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Crescimento da produção científica chama a atenção para os vícios do discurso e a pobreza de linguagem de textos criados no âmbito acadêmico por Adriana Natali e Luiz Costa Pereira Junior, da revista Língua Portuguesa O professor Daniel Oppenheimer, da Universidade de Princeton, em Nova […]
Publicado em 18/09/2013
Crescimento da produção científica chama a atenção para os vícios do discurso e a pobreza de linguagem de textos criados no âmbito acadêmico
por Adriana Natali e Luiz Costa Pereira Junior, da revista Língua Portuguesa
O professor Daniel Oppenheimer, da Universidade de Princeton, em Nova Jersey (EUA), é um psicólogo que estuda as relações entre o raciocínio e a pressa na tomada de decisões. Na revista Applied Cognitive Psychology, publicou um artigo que o tornaria famoso em certos círculos científicos. Em resumo, o estudo de Oppenheimer indicava a falta de confiança das pessoas num autor ou cientista quando ele carrega um texto com palavras extravagantes.
“Qualquer coisa que torne um texto difícil para ser lido e compreendido, como palavras desnecessariamente longas ou estruturas rebuscadas, abaixará a avaliação dos leitores sobre o texto e seu autor”, declarou na divulgação de seu trabalho. O trabalho de Oppenheimer concluiu que a complexidade do vocabulário de textos ensaísticos é superexplorada para dar a impressão de inteligência. No entanto, escritores que usam desnecessariamente palavras e estilos complicados são vistos como menos inteligentes do que aqueles que usam vocabulário básico num texto claro.
Desperdício
Era a oportunidade de ouro para alertar os cientistas para o jogo discursivo acadêmico, mas o próprio Oppenheimer não levou a sério o que estudou. Seu texto tinha tudo o que condenava, sendo solene, esnobe, prolixo e grandiloquente, com palavras desnecessárias e longas. Simbolicamente, representa a expressão viva do prosaico imperativo “faça o que digo, não o que faço”.
Por essas qualidades e contradições, o artigo terminou laureado pelo IgNobel em 2006, uma paródia do respeitado Nobel concedido aos estudos que, segundo os organizadores, “não deveriam ser reproduzidos” nunca mais. O IgNobel é concedido pela revista científica de humor Anais da Pesquisa Improvável em solenidade que, todos os anos, lota o teatro da Universidade Harvard.
De acordo com Gilson Volpato, professor do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), muitos pesquisadores não dominam conceitos básicos da redação científica. Especialista em redação e publicação científica, ele lançou um dicionário crítico para redação científica em parceria com cinco colegas. Com definições de 750 termos de várias áreas, a ideia é contribuir para corrigir e balizar conceitos de escrita usados erroneamente por pesquisadores brasileiros.
O problema salta mais aos olhos devido ao crescimento vertiginoso da produção acadêmica brasileira. De 2001 a 2010, mais que dobrou o número de mestres e doutores titulados no Brasil, passando de 26 mil a 53 mil pesquisadores formados. Com o aumento de textos produzidos no ensino superior, cresce em escala a evidência da fragilidade da escrita no meio.
Na opinião de Volpato, são comuns equívocos de estrutura e apresentação dos textos no item ou capítulo de introdução de trabalhos acadêmicos. Muitos pesquisadores costumam apenas discorrer, nessa parte, sobre a literatura científica que leram, sem fundamentarem as bases e os objetivos da pesquisa.
No domínio discursivo da academia, são produzidos vários gêneros textuais, na modalidade escrita (resumos, resenhas, artigos, ensaios, monografias, dissertações, teses) e oral (aulas, palestras, seminários, defesas de trabalhos). Carmem Luci da Costa Silva, professora de língua portuguesa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), considera que um grande problema ao criá-los é a falta de coesão discursiva entre teoria, método e análise. “Muitos autores têm dificuldades em amarrar a construção teórica à metodologia e à análise. Uma tese bem-sucedida, além de apresentar uma contribuição científica, constitui-se como uma produção autoral do início ao fim, seja em termos estruturais, seja no uso da língua”, conclui a professora.
Equilíbrio
“O Brasil vive um momento de expansão na formação de mestres e doutores, e isso é muito bom para o universo científico. Porém, a necessidade em cumprir as exigências da produção provoca uma distorção na relação qualidade/quantidade dos textos acadêmicos”, afirma Isabela Barbosa do Rêgo Barros, professora de ciências da linguagem na Universidade Católica de Pernambuco. “Os trabalhos acadêmicos vêm passando por certos problemas. Um dos mais graves é o constante uso de textos sem identificação de autoria, o chamado plágio”, alerta o professor Carlos Andrade, da Universidade Cruzeiro do Sul.
Outro problema é observado por Antonio Carlos Xavier, professor de português e linguística da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). De acordo com ele, a pressa da Capes, que estipula aos mestrandos e doutorandos prazos fixos e curtos, tem levado a escrita acadêmica a permanecer abaixo da expectativa de um verdadeiro texto científico digno de publicação. “Há casos em que são necessárias várias revisões do orientador e de um revisor profissional para que o texto fique minimamente legível pela banca”, diz.
Cuidados da escrita científica |
A fonoaudióloga Cláudia Perrotta chama a atenção para expedientes retóricos vitais a uma dissertação ou um artigo científico. Veja algumas dicas extraídas do livro Um texto para chamar de seu – Preliminares sobre a produção do texto acadêmico (Martins Fontes): TÍTULO: Reflete um projeto bem definido. É sinal de desonestidade intelectual propor um título vago, que promete mais do que a obra oferece. CLAREZA: Ser claro é ser preciso. Se imaginamos um leitor informado sobre os pontos abordados, não seremos minuciosos neles, adiantando conclusões. Mas não se pode exagerar. SEM REBUSCAMENTO: Deve ser evitado o excesso de palavras do senso comum ou com mais de um significado. CONSISTÊNCIA: A visão de mundo do autor está sempre presente, mas não deve ser afirmada pura e simplesmente, sem um compromisso mínimo com a história do pensamento em foco. ECONOMIA: Não se exceda na quantidade de informações, ideias ou conclusões num só parágrafo. METODOLOGIA: Toda produção acadêmica ou científica deve permitir que outras pessoas refaçam o percurso do pesquisador. REVISÃO: Releia e reescreva, para evitar repetição de ideias e “saltos” na construção do raciocínio. |