NOTÍCIA
Professoras falam sobre projetos que mostram às meninas a possibilidade de seguir nas chamadas carreiras STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática); atividades ‘mão na massa’, formação docente e debates sobre questões de gênero são caminhos
A presença das mulheres na ciência é cercada por uma série de desafios, que vão do incentivo a ingressar em áreas que costumam, de forma equivocada, ser associadas aos homens — como, por exemplo, as exatas — à permanência e progressão na carreira.
O tema tem sido objeto de debate mais intenso nos últimos anos, e há projetos que buscam estimular meninas da educação básica a vislumbrar que cursos ligados às áreas conhecidas como STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) também são um lugar para elas.
Estimular a participação de meninas em ‘atividades mão na massa’ relacionadas a essas áreas, formar professores e discutir questões de gênero (seja com os próprios estudantes, seja com docentes) são caminhos para que, na educação básica — quando jovens farão a escolha profissional —, sejam plantadas sementes em busca da equidade.
O projeto de extensão Meninas na Ciência, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é uma das iniciativas nesse sentido. Criado há mais de uma década, entre 2013 e 2014, oferece desde oficinas para estudantes até formação docente.
Segundo Daniela Pavani, uma das criadoras e coordenadoras do projeto, as questões de gênero são um dos tópicos trabalhados com professores e professoras, para que eles(as) percebam como a fala e a maneira de apresentar o conteúdo podem reafirmar estereótipos — por exemplo, de que existem profissões voltadas para homens e outras para mulheres.
“A gente procura sempre disponibilizar formação para professores nas questões de gênero, para que eles façam uma reflexão sobre a ação didática deles e delas. Pensando em como podem ser agentes, na escola, da promoção da equidade”, explica Daniela, que também é pró-reitora de extensão da universidade.
Além do debate sobre gênero, há também formações voltadas a oficinas que podem ser trabalhadas com os(as) alunos(as), com atividades relacionadas a áreas como matemática, astronomia e física.
Atividade no ‘Encontrão das Cientistas do Futuro’, promovido pelo projeto Meninas na Ciência, da UFRGS, em dezembro de 2024 (Foto: equipe Meninas na Ciência)
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Já para as estudantes, há diferentes ações. Uma delas é denominada “Gurias, partiu, UFRGS!”, que leva meninas para conhecer a universidade. São contempladas de 20 a 40 alunas de educação básica, que participam de pelo menos seis encontros ao longo do ano. Nessas ocasiões, elas conhecem os cursos e participam de atividades mão na massa — por exemplo, um experimento no Museu de Paleontologia.
“Elas interagem com professoras, pesquisadoras, pós-graduandas e estudantes dos cursos. E nós fazemos também debate sobre porque a gente tem uma baixa representatividade [nas áreas de ciências], a gente procura tratar sobre violência de gênero, para alertar quais são os caminhos de proteção”, conta a docente.
Daniela também destaca que, tão importante quanto apresentar esses cursos de ciência e tecnologia às meninas, é proporcionar uma vivência que mostre que a universidade pública e gratuita também é um lugar em que elas podem estar. Isso porque as ações do projeto são voltadas prioritariamente a alunas de escolas públicas e localizadas em regiões de vulnerabilidade. Portanto, é possível mostrar o ensino superior como um caminho.
Atividade no ‘Encontrão das Cientistas do Futuro’, promovido pelo projeto Meninas na Ciência, da UFRGS, em dezembro de 2024 (Foto: equipe Meninas na Ciência)
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Além disso, também são oferecidas ações de longa duração em escolas. Um deles, chamado ‘Gurias nas exatas: das estações meteorológicas à iniciação científica’ foi realizado por dois anos em duas escolas municipais e duas estaduais do Rio Grande do Sul, com recursos do CNPq, do British Council e da Fundação Carlos Chagas.
“A partir de uma demanda dessas escolas, nós fizemos uma formação para professores e para estudantes para a construção de estações meteorológicas, com a ideia dessas estações serem um foco de formação de clubes de ciência, com as meninas sendo a liderança. As nossas atividades priorizam a presença de meninas, mas não são somente para meninas. A gente quer colocá-las como líderes”, explica a coordenadora.
Segundo Daniela, 10 escolas já colaboraram ou ainda colaboram com o projeto nessa modalidade mais longa. Já em atividades abertas, mais de 50 já participaram. Ao todo, foram cerca de 3.000 professores atendidos e 10.000 meninas impactadas.
Daniela Pavani é professora do Departamento de Astronomia do Instituto de Física da UFRGS, pró-reitora de extensão e coordenadora do projeto Meninas na Ciência (Foto: arquivo pessoal)
Outra iniciativa de estímulo à participação feminina nas áreas STEM foi desenvolvida pela educadora Eveliyn Tiemi Takamori quando atuava como professora de física e matemática na Escola Estadual Vitor Meireles, em Campinas, SP. A ação foi realizada em parceria com o professor André Luís Malavazzi, responsável pelas aulas de arte na instituição.
Desde 2017, a instituição, que faz parte do programa de ensino integral, já contava com um projeto de pré-iniciação científica em sua matriz curricular. Em 2022, com recursos da Fundação Carlos Chagas (FCC), do British Council e do CNPq (via edital 2ª Chamada Garotas STEM), foi realizado um projeto nessa linha com foco nas meninas — embora também tivesse participação de meninos, mas em menor número.
Alunas do projeto de pré-iniciação científica na E.E Vitor Meireles (Foto: arquivo pessoal)
A iniciativa se estendeu também para outras escolas, atingindo outras estudantes do 9º ano ao ensino médio. Funcionava assim: as estudantes da E. E Vitor Meireles recebiam orientação presencial para oficinas de atividades diversas, que incluíam, por exemplo, construção de pontes com palitos de sorvete, criação de animações com bonecos feitos a partir de massa de modelar e manipulação de Arduino — esta última, com auxílio de professores da Unicamp. Depois, elas mesmas repassavam as atividades para as colegas de outras instituições, por meio de encontros online.
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“A maior reclamação dessas meninas era a seguinte: elas só eram escolhidas para os projetos de redação, da área de humanas. E nunca eram escolhidas para a área de exatas. Por exemplo: para engenharia, para disputar feira de ciências, mostra de ciências etc. Então, quando elas foram escolhidas para fazer esse projeto, foi um ganho tremendo”, afirma a professora.
Eveliyn conta que, das meninas que participaram do projeto, há uma que seguiu para o curso de matemática e outra para a área de engenharia.
Hoje, o projeto já foi finalizado e, em razão desta e outras iniciativas, a educadora foi convidada para integrar a diretoria de ensino da região Campinas Leste, em que é professora de desenvolvimento curricular em matemática.
Eveliyn afirma que a posição atual permite que ela atinja mais escolas, estudantes e professores(as), levando o ideal de empoderamento das meninas na ciência para a diretoria de ensino.
Professor André Luís Malavazzi e professora Eveliyn Takamori com grupo de alunas do projeto que conquistou o 3º lugar na Mostra de Ciências do Instituto 3M (Foto: arquivo pessoal)
Em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu 11 de fevereiro como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Assim, a data passou a ser celebrada a partir de 2016, com o objetivo de fomentar a participação feminina na área.
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