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Instituto Ayrton Senna

Artigos escritos por pesquisadores do laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna (eduLab21)

Publicado em 14/05/2025

Violência e desigualdade de gênero: como a escola pode ser agente de transformação

Escola é espaço fundamental de questionamento, reflexão e desconstrução de estereótipos de gênero e de padrões culturais violentos, e ainda de desvalorização do feminino; contudo, não atua sozinha — é preciso envolver toda a sociedade

Por Karen Cristine Teixeira e Lilian Dantas* | Recentemente, diversos estados brasileiros foram marcados por casos emblemáticos de violência contra a mulher e feminicídio. O feminicídio é o assassinato de mulheres motivado especificamente por razões de gênero — a forma mais extrema de violência contra a mulher. Pode estar ligado à violência doméstica, controle, ciúme ou desprezo e discriminação à mulher. 

A violência de gênero é uma questão complexa e multifatorial que exige abordagem integrada e o envolvimento de diversas áreas, como segurança, saúde, assistência social e educação, para enfrentar suas raízes e promover mudanças.  

Antes de 2015, esses homicídios ainda não eram legalmente classificados como feminicídios, embora os números já fossem expressivos. Com a promulgação da Lei do Feminicídio, somente no ano de 2015, foram registrados 535 casos. Desde então, os registros apresentaram uma tendência geral de crescimento ao longo dos anos, totalizando 11.859 casos entre 2015 e 2024. 

Em 2024, segundo o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher de 2025, foram registrados 1.450 feminicídios — uma redução sutil de 0,9% em relação ao ano anterior. Apesar dessa redução pontual, o número absoluto de casos permanece alto. A legislação ampliou a conscientização e a visibilidade midiática sobre o tema, mas a subnotificação ainda é um desafio importante, dificultando o dimensionamento real da violência contra as mulheres no Brasil.

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O feminicídio e a violência de gênero não se restringem à violência física, sendo reflexo de uma cultura que desvaloriza a mulher e que pode assumir também contornos de violência moral, patrimonial, sexual e psicológica. Uma cultura sustentada por preconceitos, vieses e estereótipos de gênero, além de crenças equivocadas sobre o papel e os direitos das mulheres, que perpetuam a desigualdade em diversos espaços da sociedade desde cedo. 

Segundo pesquisa da OCDE publicada em 2024, os estereótipos de gênero são mais comuns entre meninos. 33% dos meninos que participaram da pesquisa afirmaram, por exemplo, que os homens são melhores líderes políticos do que as mulheres, contra 10% das meninas. Além disso, em lares nos quais a divisão das tarefas e responsabilidades não é equitativa entre cuidadores do gênero masculino e do gênero feminino, os estudantes tendem a concordar mais com afirmações que reforçam estereótipos e papeis de gênero.  

A escola é (ou deveria ser) um lugar onde aprendemos a ser curiosos, a socializar, a apreciar e conviver com as diferenças de modo respeitoso e inclusivo. Ela contribui com a formação de valores, com a forma como vemos o mundo e como incorporamos costumes e regras sociais. 

Portanto, é um espaço fundamental de questionamento, reflexão e desconstrução de estereótipos de gênero e de padrões culturais violentos e de desvalorização do feminino que são a base para a violência de gênero e para o feminicídio. 

violência de gênero

Precisamos repensar, enquanto sociedade, os papéis e estereótipos que perpetuamos, as atitudes que validamos e as omissões que não podem mais ser toleradas (Foto: Shutterstock)

E o que a escola pode fazer? Algumas possibilidades:

  • Educar para a igualdade de gênero: inserir no currículo, e de forma transversal a todos os componentes curriculares, discussões sobre igualdade de gênero e promover o respeito à diversidade desde os anos iniciais, além de trabalhar conceitos como equidade e justiça social;
  • Formar professores e equipe pedagógica: capacitar os educadores com formações contínuas sobre gênero, masculinidades e prevenção da violência, com apoio da gestão escolar, para promover mudanças eficazes e identificar sinais de violência;
  • Repensar práticas e materiais pedagógicos: adotar práticas que desconstruam estereótipos de gênero e descontinuar o uso daquelas que reforçam papéis tradicionais ou discriminatórios; trabalhar representações positivas e diversas de mulheres e meninas na sociedade; utilizar diferentes tipos de mídias, como filmes e músicas, que retratem contextos de violência e de iniquidade e promover rodas de conversa sobre o tema;
  • Envolver homens e meninos em ações voltadas à igualdade de gênero: nas escolas, ações voltadas à igualdade de gênero costumam envolver mais meninas e mulheres, sejam estudantes ou educadoras. No entanto, é essencial que meninos e profissionais do gênero masculino participem ativamente dessas discussões, já que são parte estruturante da prevenção à violência contra a mulher. É preciso trazê-los para o centro do debate e incentivá-los a atuar como modelos e promotores da equidade de gênero no cotidiano escolar;

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  • Envolver a família e a comunidade: ampliar o alcance das ações educativas, envolvendo famílias e a comunidade para desconstruir estereótipos e promover a valorização do feminino;
  • Desenvolver o autoconhecimento e o pensamento crítico: incentivar o processo reflexivo e o pensamento crítico permite que os estudantes aprendam mais sobre si mesmos e reconheçam crenças, valores e emoções pessoais, facilitando a desconstrução de estereótipos internalizados;
  • Promover competências socioemocionais: o desenvolvimento intencional de competências socioemocionais é um aliado estratégico na promoção da equidade de gênero, sendo também um fator protetivo em contextos de violência. Estudantes com competências socioemocionais mais desenvolvidas tendem a discordar de estereótipos de gênero, a ter maior abertura a opiniões diversas e aceitação das diferenças;
  • Fazer da escola um lugar seguro e de confiança: criar espaços de diálogo, escuta e respeito, no qual os estudantes se sintam acolhidos para relatar casos de violência; implementar protocolos de identificação, acolhimento e encaminhamento em casos de violência, garantindo assim responsividade diante de situações concretas.

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Algumas competências podem ser ainda mais efetivas para o enfrentamento da violência de gênero. Confira:

 

Competência Como pode contribuir
Empatia Favorece a capacidade de se colocar no lugar do outro e compreender as diferenças.
Respeito Estimula a valorização das diferenças, combatendo preconceitos e atitudes discriminatórias.
Responsabilidade Estimula consciência sobre os impactos das ações e reação diante de injustiças.
Assertividade Favorece a expressão clara e respeitosa de opiniões e limites.
Tolerância à frustração Ajuda a lidar com a raiva, contrariedades e rejeições de forma equilibrada e sem recorrer à violência.
Curiosidade para aprender e Tolerância Estimula o interesse por diferentes modos de ser e pensar, enfraquecendo crenças rígidas sobre papéis de gênero.

 

Promover a igualdade de gênero e prevenir o feminicídio exige mais que ações pontuais: requer compromisso contínuo com a transformação cultural. A escola é espaço estratégico, mas não atua sozinha. Precisamos repensar, enquanto sociedade, os papéis e estereótipos que perpetuamos, as atitudes que validamos e as omissões que não podem mais ser toleradas. Avançar depende de políticas integradas, valorização da educação e corresponsabilização entre todos. Só assim poderemos romper com padrões que naturalizam a violência e construir relações mais justas e humanas desde a infância.

*Karen Teixeira é gerente de pesquisa do Laboratório de Ciências para Educação (eduLab21) do Instituto Ayrton Senna. Psicóloga, mestre e doutora em psicologia com ênfase em avaliação psicológica em saúde e desenvolvimento pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Lilian Dantas é estagiária de pesquisa no Laboratório de Ciências para Educação (eduLab21) do Instituto Ayrton Senna. Bacharel em ciências e humanidades pela Universidade Federal do ABC, atualmente é estudante dos cursos de psicologia na Universidade Municipal de São Caetano do Sul e relações internacionais na Universidade Federal do ABC.

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