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Por Fermín Damirdjian*: A prática de ensino a distância tem ganhado espaço em função da estranha pressa com a qual uma proposta de lei avança no Congresso e é encaminhada ao Senado. É um fenômeno que merece análises em âmbitos tão variados como vinculados entre […]
Publicado em 10/06/2022
Por Fermín Damirdjian*: A prática de ensino a distância tem ganhado espaço em função da estranha pressa com a qual uma proposta de lei avança no Congresso e é encaminhada ao Senado. É um fenômeno que merece análises em âmbitos tão variados como vinculados entre si: aspectos políticos, legais, pedagógicos, sociais e econômicos são alguns dos recortes possíveis para quem se propuser a analisá-lo. Discorreremos a seguir sobre alguns deles.
Sob o ponto de vista pedagógico, poder-se-ia argumentar que a escola convencional encontra-se carente de transformações. Afinal, o modelo que prevalece é basicamente o mesmo desde que a escola se disseminou como uma instituição que forma cidadãos nos moldes dos Estados-nação da era moderna. A busca por inovações é, no entanto, permanente e presente em muitas instituições escolares ao redor de todo o mundo.
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Sendo assim, evitar a instituição escolar e voltar-se para o ensino em âmbito isolado e doméstico não parece tanto uma transformação, mas a negação de um aspecto que é essencial à escola desde seus primórdios: o âmbito social.
Se bem é verdade que o ensino coletivo não garante uma construção de conhecimento de fato socializada, nem evita que ele seja por vezes excessivamente dirigido, dogmático ou estreito em seus valores e métodos, por outro lado não faltam metodologias erguidas sob os fundamentos da construção coletiva. E o que esses embasamentos teóricos e práticos podem oferecer de tão interessante? Por quais motivos não podemos dispensar a frequência de uma criança ou jovem à escola, e mantê-lo aprendendo dentro de casa? Afinal, não é possível ensinar os conteúdos lendo livros didáticos? Não está todo o conhecimento neles? Ou ainda, por que não pode alguém instruir-se através da internet? É comum que adultos e crianças digam que tudo está disponível na internet – afirmação que encerra a possibilidade absoluta do desenvolvimento cognitivo através de informações obtidas online.
Deparamo-nos aqui, por fim, com uma pergunta que parece bastante simples: por que frequentar a escola?
Negar o espaço escolar seria negar o encontro entre as pessoas – e falamos ainda de pessoas em formação. Pensar que uma escola é um lugar que serve apenas para que um professor transmita o conhecimento por sua presença, ainda que mediada pela oralidade e pelo fornecimento de materiais didáticos, é um reducionismo. Ainda assim, podemos pensar que até mesmo uma escola que se proponha ao recurso da transmissão de conhecimento de forma expositiva oferece a riqueza das inevitáveis situações de negociação e convivência oferecidas em qualquer situação coletiva.
Se considerarmos ainda que, sob muitos pontos de vista, a escola é encarada como uma instituição que deve promover o desenvolvimento cultural e o conhecimento necessariamente mediado pelo outro, estamos pressupondo que tal convivência é não apenas um elemento inevitável, mas um campo tão fértil quanto necessário para a formação de cidadãos.
Tais palavras podem ser simples de proferir, e sempre soam bem. Fazem parte de cartilhas de boa convivência em condomínios, clubes, ou instituições religiosas. Mas são extremamente difíceis de se tornarem efetivas. Quando a abordagem construtivista propõe que as especulações de um aluno sobre uma solução ecológica, uma fórmula matemática ou um dilema moral são parte de seu desenvolvimento pessoal e cognitivo, não é porque esteja se pautando em algum tipo de dogma. Trata-se do desenvolvimento da ética, e isso é inerente à condição humana.
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Sendo assim, a frequência à instituição escolar tem a razão não apenas de oferecer o conhecimento técnico aos alunos, a partir de uma pessoa – o professor – que sabe mais do que eles e verterá o vasto conjunto de informações no pensamento de seus pupilos. Há mais do que isso. Tanto a convivência como o método empregado servirão não apenas para um desenvolvimento apropriado do saber propedêutico, voltado às etapas acadêmicas e profissionais que virão, mas também e principalmente àquilo que é dificílimo de ser ensinado: o desenvolvimento moral.
No entanto, nada disso tira legitimidade da opção feita por uma família que queira educar seus filhos em casa.
Talvez uma escolha na qual não se queira flertar com os valores transmitidos pela escola. Não se trata de colocar em questão aqui se a família transmite alicerces morais fundamentais no desenvolvimento de uma pessoa – ao contrário: afirma-se que de fato eles cumprem papel preponderante nesse processo. A riqueza de colocá-los na escola é justamente a de abrir mão desse suposto controle absoluto, e expor as crianças e os jovens ao confronto com outras famílias, pessoas e instituições. Se essa situação causa certa insegurança, é preciso considerar que ela guarda justamente aí a sua riqueza. O desconforto é parte inerente de um bom processo de desenvolvimento moral e acadêmico. Mas, ainda assim, cabe perguntar: o Estado precisaria de fato proibir essa possibilidade? Nada impede uma boa discussão a esse respeito.
A pressa em avançar com a legalização coloca em questão as motivações para a própria proposta, empobrecendo o que ela teria de legítimo. Diante de um governo que desde seus primeiros dias luta contra moinhos de vento – a implantação do comunismo, a dissolução dos alicerces morais da família diante de questões de gênero, as ameaças do conhecimento científico – podemos nos perguntar qual é a motivação para apressar essa proposta.
O equívoco reside em encarar a escola como mais uma ameaça contra a qual se deve lutar.
* Fermín Damirdjian é orientador pedagógico do ensino médio da Vila das Juventudes (Escola da Vila).