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Arte e Cultura

A poesia da rotina

Paterson, filme do diretor americano Jim Jarmusch, conta a história de um motorista de ônibus que aproveita os intervalos no trabalho para escrever poemas

Publicado em 06/07/2017

por Gabriel Jareta

A poesia da rotina
O motorista de ônibus Paterson: poesia nos intervalos de suas viagens cotidianas | Crédito: Divulgação
A rotina tem seu encanto é o título em português de um filme de 1962 do cineasta japonês Yasujiro Ozu, em uma época em que os títulos brasileiros de filmes estrangeiros não economizavam na criatividade – o nome original é Sanma no aji, “O gosto do sanma”, uma espécie de peixe muito popular no Japão. O encanto da rotina pode definir bem o espírito de Paterson, filme do diretor americano Jim Jarmusch a respeito de um motorista de ônibus que aproveita os intervalos no trabalho para escrever poesia. Seus poemas são carregados de imagens tiradas de cenas cotidianas, ao estilo de seu autor favorito, William Carlos Williams, que viveu na mesma cidade que ele.
O motorista chama-se Paterson – uma atuação memorável de Adam Driver, um rosto que fica no meio do caminho entre o familiar e o estranho – e mora em Paterson, New Jersey, uma cidade de médio porte com certa beleza decadente. O filme começa em uma segunda-feira: ele levanta cedo, come seus cereais e sai para trabalhar. Antes de ligar o ônibus, a lembrança da marca da caixa de fósforos em cima da bancada onde tomou seu café da manhã inspira-o a começar um poema, cujos versos são projetados na tela na medida em que ele os escreve. À noite, Paterson leva o cachorro de sua mulher para dar uma volta e passa em um bar para tomar uma – e apenas uma – caneca de cerveja. No balcão, ele costuma conversar com o dono do bar, que coleciona histórias sobre filhos famosos da cidade de Paterson.
Todos os dias, a mesma rotina se repete, com algumas variações: um ônibus quebrado, um casal brigando no bar, o encontro com uma menina que também escreve poesias. A postura quase zen de Paterson se contrapõe ao espírito caótico de sua mulher, Laura, que um dia quer ser cantora country e no outro decide investir na produção de cupcakes, enquanto pinta círculos brancos e pretos pela casa. Afinal, o casal se opõe ou se complementa? A resposta depende do humor do espectador. Assim como a poesia de Paterson, o filme encontra encanto na rotina: os altos e baixos, as coincidências, a alegria das pequenas conquistas, o mal-estar da inadequação, um caderno em branco e todo o futuro em aberto.
Jim Jarmusch
O cineasta, nascido em 1953, é um dos maiores nomes do cinema independente americano. Seus filmes têm uma tendência a se concentrar no desenvolvimento dos personagens, mais do que em uma história, e costumam ter como cenário lugares “comuns” dos Estados Unidos. Seu primeiro sucesso de crítica foi Estranhos no paraíso (1984), premiado no Festival de Cannes.
William Carlos Williams
A obra do poeta americano (1883-1963), que também era médico pediatra, teve forte influência na poesia modernista dos Estados Unidos. Williams foi um dos principais representantes do imagismo, movimento que procurava a clareza na linguagem e na descrição de cenas do cotidiano. Seu poema épico Paterson foi publicado em cinco volumes entre 1946 e 1958.
Versos
Os poemas de Paterson no filme são de autoria de Ron Padgett, um dos poetas favoritos do diretor Jim Jarmusch. Alguns foram escritos especialmente para o filme. Outra curiosidade são os livros na mesa do personagem: é possível ver obras de William Carlos Williams, Albert Camus, Charles Baudelaire e David Foster Wallace, entre outros.


Filmoteca – O ofício do artista

Reclusos, irascíveis, pacientes, incompreendidos: os artistas em seu trabalho cotidiano são o tema principal dos filmes listados abaixo.

A noite americana (França/Itália, 1973)

O cineasta francês François Truffaut dirige e atua nesta história sobre os bastidores da produção de um longa-metragem. Ele terá de lidar com atores em crise, romances secretos e muitos improvisos no set de filmagem. O nome do filme diz respeito a uma técnica para fazer com que cenas externas pareçam captadas à noite.
Amadeus (Estados Unidos, 1984)
A história do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart, que viveu na segunda metade do século 18, é contada pelo seu principal antagonista em vida. Já idoso e confinado em um hospício, Antonio Salieri relembra sua inveja do talento “divino” de Mozart. Dirigido por Milos Forman, foi premiado com o Oscar de Melhor Filme.
Moça com brinco de pérola (Reino Unido, 2003)
O título do filme, baseado em uma história ficcional, vem de uma das obras mais conhecidas do pintor holandês Johannes Vermeer (1632-1975). Uma jovem camponesa (Scarlett Johansson) vai trabalhar na casa do artista e acaba se tornando, secretamente, sua modelo. O filme também explora a relação entre Vermeer e seu mecenas.
Johnny e June (Estados Unidos, 2005)
A vida do cantor country americano Johnny Cash (1932-2003), desde a infância em uma fazenda de algodão até finalmente fazer sucesso com sua música. A maior parte do enredo, porém, se concentra em seu casamento conturbado com a cantora June Carter. Destaque para os atores Joaquin Phoenix e Reese Whiterspoon nos papéis principais.
Além das palavras (Reino Unido, 2016)
Uma biografia da poeta americana Emily Dickinson (1830-1886), desde os tempos de estudante até o final da vida, reclusa e sem ver o reconhecimento de sua obra. Com direção do britânico Terence Davies, retrata suas angústias existenciais, as relações familiares e a construção de sua significativa obra poética, marco da literatura norte-americana.
 

Autor

Gabriel Jareta


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