NOTÍCIA
Neuropsicóloga também alerta que o consumo excessivo de conteúdo rápido e raso pode atrofiar os circuitos cerebrais da aprendizagem; em novo livro, ela explora funcionamento do cérebro e ferramentas para potencializar a capacidade de aprender
Sempre é possível aprender e reaprender? Adriana Fóz, neuropsicóloga que acaba de lançar um livro que aborda, entre outros temas, a neuroplasticidade (capacidade do cérebro de se adaptar), explica que sim — desde que haja tempo e ambiente propícios. “Vivemos, contudo, em uma era de velocidade, imediatismo e excesso de estímulos, em que o pensamento profundo é frequentemente substituído por respostas automáticas”, afirma.
No livro O cérebro extraordinário – uma jornada sobre como aprender, transformar e se reinventar (ed. Benvirá/Saraiva) — que será lançado hoje, 29 de outubro, às 19h, na Livraria da Travessa do Shopping Iguatemi, em São Paulo —, além de explicar diferentes dimensões do funcionamento do cérebro, Adriana também explora ferramentas para potencializar a aprendizagem.
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A obra nasce, segundo a especialista, de uma conjunção entre “vocação, formação e vivência”. Com formação inicial em Pedagogia, ela é mestre em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Unifesp, especialista em Psicopedagogia e Neuropsicologia pela mesma universidade e pós-graduada em Psicologia Educacional pela USP. Diretora da NeuroConecte, também é pesquisadora e palestrante. No livro, ela conta também sobre a experiência de reabilitação após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico aos 32 anos.
Nesta entrevista, Adriana Fóz fala sobre o tema da obra recém-lançada, os impactos do consumo exagerado de conteúdos rasos e rápidos na aprendizagem, além do papel da escola na preparação para aprender a aprender e da importância da compreensão do funcionamento do cérebro para o processo de ensino e aprendizagem. “Ensinar é, em última instância, participar do processo de neuroplasticidade do outro”, afirma.
Confira.

Em novo livro, Adriana Fóz aborda bastidores da neuroplasticidade — a capacidade do cérebro de se adaptar (Foto: divulgação)
O tema nasceu de uma conjunção entre vocação, formação e vivência. Minha primeira formação foi em Pedagogia, e desde então o cérebro sempre me fascinou como o “órgão da aprendizagem”.
Ao longo da trajetória, o interesse científico se somou a uma experiência profundamente transformadora: o Acidente Vascular Cerebral (AVC) que sofri aos 32 anos. Perder e reaprender funções cognitivas e motoras me fez viver, na prática, o que eu antes estudava de forma teórica.
Foi nesse processo que compreendi, de forma visceral, que a aprendizagem é o maior exercício de neuroplasticidade que o cérebro pode realizar. A obra reflete essa jornada — uma travessia entre ciência e experiência, teoria e prática, com o objetivo de inspirar outros a reconhecerem que podemos, sim, potencializar nossa plasticidade cerebral pela aprendizagem.
Sim, aprender e reaprender é sempre possível, desde que o ambiente e o tempo permitam. Vivemos, contudo, em uma era de velocidade, imediatismo e excesso de estímulos, em que o pensamento profundo é frequentemente substituído por respostas automáticas.
A aprendizagem, por outro lado, requer tempo, foco e repetição. É um processo biológico e emocional, que depende de atenção, curiosidade, formação de memória de longa duração, sono, emoções e sentido, por exemplo.
Aprender não é apenas acumular informações — é um ato de saúde cerebral, uma forma de manter o cérebro vivo, flexível e em expansão ao longo da vida.

“A aprendizagem é o maior exercício de neuroplasticidade que o cérebro pode realizar”, afirma Adriana Fóz
“Aprender a aprender” é desenvolver consciência sobre o próprio processo de aprendizagem — reconhecer como pensamos, erramos, corrigimos e transformamos a experiência em conhecimento. Trata-se de um processo individual e contínuo, impossível de ser substituído por qualquer tecnologia.
A escola tem papel fundamental: deve criar ambientes que estimulem a curiosidade, favoreçam o erro como parte do aprendizado e cultivem um clima emocional seguro, fator protetor essencial para a saúde mental e cognitiva.
Cabe ao professor identificar etapas e obstáculos da aprendizagem, adaptar recursos pedagógicos e, sobretudo, promover experiências que despertem o prazer de aprender — dentro e fora da sala de aula, no convívio e na comunidade.
Saber como o cérebro aprende é como entender o funcionamento de uma ferramenta que usamos todos os dias — como o celular, que podemos usar intuitivamente ou explorar em profundidade para ampliar a utilização de seus recursos.
Quando o professor compreende que o cérebro precisa de motivação e atenção para formar memória, que o contato com a natureza amplia a aprendizagem sensorial, ou que a leitura reorganiza circuitos neuronais inteiros, ele passa a ensinar com maior êxito e humanidade. Ensinar é, em última instância, participar do processo de neuroplasticidade do outro.
Ao valorizar o erro, reconhecer pequenas conquistas e proporcionar experiências significativas, o educador atua como um mediador e facilitador, ou, ainda, um arquiteto de conexões neurais.
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A desinformação na área da neurociência educacional ainda é ampla. Mitos como “usamos apenas 10% do cérebro” ou “existem alunos visuais, auditivos e cinestésicos fixos” ainda persistem.
A melhor forma de enfrentá-los é formar uma cultura de pensamento crítico nas escolas: incentivar a busca por fontes científicas confiáveis, como universidades e centros de pesquisa, e promover grupos de estudo e discussão sobre o que realmente funciona no processo de ensino-aprendizagem.
O antídoto para o neuromito é a reflexão coletiva e a curiosidade bem-informada.
O termo “brain rot”, escolhido como palavra do ano pelo Oxford, reflete um fenômeno preocupante: o consumo excessivo de conteúdo rápido e raso pode atrofiar os circuitos cerebrais da aprendizagem.
Nosso cérebro precisa de desafios, pausas e práticas de consolidação — ler, refletir, dialogar, lidar com a frustração do erro, aplicar o que se aprendeu. Quando alimentamos o cérebro apenas com estímulos instantâneos e recompensas rápidas, enfraquecemos a atenção, a memória e a capacidade crítica.
A fase escolar é a mais fértil para o desenvolvimento dessas redes neurais, e se não há bons desafios cognitivos, o cérebro não prospera: torna-se vulnerável à distração, à superficialidade e à falta de autonomia.
Aprender exige profundidade — e a profundidade vai na contramão do vício em imediatismo e pensamento raso. Todos, e aí não incluo apenas o educador, precisamos propagar os antídotos do que estraga a capacidade humana e cultivar o que promove!
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