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Instituto Unibanco, Fundo Baobá e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) lançam edital para escolas com interesse em implementar projetos de gestão para a equidade racial

Em seminário organizado para o lançamento do edital, educadores ressaltam a importância da gestão no combate à evasão dos jovens negros

Publicado em 20/08/2014

por Deborah Ouchana

Um levantamento da Unicef, de 2012, mostrou que mais de 1,5 milhão de adolescentes, entre 15 e 17 anos, estão fora da escola. Desse total 61,2% são negros. No Brasil, a porcentagem de jovens de 15 a 17 anos cursando o ensino médio em 2010 era de 55% entre os brancos e 41% entre os negros, segundo dados do Censo. Entre os jovens de 18 e 19 anos que haviam concluído a Educação Básica, a porcentagem de negros que finalizaram essa etapa cai para 29%.

As disparidades reveladas pelos indicadores escolares estão diretamente relacionadas a questões raciais dentro e fora da escola. Com o objetivo de fomentar a discussão sobre o impacto da desigualdade racial no ensino brasileiro e incentivar projetos de gestão que busquem melhorar os resultados educacionais de jovens negros e negras, seja pela elevação de indicadores como acesso, conclusão, frequência, rendimento escolar ou número de estudantes que ingressam no ensino superior, o Instituto Unibanco, o Fundo Baobá e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com a colaboração técnica do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), lançam o edital Gestão Escolar para a Equidade – Juventude Negra.

“O nosso maior desafio é que as coisas melhoram, mas em velocidade distinta para a população branca e a negra. Temos uma dificuldade enorme de dar uma virada nesse processo e, se a educação não se tornar efetivamente voltada para a equidade, com a inserção da sociedade no conhecimento, será muito difícil o Brasil se posicionar no século 21 com a riqueza e dinamismo que se é esperado. O desafio da equidade é o desafio da nação brasileira”, enfatizou Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, durante seminário organizado para o lançamento do edital no Museu Afro Brasil, em São Paulo.

Podem se inscrever escolas públicas de ensino médio, de todo o Brasil, e organizações com interesse na área da educação e superação das desigualdades raciais, desde que atuem em parceria com escolas. As inscrições vão até 10 de outubro de 2014 pelo site www.baoba.org.br.

Cada organização pode apresentar no máximo um projeto e serão considerados na seleção ações que promovam o envolvimento dos jovens e da comunidade, assim como a possibilidade de serem replicadas em outras escolas. As solicitações de apoio devem ter valor máximo de R$ 30 mil, o que não impede que o custo total do projeto seja maior e tenha financiamento de outras fontes. Os projetos devem prever duração total de 12 meses.

Evasão ou expulsão
Embora o número de estudantes negros no ensino médio e no ensino superior tenha aumentado, eles são os primeiros a desistir. A evasão desses alunos é, em geral, atribuída exclusivamente a sua condição econômica, no entanto, na opinião do professor Valter Silvério, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), esse é apenas um dos elementos que contribuem para que esses jovens abandonem a escola.

A estudante universitária e arte educadora Micaela Cyrino destaca, por exemplo, a dificuldade da criança e do jovem negro em fortalecer sua identidade dentro do ambiente escolar e lembra de discriminações que sofreu enquanto frequentava a escola. “Eu passei a minha infância querendo ser branca, querendo ter o cabelo liso, ser loira. Então eu descobri que podia ser negra, que eu posso usar meu cabelo black porque eu sou assim. Me olhando em casa no espelho eu posso ser negra, mas chegando na escola eu não posso porque meu cabelo é estranho, minha cor é estranha”, afirma.

Histórias similares às de Micaela chegam todos os dias ao Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT). Cida Bento, diretora executiva do CEERT conta o caso de duas meninas negras que não estão mais indo à escola após passarem por situações relacionadas à discriminação racial.

Uma delas, de 12 anos, discutiu com um colega de classe e foi chamada por ele de macaca. A segunda, de apenas 6 anos, passou a questionar a mãe por que ela era negra e por que não tinha franjinha como as outras meninas depois que um colega comparou suas tranças a ‘cobrinhas na cabeça’. Nos dois casos, as escolas não apoiaram as alunas para que elas voltassem às aulas. “Eu gosto de uma expressão que a Fúlvia Rosenberg usa: não há evasão escolar. O sistema escolar é que expulsa a criança negra e por isso a gestão é tão importante”, ressalta Cida.

Igualdade e diferença
A omissão de professores e diretores diante de episódios como esses é muitas vezes justificada pela máxima de que todos são tratados iguais. Para Valter Silvério, entretanto, essa forma de enxergar a igualdade é equivocada uma vez que deixa de olhar para o diferente ou para a diferença.

“Quando todo mundo é tratado igual eu não enxergo ninguém”, opina. “Me parece que é muito difícil para a gestão incorporar a dimensão do que vem a ser diversidade e a equidade. Citando Boaventura de Sousa Santos ‘temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades’”.

Por isso, na visão de Cida Bento, o processo de formação docente não deve apenas trazer informações para o professor, mas criar a possibilidade de ele refletir sobre sua perspectiva enquanto branco ou negro.

A arte educadora Micaela Cyrino acrescenta ainda que esse é um trabalho que deve começar dentro de cada pessoa. “Sendo eu um professor branco, dando aula para um aluno negro, como eu vou entender esses conflitos do ser negro? E como eu vou entender não é apenas estudar a questão, mas como eu realmente posso ajudar? Como meu estudo ou as minhas práticas vão ajudar esse aluno a conseguir também trabalhar por uma equidade social?”, questiona.

 

Autor

Deborah Ouchana


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