimentos sociais eclodiriam ao redor de todo o mundo, protestando
justamente contra aquilo que ele coloca como uma das principais justificativas
para o engajamento: a desigualdade e a injustiça social.

Pode parecer que movimentos como a primavera árabe, o protesto Occupy
Wall Street
, os indignados espanhóis ou a greve dos estudantes chilenos são
casos isolados. No entanto, apesar de suas particularidades e diferenças
evidentes, o sociólogo Michael Löwy, autor do livro Revoluções,
publicado pela editora Boitempo, acredita que os protestos evidenciam um
sentimento de insatisfação de toda a sociedade. “Estes episódios de revolta
testemunham uma indignação contra a tirania, seja de ditaduras carcomidas, seja
dos mercados financeiros. É uma revolta contra o poder cínico e descarado de uma
oligarquia brutal”, afirma.

A onda das revoltas populares teve início na Tunísia, em dezembro de 2010, e
se alastrou por diversos países, como Egito, Líbia, Omã, Jordânia e Iêmen. Os
movimentos surgiram de razões comuns: a precária condição econômica e a
existência de regimes autoritários. Como consequência, três chefes de
Estado foram derrubados: o presidente da Tunísia, Zine el-Abidine Ben Ali; Hosni
Mubarak, do Egito; e Muamar Gaddafi, da Líbia. Na Europa e nos Estados Unidos, a
insatisfação contra a tirania encontrou eco na crise econômica, desencadeada nos
Estados Unidos, em 2008. Em maio deste ano, milhares de espanhóis foram
convocados pela plataforma digital ¡Democracia Real Ya!para reivindicar
uma mudança na política espanhola. O movimento, que ficou conhecido como
“Indignados”, surgiu próximo das eleições municipais e suas principais
motivações são as medidas tomadas pelo governo em relação à crise e à falta de
oportunidades para os jovens – a taxa de desemprego na Espanha chega a 21,2%, a
mais elevada entre os países desenvolvidos.

Já nos Estados Unidos, a concentração de renda é a principal razão para os
protestos do movimento Occupy Wall Street, que se autodenomina “os 99%
da população contra o 1% mais rico”. O epicentro do movimento é a cidade de Nova
York, mas em dois meses o ato se espalhou para outros locais dos Estados Unidos,
como Washington, Atlanta, Tallahassee, Oakland, Dallas, Los Angeles, São
Francisco, Seattle, Chicago, Filadélfia, Houston, San Diego e Denver. Pelo
mundo, ocorreram protestos na Austrália, Inglaterra, Nova Zelândia, Bélgica,
Itália, Alemanha, Taiwan e também no Brasil, entre outros. O The Guardian criou
um mapa com os lugares onde o
movimento despontou. A estimativa era de 950 cidades em 82 países.

Nesse contexto de crise generalizada, a educação vem à tona, direta ou
indiretamente. Na Espanha, com a redução do orçamento destinado à área,
professores foram às ruas protestar contra a decisão. Nos EUA, as reivindicações
do movimento Occupy Wall Street estão relacionadas ao meio educacional:
a desigualdade social, cada vez mais latente no país, chega à porta das escolas,
já que o fator socioeconômico é determinante à aprendizagem. Não à toa, há
professores entre os manifestantes. Além disso, um grupo de docentes e pais de
Nova York resolveu extrapolar o contexto do Occupy Wall Street e criou
o Occupy the DOE (Ocupe o Departamento de Educação, em tradução
literal). O objetivo é um só: dar voz a esses atores, que se consideram pouco
ouvidos por aqueles que elaboram as políticas públicas. E no Chile, a voz contra
a desigualdade social tomou forma no protesto dos alunos que desaprovam o modelo
de financiamento educacional – a greve estudantil já dura sete meses. Conheça
mais sobre cada caso nos quadros a seguir.

CHILE
Apesar de o país ter o melhor desempenho
da América do Sul no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), há
sete meses milhares de estudantes estão em greve, protestando contra o modelo de
financiamento da educação. “O protesto dos estudantes chilenos se dirige, antes
de tudo, contra a privatização da educação, desenvolvida no governo Pinochet, e
sua transformação em vulgar mercadoria”, aponta o sociólogo Michael Löwy.

Em 1981, Pinochet reformou o sistema educacional e eliminou a educação
superior gratuita. A partir de então, os estudantes que querem entrar em uma
universidade e não têm como pagá-la são obrigados a participar de um sistema de
créditos, tanto para instituições estatais, quanto para privadas. “Quando o
jovem entra na universidade, já tem uma dívida própria. A não ser que tenha
dinheiro para saldar mês a mês o empréstimo que fez para pagar os estudos”, diz
o chileno Alejandro Villouta Canales, que está no Brasil há dois meses em busca
de melhores oportunidades. Ele cursou artes cênicas da Universidade de
Valparaíso e hoje tem uma dívida de 4 milhões de pesos chilenos (aproximadamente
R$ 14 mil) com o governo.

A mobilização teve início com estudantes do ensino superior, mas pouco a
pouco os alunos secundários também passaram a integrar o movimento. Na Educação
Básica, há três tipos de escolas: as privadas, as privadas subvencionadas e as
públicas municipais. No caso das subvencionadas, o governo dá um voucher às
famílias para completar o pagamento da mensalidade. Já nas públicas, as famílias
não pagam os estudos dos filhos; no entanto, seus resultados educacionais são os
piores, dificultando o ingresso em uma universidade.

Outra bandeira levantada pelo movimento estudantil é a desmunicipalização das
escolas e uma maior participação do Estado na educação. Segundo o jornal La
Tercera
, o ministro da Educação, Felipe Bulnes, anunciou que enviará ao
Congresso um projeto sobre desmunicipalização que promete mudar o sistema
educacional atrelado aos municípios.

Leia mais sobre os protestos estudantis no
Chile

ESPANHA
A crise econômica em que o país está
afundado obrigou o governo a reduzir investimentos em educação. Foram anunciadas
diversas medidas possíveis para diminuir os gastos, como o polêmico aumento de
horas de aulas por professor no ensino secundário. Assim, os professores
titulares acabam trabalhando mais pelo mesmo salário e o governo deixa de
contratar professores interinos. Além disso, o Ministério da Educação reduziu
cerca de 10% o corpo docente das escolas madrilenhas. Para compensar a
diminuição no quadro docente, o número de alunos por sala de aula cresceu.

Madri não foi a única região a sofrer com os cortes na educação. Das 17
regiões autônomas da Espanha, 10 se mobilizaram contra as alternativas
apresentadas pelo governo, entre elas Galícia, Navarra e Catalunha. Nessas
regiões, estima-se que um total de 8,2 mil professores temporários será
licenciado. Em Valência, o número de professores particulares para alunos com
dificuldades de aprendizagem também foi reduzido, além de especialistas
educacionais, como pedagogos.

Os indignados espanhóis se manifestaram contra os cortes e ganharam o apoio
de pais, alunos e professores. Na manhã de ontem (29), os sindicatos convocaram
uma nova greve em Madri, é a nona desde setembro, mas a situação não mudou
muito. Os professores continuam firmes, enquanto a ministra da Educação, Lúcia
Figar, se nega a negociar as medidas aprovadas. Segundo dados do jornal El
País
, a participação do segmento nas greves vem diminuindo.

Leia mais sobre a crise educacional na
Espanha

ESTADOS
UNIDOS
Em um artigo intitulado “Of the 1%, by the 1%, for the
1%”, para Vanity Fair, o Nobel de Economia Joseph Stiglitz aponta que
há 25 anos a faixa do 1% mais rico da população detinha 12% da renda americana e
controlava 33% da riqueza do país. Hoje, esse grupo tem 25% da renda e controla
40% da riqueza nacional. Stiglitz ressalta que enquanto o topo da pirâmide viu
seu rendimento aumentar quase 18%, as classes média e baixa têm visto seus
rendimentos cair cada vez mais. Para os homens que cursaram apenas até o ensino
médio, a queda nos últimos 25 anos foi de 12%.

Segundo dados do censo norte-americano, o total de desempregados nos EUA em
2010 era de quase 15 milhões de pessoas. Há dez anos, esse número não chegava a
6 milhões. Outro dado alarmante: entre 2009 e 2010, mais de 1 milhão de crianças
passaram a viver na linha da pobreza, o que significa um total de 15 milhões de
crianças. Por essas razões, no dia 17 de setembro, um grupo se organizou para
ocupar um dos mais importantes centros financeiros do mundo: a região de Wall
Street, onde está localizada a bolsa de valores de Nova York.

Na ocasião, aproximadamente 2 mil pessoas acamparam na praça Zuccotti em
protesto à concentração de renda, à desigualdade social e à alta taxa de
desemprego, que vem crescendo no país nos últimos anos. O movimento se posiciona
também contra a influência empresarial no governo e pede que os responsáveis
pela crise, desencadeada em 2008, sejam punidos. O protesto ganhou apoio de
diversas cidades ao redor de todo o mundo; ao todo são 950 cidades em 82 países
diferentes.

As questões discutidas pelo movimento Occupy Wall Street estão
também relacionadas ao setor educacional. Pensando nisso, um grupo de
professores de Nova York se organizou e criou o Occupy the DOE (Ocupe o
Departamento de Educação). O objetivo do movimento é protestar contra a falta de
voz dos pais, alunos e professores no processo de elaboração de políticas
educacionais, enquanto executivos e empresas privadas exercem influência direta
nas escolas.

Leia entrevista com a professora Leonie Haimson,
ativista norte-americana envolvida no movimento “Occupy the
DOE

Autor

Deborah Ouchana


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