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Instituto Ayrton Senna

Artigos escritos por pesquisadores do laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna (eduLab21)

Publicado em 17/09/2024

Precisamos continuar falando sobre saúde mental nas escolas

A construção de um ambiente escolar seguro para todos é o que permite que dificuldades ou vulnerabilidades possam ser identificadas e, se necessário, encaminhadas adequadamente

Por Ana Crispim*: Falar sobre saúde mental envolve falar sobre diversos desafios que, por vezes, parecem invisíveis. No cotidiano das escolas, esses desafios podem aparecer por meio de relatos como “Ninguém vai entender o que estou passando, não adianta conversar”, “É só uma fase, logo passa”, ou “Não quero falar sobre isso, quero esquecer”. 

Crianças, adolescentes e adultos encontram barreiras significativas para discutir suas questões emocionais, pois expressá-las ou falar sobre elas em voz alta pode ser desconfortável. São conversas que podem vir com medo de incompreensão, medo de julgamentos ou com tentativas de não lidar com sentimentos difíceis, pois crê-se que eles irão embora com o tempo ou crê-se que não existe solução.  

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Nas escolas, esses relatos podem vir acompanhados de comportamentos frequentes de isolamento, desmotivação para as aulas, dificuldade para se concentrar nas atividades, sentimentos constantes de tristeza e, em casos mais graves, tentativas de automutilação e suicídio. 

Por exemplo, em mapeamento realizado no retorno às aulas presenciais em 2021, foi encontrado que os estudantes estavam relatando prejuízos na saúde mental por meio de dificuldades moderada e alta para se concentrar (33% dos estudantes), perda de confiança em si (13,6%) e sentimentos de tristeza (11,4%). 

Causas e seus diferentes fatores

Esses comportamentos destacavam pedidos de ajuda por parte dos estudantes, mas também destacavam a multiplicidade da causa dos sintomas e das estratégias de intervenção necessárias para lidar com os desafios encontrados naquele momento. 

Quando alguém está passando por uma situação desafiadora ou está em sofrimento, é comum se questionar sobre qual é a causa ou o motivo do sofrimento. No entanto, existem diversos fatores que podem estar conectados com uma situação. 

Os prejuízos na saúde mental podem se relacionar com aspectos pessoais, familiares e/ou sociais interagindo com aspectos biológicos

No nível pessoal, eles frequentemente se relacionam com percepções de baixa autoestima ou insegurança. No contexto familiar, eles podem surgir em resposta a situações com algum tipo vulnerabilidade ou eventos estressores nas dinâmicas familiares. No âmbito social, eles podem estar relacionados a experienciar situações traumáticas, como bullying ou eventos extremos de estresse (como uma pandemia ou desastre natural), além do uso excessivo de mídias sociais e a ausência de redes de apoio, dentre outras possibilidades.  

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As consequências desses sintomas aparecem em dados que se tornam cada vez mais preocupantes. De acordo com levantamento de 2024 da Folha de S.Paulo com base nos dados da Rede de Apoio Psicossocial do Sistema Único de Saúde (SUS), entre 2013 e 2023, o ano de 2023 registrou a maior incidência de atendimentos por sintomas de ansiedade e depressão nas faixas etárias de 10 a 14 anos e 15 a 19 anos. As taxas chegaram a 125,8 e 93,1 pacientes a cada 100 mil para ansiedade e depressão, respectivamente, entre adolescentes de 10 a 14 anos. 

Para os jovens de 15 a 19 anos, os números foram ainda mais elevados, com 157 atendimentos para ansiedade e 130,4 para depressão a cada 100 mil. Esses dados contrastam fortemente com os de 2013, quando as taxas de ansiedade para a faixa de 10 a 14 anos eram de apenas 9,7 por 100 mil, e as de depressão, 11,4 por 100 mil. 

Na faixa de 15 a 19 anos, os números em 2013 eram igualmente baixos: 13 casos de ansiedade e 18,5 de depressão por 100 mil habitantes. 

Socioemocional como estratégia

Esse aumento dialoga com a necessidade de se pensar em políticas públicas voltadas para a promoção de saúde mental entre crianças e jovens, incluindo ações de garantia de espaços seguros e acolhedores em seu cotidiano, como as escolas.  

Além de serem espaços de aprendizado, as escolas são ambientes cujos vínculos significativos são construídos entre os estudantes, seus pares e os educadores. A construção desse espaço, seguro para todos, é o que permite que dificuldades ou vulnerabilidades possam ser identificadas e, se necessário, encaminhadas adequadamente. 

Nesse aspecto, o desenvolvimento socioemocional tem se destacado como parte importante das estratégias de promoção da saúde mental nas escolas. Aliado a ações intersetoriais que envolvem equipes de saúde, educação e assistência social, ele oferece benefícios para as dimensões pessoal, familiar e social de cada estudante, podendo ser abordado a partir de ações pedagógicas na escola. 

Apoio integral

Em pesquisa do Instituto Ayrton Senna sobre as competências socioemocionais de estudantes e sua saúde mental, foi encontrado que aqueles que indicavam visões mais otimistas sobre si e sobre os outros, relatavam um envolvimento ativo e positivo com suas atividades e interesses, e mais recursos para a regulação de sentimentos de ansiedade e estresse, relatavam melhores percepções de saúde mental. 

Isso tem um efeito significativo na vida dos estudantes: dados de um relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2024) revelam que indicadores de saúde mental estão diretamente ligados à percepção de qualidade de vida, a sensação de bem-estar e à capacidade de enfrentar os desafios do dia a dia. Aspectos, estes, que apoiam o desenvolvimento integral dos estudantes durante a educação básica e que lhes apoiam a desenvolver o seu potencial.  

Diversas iniciativas podem apoiar a promoção de saúde mental em conjunto com o desenvolvimento socioemocional nas escolas. Incluem-se aqui estratégias como os mapeamentos socioemocionais, identificação de recursos disponíveis nos territórios (por exemplo, Centros de Atenção Psicossocial, os Caps), protocolos claros de encaminhamento, espaços de escuta ativa e ações de conscientização voltadas para a família e a comunidade escolar. 

É essencial a elaboração e manutenção dessas estratégias, preventivas e remediativas, para monitorar os desafios enfrentados pelos estudantes e pela comunidade escolar, e para intervir quando necessário. Afinal, a saúde mental é um direito de todos, e todos devem ter acesso a um espaço seguro de acolhimento, compreensão, escuta e apoio.  

saúde mental nas escolas

Crianças, adolescentes e adultos encontram barreiras significativas para discutir suas questões emocionais, pois expressá-las ou falar sobre elas em voz alta pode ser desconfortável (Foto: Shutterstock)

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Lembre-se que, se você está passando por algum momento difícil ou conhece alguém que está nesse momento, peça ajuda ou busque a ajuda de um profissional. Você não está sozinho(a). Abaixo indicamos algumas iniciativas disponíveis:  

–Mapeamento de iniciativas disponíveis em diversas regiões do Brasil: https://mapasaudemental.com.br/ 

–Centro de Valorização da Vida: Ligue 188 

Para saber mais 

Atividades práticas da iniciativa Volta ao Novo para o desenvolvimento de Resiliência emocional nas escolas, lançado em  2020: https://institutoayrtonsenna.org.br/app/uploads/2022/11/instituto-ayrton-senna-macrocompetencia-resiliencia-emocional.pdf 

E-book Competências socioemocionais são para a vida: a relação do desenvolvimento socioemocional com o desempenho escolar, estratégias de aprendizagem, bem-estar, saúde mental, autoestima acadêmica, violência, bullying e pertencimento escolar, lançado em 2023:

https://institutoayrtonsenna.org.br/app/uploads/2023/08/ebook

Competenciassocioemocionaissaoparaavida.pdf 

Levantamento da Folha de S.Paulo sobre registros de ansiedade e depressão em crianças e jovens do Brasil, lançado em 2024:

https://www1.folha.uol.com.br/folhateen/2024/05/registros-de-ansiedade-entre-criancas-e-jovens-superam-os-de-adultos-pela-1a-vez.shtml 

Mapeamento socioemocional no retorno das aulas após a pandemia, lançado em 2022: https://institutoayrtonsenna.org.br/app/uploads/2022/11/IAS_SaudeMental_2022.pdf 

Relatório da OCDE sobre competências socioemocionais, lançado em 2024: https://www.oecd-ilibrary.org/education/social-and-emotional-skills-for-better-lives_35ca7b7c-en 

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Ana Crispim é gerente de pesquisa do Laboratório de Ciências para Educação (eduLab21) do Instituto. Psicóloga, mestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em psicologia, com ênfase em psicometria pelo programa de pós-graduação em psicologia da University of Kent, Reino Unido, com pós-doutorado em modelagem estatística para ciências do comportamento na Universidade de São Paulo.    

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