NOTÍCIA
Ao restringir dispositivo, projeto Mente Presente incentiva jovens a treinar a sua habilidade de concentração
A tecnologia pode ser uma grande aliada na globalização, integração das informações e até mesmo na construção de protótipos digitais de forma rápida, mas o uso excessivo pode prejudicar o sono, o foco, a interação e a memória, por exemplo. É o que destaca Luciana Winck Corrêa, vice-diretora do Colégio Marista João Paulo II, localizado em Brasília, Distrito Federal, instituição de ensino responsável pela criação do projeto Mente Presente, iniciativa criada para restringir o uso de celulares dentro das salas e auxiliar os estudantes a melhorarem sua habilidade de concentração.
“Nós não precisamos demonizar o celular nem o computador, mas precisamos ajudar na autorregulação, e o grande objetivo do projeto foi esse: não proibir o uso, mas restringir para que a gente treine a capacidade de saber ficar sem por um tempo”, destaca Luciana, que já atua há três anos como vice-diretora.
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A iniciativa surgiu após uma palestra para famílias e educadores com o psicólogo Cristiano Nabuco, especialista da Universidade de São Paulo (USP) em dependência digital. A partir da conversa com o profissional, a escola resgatou recortes da palestra para conscientizar não só os alunos sobre a importância da disciplina do desligamento do celular, mas também os responsáveis pelos estudantes, e passou a utilizar um armário com nichos para guardar os smartphones durante as aulas.
“A nossa escolha foi um armário com nichos com uma porta única, ou seja, uma chave única que fica com o professor e é a mesma que ele utiliza para trancar a sala de aula, quando é hora do intervalo. O professor já aproveita no primeiro período e faz a chamada com o celular sendo colocado lá e depois em um dos intervalos, o celular é liberado”, explica a vice-diretora.
A troca de bilhetes entre os colegas, estudantes mais atentos e elevação de resultados na aprendizagem são algumas manifestações positivas após a implementação do projeto. Os alunos também passaram a interagir mais entre si.
“Notamos que os espaços de convivência, principalmente em torno de algo que eduque, começam a ser mais procurados. A gente tinha muito estudante que se retirava para dentro do ginásio e ficava sozinho por lá, não que não aconteça hoje, mas diminuiu bastante e notamos mais convivência”, argumenta a vice-diretora.
Conscientizar os estudantes da importância do projeto foi uma surpresa positiva para os educadores do Marista João Paulo II. Luciana conta que ao apresentarem os motivos pelos quais é necessário se distanciar das telas durante as aulas no projeto piloto, que aconteceu de setembro a dezembro do ano passado do 6º e 7º ano, os estudantes já guardavam os smartphones no armário, embora ele ainda não estivesse sendo utilizado.
Este ano, quando o projeto passou a funcionar também no ensino médio, Winck destaca que houve resistência de um ou outro estudante, já que se trata de uma mudança de cultura, mas que não existiu nenhum problema de disciplina.
“A gente está letrando, mas letrar não é simplesmente restringir o celular. Restrição tem a ver com saúde, saúde mental e emocional, saúde da aprendizagem. Então, não é uma proibição por disciplina. A gente fez muito essa distinção no início para que os jovens não tivessem justamente a resistência em disciplinar algo que você não discutiu”, argumenta Luciana Winck Corrêa.
Embora o uso dos celulares na sala de aula seja restrito, o colégio apresentou outros tipos de tecnologias para que os alunos pudessem fortalecer o processo de aprendizagem. Como é o caso do laboratório de informática itinerante com Chromebooks e iPads, a plataforma Iônica da FTD Educação e as aulas de robótica.
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A inserção da inteligência artificial (IA) no dia a dia dos estudantes, e a capacitação de professores para que esses possam “perder o medo do uso” da IA, segundo Luciana, são outras inovações utilizadas. De acordo com ela, a implementação das novas tecnologias está sendo benéfica para os alunos e educadores.
“A gente teve a parceria para formar alguns professores num curso de extensão como uma faculdade do Distrito Federal, que agora vão fazer o curso de inteligência artificial, voltam contando o quanto é possível perder o medo de uso e que é possível criar com a inteligência”, completa Luciana Winck.
O envolvimento das famílias dos estudantes foi indispensável para que o Mente Presente alcançasse sucesso. Fora do ambiente escolar e nas casas dos estudantes, foi sugerido pela escola e pelo professor Nabuco que os responsáveis negociassem quais seriam os momentos em que o celular poderia ficar guardado em uma caixa e longe do alcance tanto dos estudantes como dos outros membros da família.
Para auxiliar as famílias nessa tarefa e incentivar o diálogo entre si, o colégio ofereceu palestras relacionadas à comunicação não violenta. “Porque tudo está interligado, você não pode simplesmente deixar de se comunicar. Você só vai escolher que horas vai se comunicar [pelo celular] e que horas dará espaço pra alimentar uma outra comunicação que tem sido muito restrita, desde a pandemia”, orienta Luciana Winck sobre a iniciativa da escola em conjunto com as famílias.
“Tanto o pai que é um educador em casa, quanto o professor que é um educador na escola, o papel deles é ser humano, é manter a relação que a aprendizagem necessita para que ela aconteça. Há muitos anos a gente fala que aprender não é mais reproduzir, mas não executamos na prática essa preocupação com o desenvolvimento das relações. Então, um projeto como esse, ou outros que têm por aí, são importantes porque dão força para projetos de relacionamento humano”, finaliza a vice-diretora Luciana Winck Corrêa.
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