É neuropsicóloga, educadora e diretora da NeuroConecte
Publicado em 10/05/2023
A escola precisa ser protagonista de um movimento de prevenção e percepção de sinais de alerta
A minha provocação é que a escola seja a grande protagonista de um movimento de prevenção, percepção de sinais de alerta e gestão de casos que apareçam no dia a dia escolar, promovendo a mobilização e coordenação de todos esses atores — alunos, pais, professores, especialistas em saúde —, a trabalharem de forma articulada, conjunta, conectada.
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Indo direto ao ponto: o problema de saúde mental nas escolas é uma realidade preocupante em todo o mundo. Em média, 150 em cada mil alunos estão em sofrimento, tendo seus estudos prejudicados, e afetando outros com bullying ou outras formas de agressão.
Aprofundarei este tema na Bett Educar 2023*, em modelo de palestra inspiradora Escolas mobilizando pais e alunos pela aprendizagem e saúde mental, em 10 de maio, às 17h.
Independentemente de a escola ser pública ou privada, do nível socioeconômico dos alunos que a frequentam, temos que refletir se estamos cientes do que significa o problema de saúde mental entre os nossos jovens. Estamos realmente conscientes de sua magnitude? Estamos adotando as medidas corretas tanto de prevenção, quanto de identificação de casos provendo o adequado cuidado a cada um deles? Infelizmente não existem métodos, sistema de governo ou inteligência artificial que solucionem as questões emocionais e de saúde mental que atualmente assolam as escolas e a vida de todos. Não existem fórmulas mágicas. E não existe um vilão ou um salvador.
Existe sim um mundo complexo, uma enorme fonte de estresse tóxico circulando pelo organismo de nossos estudantes, professores, pais, e outros atores educacionais. Existem também agendas nem sempre alinhadas: outras prioridades de investimentos da escola ou das Secretarias de Educação dos estados e municípios; erro dos pais em delegar demais, em não ter tempo, ou condições… Todavia, há falta de conhecimento sobre o assunto por parte de todos para saber como agir de forma colaborativa e eficaz.
Aprender a lidar com as emoções são demandas de empresas em seus processos de contratação e em processos seletivos para importantes faculdades, mas também é um diferencial para o mercado de trabalho, onde quem teve a ‘sorte’ de ter oportunidades associadas ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais articuladas a fatores de proteção para a saúde mental levará ‘vantagem’. Contudo o assunto é ainda tratado com preconceito ou negligência no processo de educação dentro de casa ou da escola.
Ademais, tenho visto ONGs que dão suporte à Secretarias de Educação ‘maquiando’ formações de professores; livros didáticos sendo produzidos pelo viés econômico das grandes empresas editoras em detrimento ao óbvio; cursos ofertados como avalanches prometendo conhecimento por meio de trilhas formativas relâmpagos e até formação continuada baseadas em pseudociência.
O assunto é polêmico e envolve riscos. Enfrentá-lo de forma corajosa, sob medida, sem pensamentos mágicos e com a colaboração de profissionais competentes será o caminho de construção de uma educação grandiosa e qualificada para as próximas gerações enfrentarem seus desafios com dignidade. Um passo por vez, somando e crescendo juntos. Como disse o filósofo e escritor francês, Albert Camus: “A verdadeira generosidade para com o futuro está em dar tudo ao presente”. E aqui não posso deixar de relembrar do próprio Camus, ”somos responsáveis por aquilo que fazemos, pelo que não fazemos e pelo que impedimos de ser feito”.
Mas, mesmo que a direção escolar ou as secretarias de Educação tenham uma visão de curto prazo, tenho certeza que não vão querer que a próxima ‘crise’ aconteça na sua escola ou na sua cidade. O momento é agora.
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Tenho proposto três olhares pela saúde mental na escola, que acredito que devam fazer parte do dia a dia de um estudante:
OLHAR DE TODOS – Todos promovendo o autoconhecimento e o conhecimento em favor da prevenção e promoção. Familiares, alunos e educadores conectados durante todo o ano com o assunto. Sem fake news. Sem preconceitos. Sem menos valia! Seus alunos não querem ser influenciadores digitais? Não usam TikTok? Está aí uma ferramenta poderosa de peer education [aprendizagem por pares] bem na mão de todos;
OLHARES ATENTOS – Atentos na percepção de um potencial problema e inclusão desse aluno em um protocolo de atenção e cuidados. Não é só o professor que tem que ser competente para isso. Colegas e pais podem e devem participar do processo. E eu acredito que a escola deve promover o ‘como’ e o engajamento para que isso aconteça;
OLHARES EM AÇÃO – O aluno passa em média 25% do seu tempo dentro da escola. Ele vai dar sinais dentro da escola e o risco de um momento de crise acontecer sob os olhos de seus educadores é grande. Saber como agir, agir rápido, tirá-lo da crise ou engajá-lo em um programa de acompanhamento não é tarefa que as escolas estão acostumadas a fazer. Educadores tradicionalmente não são preparados para isso. O envolvimento de profissionais de saúde e de familiares é fundamental.
A escola que, de forma corajosa, liderar o processo de gestão das emoções e criar mecanismos de prevenção e promoção da saúde mental, estará de verdade, preparando nossos jovens para terem ‘um futuro’ próspero.
*A Bett Brasil é o maior evento de educação e tecnologia na América Latina. Acontece de 9 a 12 de maio, no Transamerica Expo Center, São Paulo. E nós, da Educação, estamos fazendo uma cobertura especial. Clique aqui para ficar por dentro de tudo.