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Adriana Fóz

Neuropsicóloga, educadora e diretora da NeuroConecte

Publicado em 12/03/2025

Filme ‘Ainda estou aqui’, história para estar na escola

Obra pode ser usada para refletir lições que o passado nos oferece e, enquanto sociedade, como garantir que as injustiças não se repitam

Em pleno 2025, ainda estamos aqui e é essencial que estejamos em todos os espaços educacionais. Recentemente, assisti a Ainda estou aqui — sem dúvida, deve fazer parte do repertório escolar. Com uma beleza arrebatadora e uma sensibilidade profunda, o filme traz à tona um tema que não pode ser silenciado, como foi em 1970, durante a repressão da ditadura militar.

Ele nos apresenta uma história de resistência e memória, algo que, como sociedade, precisamos preservar e discutir também dentro das instituições de ensino. O que me motivou a escrever sobre o assunto foi a busca pela história dos fatos e a revelação dos sentimentos das pessoas envolvidas, além das consequências que esses eventos têm na vida do coletivo. 

O realismo envolvente do filme faz com que o espectador se sinta parte da mesa da família Paiva, compartilhando suas dores, suas dúvidas e suas lutas. As atuações extraordinárias, especialmente de Fernanda Torres e Selton Mello, são dignas de todos os elogios. A direção e autoria de Walter Salles e Marcelo Rubens Paiva, respectivamente, são igualmente primorosas, assim como o envolvimento incessante por justiça e pela preservação da memória.

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A figura de Eunice, esposa de um deputado federal que, apesar das imensuráveis perdas, nunca se calou, representa a resistência não apenas ao regime, mas também à tentativa de apagar a história das pessoas e das gerações afetadas.

Em um contexto educacional, a reconstrução da memória histórica, sob um olhar de 360 graus, é salutar. Não se trata apenas de recordar eventos passados, mas de entender os impactos emocionais e sociais que esses eventos tiveram e ainda têm nas vidas das pessoas. A luta pela verdade, a preservação da memória histórica e a construção de uma narrativa plural são essenciais para que as novas gerações possam compreender a complexidade dos acontecimentos e formar uma visão crítica sobre o presente. O ensino da história não deve se limitar a uma sequência de fatos sem seus contextos, mas deve incluir o estudo das emoções, das experiências humanas e das consequências desses fatos na vida dos indivíduos e das sociedades.

A memória não é simplesmente a oposição ao esquecimento. Ela é um processo ativo de seleção de informações, de reedição de lembranças, em que podemos esquecer certos aspectos para poder relembrar o que é essencial, o que nos ajuda a aprender, a crescer e a evitar que os erros do passado se repitam. 

A dor da viúva e mãe de cinco filhos, Eunice, ao reviver constantemente o desaparecimento e assassinato do marido, exemplifica como a memória pode ser um peso, mas também como ela se torna um pilar de resistência e de esperança. A sua luta foi pela preservação de uma história que precisaria ser contada no futuro para que a justiça fosse feita. 

Penso que é exatamente essa busca pelo conhecimento por meio de vivências, trocas, questionamentos, valores que podem ser cultivadas nos espaços educacionais.

Ainda estou aqui

Fernanda Torres participa do 2025 EE BAFTA Film Awards no Royal Festival Hall (Foto: Shutterstock)

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Este filme não é sobre a violência em si, mas sobre os valores que sobrevivem a ela: amizade, solidariedade, família e a força dos laços humanos. Não é um filme sensacionalista, mas, sim, uma obra que honra as cicatrizes deixadas pela história e, com elegância, revela as lições que podemos aprender a partir delas. Afinal, mesmo na separação e no medo, a coragem pode surgir por meio da memória coletiva que tem o poder de curar e ensinar.

A arte, nesse sentido, é uma ferramenta poderosa no processo educacional, pois nos permite mergulhar em histórias humanas que podem transformar nossa percepção sobre o mundo. O filme nos lembra que, ao preservarmos a memória dos momentos mais difíceis da história, podemos ensinar aos alunos a importância da empatia, da justiça e da luta pelos direitos humanos. 

O filme, como um conteúdo educacional, pode ser usado como um ponto de partida para debates sobre as lições que o passado nos oferece e sobre como, enquanto sociedade, podemos garantir que as injustiças não se repitam.

Lembrei também da famosa obra de Salvador Dalí, A persistência da memória, que com seus relógios derretidos simboliza a percepção do tempo interior, aquele que não se submete à lógica cronológica. A persistência da memória de Eunice reflete isso, pois faleceu com a doença de Alzheimer, quase uma ironia frente ao seu legado: a perseverança da memória histórica que ajudou a construir.

Assim como Dalí subverte o tempo em sua pintura, a memória da ditadura e de outros sistemas que oprimem e tolhem o ser humano também são marcados num tempo não linear. Por isso precisa ser constantemente revisitada, recontada e sentida, para que sua persistência, e os ensinamentos que ela carrega não se apaguem com o passar das gerações. 

O filme, e as histórias como de Eunice, devem ser lembrados, contados e discutidos nas escolas, para que cidadãos mais críticos, mais empáticos e mais comprometidos protagonizem um futuro mais justo e humano.

*Reescrito a partir de meu post no Instagram

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