NOTÍCIA

Formação docente

Qualidade das escolas de Sobral influencia faculdades locais

Há quase 30 anos dando continuidade às mesmas reformas educacionais, política sobralense de formação continuada docente e de gestão tem inspirado também a formação inicial da região

Publicado em 05/07/2024

por Luciana Alvarez

As críticas e divergências fazem parte da relação desde o início. Ainda assim, em Sobral, cidade cearense referência em educação pública e cuja renda média da população está abaixo de um salário mínimo, a Escola de Formação Permanente do município e faculdades que dão a formação inicial de docentes na região vêm intensificando o diálogo ao longo do tempo, em busca de aperfeiçoamento mútuo. Agora, num momento em que a cidade se prepara para mais um grande desafio, o de oferecer ensino integral para 100% dos estudantes a partir de 2025, os laços se estreitaram ainda mais.   

Antes de começar sua oferta de ensino integral para todos os alunos da cidade, numa articulação entre a rede municipal e estadual, os gestores da educação de Sobral decidiram montar um observatório para o tema. Além de monitorar o cumprimento da meta, o órgão está ouvindo professores, alunos, famílias e empresários locais para entender o que cada ator espera da mudança. A instituição que ficou responsável por coordenar os esforços é a sobralense Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). “Fomos convidados para acompanhar o ensino 100% integral das escolas de Sobral, liderando o comitê intersetorial. É um trabalho em conjunto, mas que foi criado a partir de um movimento da prefeitura”, conta Izabelle Albuquerque, reitora da UVA.

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Os acertos também dizem respeito à Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional (Esfapege) de Sobral, criada em 2005 como parte da política educacional do município, cujo foca é a rotina escolar e não a teoria, e que vai passar a operar dentro da universidade, num movimento que pretende ajudar a fortalecer a formação inicial dos docentes. “Quando as formações forem acontecendo, a gente já vai envolver os estudantes dos últimos períodos das licenciaturas. A ideia é estar cada vez mais alinhado à educação em Sobral. Isso vai ser um diferencial. O estudante já sairá mais pronto para ser absorvido pelas escolas”, conta a reitora.   

escolas Sobral

A Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional de Sobral foi criada em 2005. Cidade saiu da posição 1.407 no Ideb do mesmo ano e está na melhor posição do Brasil desde 2017 (Foto: Esfapege/divulgação)

Izabelle lembra que a UVA tem sua área de influência nos 47 municípios da zona noroeste do Ceará. “Temos 9 mil alunos e 75% deles fazem os percursos para as suas cidades diariamente”, relata. A UVA nasceu como uma universidade municipal de Sobral, mas depois passou para o estado, mas continuou um trabalho muito próximo à prefeitura, sempre buscando atender às demandas locais. Portanto, os Izabelle lembra que a UVA tem sua área de influência nos 47 municípios da zona noroeste do Ceará. “Temos 9 mil alunos e 75% deles fazem os percursos para as suas cidades diariamente”, relata. A UVA nasceu como uma universidade municipal de Sobral, mas depois passou para o estado, mas continuou um trabalho muito próximo à prefeitura, sempre buscando atender às demandas locais. Portanto, os efeitos da aproximação dos futuros professores com as práticas positivas de educação de Sobral serão sentidos para além das fronteiras municipais.  

escolas Sobral

“O estudante já sairá mais pronto para ser absorvido pelas escolas”, diz Izabelle Albuquerque, reitora da Universidade Estadual Vale do Acaraú e parceira do projeto com o município (Foto: arquivo pessoal)

Embora a admiração atual pelas práticas da rede municipal seja quase unânime afinal, os resultados são incontestáveis —, quando Sobral adotou como meta alfabetizar todas as crianças aos seis anos e consolidar a alfabetização aos sete anos, a ideia foi duramente criticada por vozes vindas da academia. “Fomos criticados pelas universidades, por pesquisadores da educação. Alguns colegas diziam que a gente desrespeitava o tempo de cada criança. Eu até entendo a crítica, mas via a escola particular alfabetizar todos aos cinco anos com naturalidade. Sou filho da escola pública e essa diferença sempre me inquietou mais que as críticas”, lembra o professor Amaury Gomes, presidente da Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional da cidade. 

Do outro lado, representantes das redes de ensino também costumam apontar o dedo para as universidades pela falta de preparo das práticas de sala de aula dos docentes recém-formados. O professor Amaury fazia parte desse coro: “Eu usava uma metáfora, de que ver um professor chegar na sala de aula pela primeira vez era como ver um alien chegar à Terra. Lá nos anos 2000, parecia que aquele professor vinha de um outro planeta. O que motivou a criação da escola de formação, em 2005, foi esse hiato entre a academia e o espaço da sala de aula”, recorda.  

Amaury

O surgimento da Escola de Formação se deu pelo “hiato entre a academia e o espaço da sala de aula”, conta o professor Amaury Gomes, presidente da instituição
(Foto: arquivo pessoal)

Sobral ainda exige que novos professores passem por uma formação de 200 horas assim que assumem o cargo, mas Gomes reconhece que a defasagem diminuiu nos últimos 20 anos. “Mudou muito, a qualidade melhorou. A Escola de Formação tem hoje vários parceiros, com universidades públicas e privadas. Isso traz mais valor. Mas nosso acompanhamento de um novo professor na rede continua muito forte; mostramos que ele não está sozinho”, conta. Há ainda encontros temáticos mensais com os formadores, sempre com a colaboração de parceiros que, em geral, vêm de universidades.  

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Avaliações padronizadas em larga escala podem ter suas falhas, mas não deixam de ser uma régua importante para comparar o aprendizado dos estudantes. Em 2021, o Ideb (indicador de qualidade) de Sobral foi de 8 para os anos iniciais do fundamental e de 6,6 para os finais. Não se trata de um pulo acidental, mas de um crescimento acelerado e consistente. Sobral saiu da posição 1.407 no Ideb de 2005 e está na melhor posição do Brasil desde 2017. O Ideb é calculado com base em dados de aprovação nas escolas e de desempenho dos alunos no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que avalia os conhecimentos dos estudantes em língua portuguesa e matemática. 

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Como nem só de professores vive a escola, a formação é para todos que trabalham nas escolas: psicólogos, brinquedistas, cuidadores do atendimento especializados, etc. A cada mês são feitas 40 formações; elas acontecem em horário de trabalho, para todos comparecerem. A parceria com as universidades se estreita justamente num momento em que a demanda por formação vai crescer. “As parcerias com a academia têm se fortalecido; foi a UVA que fez uma pesquisa de campo com as famílias sobre a aderência à proposta Sobral 100% integral. E o comitê intersetorial (que conta com professores e pesquisadores universitários) tem tido discussões bem calorosas”, conta Gomes.  

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Para continuar sendo referência, Sobral e outros municípios cearenses trabalham constantemente, com vários parceiros e colaboradores externos, e sempre apoiados por políticas públicas, explica Maria José Costa dos Santos, professora do curso de pedagogia da Universidade Federal do Ceará (UFC), que também atua como consultora da rede estadual e já promoveu várias formações em Sobral. “Toda vez que vou a algum evento nacional de educação, as pessoas me perguntam qual é o segredo. Todo mundo quer ser como Sobral, mas quem quer arregaçar as mangas e trabalhar como Sobral?”, questiona.  

Sobral

O programa de formação continuada de Sobral vai passar a operar dentro da universidade, num movimento que pretende ajudar a fortalecer a formação inicial dos docentes (Foto: Esfapege/divulgação)

A formação docente constante é um dos pilares e tem sido promovida em todo o Ceará. Para isso, os convênios com as universidades são essenciais. Mas a verdade é que o contato constante com a academia acaba retroalimentando as próprias graduações. Ao mesmo tempo que o professor universitário ajuda a preparar os professores que estão em serviço na educação básica, ele também aprende com quem está diariamente na sala de aula.  

“Temos universidades que preparam de forma teórica, mas aqui nós vamos ao encontro da escola, que está mais focada no aluno, na prática. Eu, por exemplo, lidero um grupo de estudos de aprendizagem de matemática com 200 professores. Eles trazem as experiências da sala para relacionar com a teoria. É nesse grupo que eu me alimento e me fortaleço”, conta Maria José. 

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Para ela, os convênios oficiais fazem a diferença, porque institucionalizam a relação faculdades-redes. “Quando saiu o Plano Nacional de Educação (PNE) dizendo que as escolas básicas precisariam ter 50% dos professores com mestrado ou doutorado (meta 16), as secretarias buscaram as universidades para dar formações específicas”, destaca. 

Apesar de as relações estarem relativamente bem estabelecidas, a professora da UFC reconhece que “nem tudo são flores” e a escola nem sempre está de portas abertas para receber estudos e pesquisas pedidos pelos acadêmicos. “A gente ainda tem dificuldade em realizar algumas práticas, mas faz sentido, porque as redes públicas precisam mesmo ter cuidados, não podem deixar qualquer um entrar na escola. O caminho é institucionalizar os processos”, defende E, entre os processos que ainda têm de avançar, estão as experiências dos futuros docentes dentro da escola de ensino básico.   

“O aluno precisa ir para a escola desde o 1º semestre de faculdade, para estar nesse laboratório que é a sala de aula, para vivenciar e compreender qual é a realidade que vai estar esperando por ele. Os programas de bolsa ainda chegam a muito poucos”, avalia Maria José. E, nesse ponto, a visão é profundamente convergente com quem está na linha de frente da formação em serviço na rede pública. “O tempo de estágio é muito pouco. Se eu tivesse poder de decisão, as universidades iriam para dentro da escola, os cursos poderiam acontecer dentro desse laboratório vivo”, diz Gomes, presidente da escola de formação de Sobral. 

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Luciana Alvarez


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