Primeira sul-americana finalista do Global Teacher Prize, prêmio que a colocou entre os 10 melhores professores do mundo
Publicado em 24/09/2025
Após evento na Ucrânia, ainda em guerra, Garofalo indica caminhos para a inteligência artificial ampliar oportunidades sem aprofundar desigualdades. Para isso, preparo docente é essencial
Estar na Ucrânia durante a guerra foi uma experiência que ainda ecoa em mim de maneira intensa e transformadora. Vi de perto a dor de um povo cujos sonhos e cotidianos foram interrompidos pela violência, mas também a esperança que resiste na força da escola e no compromisso de professores que não desistem de ensinar.
Durante a 5ª Cúpula do Summit de Cavalheiros e Damas, organizada pelo governo do presidente Volodymyr Zelensky e pela primeira-dama Olena Zelenska, essa esperança ganhou contornos globais: representantes de países como Áustria, Dinamarca, Estônia, Lituânia, Alemanha, Finlândia, Sérvia, Polônia e Reino Unido refletiram sobre o tema Educação que molda o mundo, trazendo à mesa o papel da escola como espaço de paz, reconstrução e futuro.
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Entre os dados apresentados, destacou-se a pesquisa internacional da OCDE, conduzida por Andreas Schleicher e envolvendo países como Ucrânia, Polônia, Alemanha, Estônia, Lituânia, Dinamarca e Reino Unido, que mostrou não apenas o impacto das habilidades socioemocionais para a construção de uma cultura de paz, mas também o avanço da inteligência artificial (IA) no cotidiano escolar.
Se, por um lado, essa tecnologia amplia possibilidades, por outro, traz o risco de substituir vínculos humanos por respostas automáticas. A realidade ucraniana nos lembra que a educação é, antes de tudo, um ato de humanidade: a escola que resiste em porões e subsolos, as canções que aquecem corações em hospitais e os professores que ensinam como transformar sucata em robótica mostram que inovação só tem sentido quando preserva o humano.
A partir dessa vivência, relembro que o desafio não é rejeitar a inteligência artificial, mas usá-la com equilíbrio e intencionalidade pedagógica.
Precisamos de políticas que formem professores e estudantes para lidar com a IA de forma crítica, ética e criativa, garantindo que ela seja um recurso de apoio — nunca um substituto para a escuta, o cuidado e o vínculo.
O desafio não é rejeitar a inteligência artificial, mas usá-la com equilíbrio e intencionalidade pedagógica (Foto: Shutterstock)
Os dados apresentados no Summit of Gentlemen and Ladies evidenciam uma realidade incontornável: a inteligência artificial já faz parte do cotidiano educativo. Segundo a pesquisa internacional, 22% dos estudantes e 24% dos professores afirmaram utilizar frequentemente ferramentas de IA em suas práticas de estudo e ensino.
Embora esse número ainda não seja majoritário, aponta para uma tendência crescente de integração tecnológica na educação. O estudo também reforça que estudantes valorizam habilidades como empatia, tolerância, respeito às opiniões divergentes e resolução pacífica de conflitos — dimensões que precisam caminhar junto com o avanço tecnológico, sob risco de a inovação perder seu sentido humano.
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No Brasil, esse cenário nos convida a refletir sobre como preparar escolas e educadores para um uso equilibrado da IA, capaz de ampliar oportunidades sem aprofundar desigualdades. Isso significa investir na formação docente para que compreendam não apenas como usar as ferramentas, mas também quando e o motivo de utilizá-las.
Reforço o desafio central de garantir que os estudantes não deleguem à inteligência artificial o desenvolvimento de habilidades essenciais, a ponto de se tornarem dependentes dessa tecnologia.
A Pesquisa TIC Educação (Cetic.br/NIC.br, 2024-2025) revelou que 70% dos estudantes do ensino médio com acesso à internet já utilizam ferramentas de inteligência artificial generativa, como ChatGPT, Copilot e Gemini, para realizar pesquisas escolares. No entanto, apenas 32% deles afirmaram ter recebido algum tipo de orientação nas escolas sobre o uso seguro e responsável dessas tecnologias.
Esse dado evidencia uma lacuna preocupante: embora o uso da IA seja cada vez mais comum entre jovens, falta suporte pedagógico consistente para que essa prática se traduza em aprendizado crítico e autônomo, evitando a delegação de habilidades essenciais e o risco de dependência ou uso passivo das ferramentas.
Significa, ainda, criar políticas que assegurem acesso equitativo à tecnologia, garantindo que estudantes de regiões menos assistidas não fiquem à margem da transformação digital. Mais do que nunca, é essencial que o uso da IA tenha propósito pedagógico claro, esteja submetido a supervisão humana e respeite princípios éticos, como privacidade e segurança de dados.
Ao mesmo tempo, há um caminho promissor para trabalhar os conceitos de inteligência artificial sem depender, exclusivamente, da tecnologia digital. Trata-se da chamada IA desplugada, que permite explorar noções de algoritmos, padrões e vieses por meio de atividades simples, como jogos, simulações, coleta manual de dados ou desafios de classificação com objetos do cotidiano. Essas práticas ajudam estudantes a compreender como a IA funciona, a desenvolver pensamento crítico e a refletir sobre suas implicações sociais e éticas, mesmo em contextos com pouca infraestrutura tecnológica.
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O cenário revela que, embora a inteligência artificial esteja cada vez mais presente no cotidiano dos estudantes, seu uso ocorre, em grande parte, sem a mediação adequada da escola. A orientação sobre práticas responsáveis e críticas ainda é insuficiente, e muitos professores não dispõem de formação ou tempo para integrar a IA de maneira reflexiva ao processo de ensino. Com isso, perde-se a oportunidade de aliar a tecnologia ao desenvolvimento de competências fundamentais, como pensamento crítico, autonomia e habilidades socioemocionais, que deveriam caminhar em paralelo ao uso dessas ferramentas para potencializar a aprendizagem.
Integrar a IA de forma equilibrada significa apostar em uma educação que combine inovação e humanidade, tecnologia e valores, futuro digital e justiça social. No Brasil, essa é uma oportunidade de não apenas modernizar o ensino, mas também de formar uma geração capaz de usar a inteligência artificial como ferramenta de inclusão, criatividade e promoção da paz.
Minha experiência na Ucrânia mostrou que, mesmo em meio à guerra, a escola permanece sendo o espaço onde o futuro insiste em nascer. Para que esse futuro seja justo e sustentável, é fundamental que façamos da tecnologia uma aliada da vida — não um atalho que fragilize a essência da educação, mas um recurso que fortaleça sua missão maior: educar para a paz e para a humanidade.
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