Experiência das crianças com instrumentos musicais mostrou melhorias na fala, na sociabilidade e no sistema motor
No dia 2 de abril, celebra-se o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A data chama atenção para o Transtorno do Espectro Autista (TEA), um conjunto de síndromes que se caracteriza por problemas no desenvolvimento da linguagem, nos processos de comunicação, na interação e comportamento social da criança. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que, hoje, 70 milhões de pessoas no mundo possuem algum tipo de autismo; no Brasil, esse número chega a 2 milhões. Com causas ainda incertas, o TEA não possui cura, mas os pacientes podem ser reabilitados e tratados para que possam se adequar ao convívio social da melhor forma possível.
Entre as terapias, a música é uma das indicadas para auxiliar no desenvolvimento dos autistas. Segundo a terapeuta ocupacional, Dayane Sanches de Castro, do Grupo São Cristóvão Saúde, estudos mostram que a musicoterapia abre o canal de comunicação em diversos sentidos sensoriais, “além de auxiliar na atenção e autonomia, desenvolvendo suas habilidades de comunicação, cognitivas, motoras e sociais”, completa. E o Projeto Guri, maior programa sociocultural brasileiro mantido pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, é um desses lugares procurados por responsáveis de crianças e jovens com TEA. O programa recebe jovens de 6 a 18 anos independentemente de qualquer deficiência, síndrome ou transtorno. Segundo pesquisa de perfil dos alunos, dos cerca de 47 mil alunos atendidos pelo Guri, 857 possuíam alguma deficiência. Destes, 8,4% têm algum tipo de Transtorno do Espectro Autista.
“O TEA apresenta uma multiplicidade de gradações. O que quer dizer que cada criança atingida pelo autismo tem características muito particulares que devem ser observadas pelos educadores para o seu melhor desempenho. É por esse motivo que contamos, na nossa equipe pedagógica, com alguns profissionais engajados com o tema”, pontua a gerente pedagógica da Amigos do Guri, Valéria Zeidan.
A trajetória de Maria Clara Oliveira, 11 anos, mostra como a música pode auxiliar no processo de desenvolvimento. Filha única, Maria Clara teve dificuldades com a fala até os 9 anos. Após a investigação de vários profissionais de saúde, a mãe, Maria de Fátima Oliveira, recebeu o diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo. Foi a própria filha que se interessou pela música ao tomar conhecimento do Guri, mas a mãe acreditava que a dificuldade motora seria um impeditivo. Há um ano no Projeto, a aluna de violoncelo do Polo São Roque se esforça cada vez mais para avançar nos níveis de aprendizado. “Faz pouco tempo que ela voltou a falar e ainda assim se comunica com todos no Guri, faz amizade. No começo, ela gritava na aula, era muito hiperativa e tímida. Agora, está centrada, disciplinada e se esforça cada vez mais por conta da dificuldade motora”, comemora Maria de Fátima.
O aluno João Vitor de Souza, 13 anos, foi diagnosticado com TEA aos 7 anos. Os pais encontraram na musicoterapia um apoio para o desenvolvimento do garoto, que sempre gostou de música, inclusive clássica, mas nunca suportou barulho. Mesmo com a resistência de João, os pais insistiram e incentivaram sua entrada no Projeto Guri. Hoje, ele estuda percussão no Polo Itararé. “Sinto que a música mudou sua autoestima, ele sente que está fazendo algo especial e eu o recordo sempre que esse desafio o torna corajoso para investir cada vez mais em seu potencial próprio”, conta a mãe, Márcia Jesus de Souza.
João se desenvolveu tanto que já faz parte de uma turma avançada. Socializa com os colegas e até ajuda quem está com dificuldade. O educador do adolescente, Alan Lessa, conta que o menino também o ensina: “Aprendo com ele em cada aula e dou mais atenção para que ele esteja no ritmo dos outros alunos e não desanime. Parte de seu aprendizado é muito rápida. Só preciso dar uma atenção maior na parte teórica e tentar mantê-lo sempre focado”, pontua o educador.
“É nas relações entre os diferentes que construímos nossa visão de mundo em sociedade. Ao longo de 22 anos de experiência, utilizando salas de ensino mistas, coletivas e inclusivas, percebemos o quanto é fundamental e saudável para o desenvolvimento humano equilibrado esta convivência”, analisa a gerente de Desenvolvimento Social da Amigos do Guri, Fabiola Formicola.