NOTÍCIA
Quando cuidamos daqueles que educam, plantamos as sementes de um futuro mais humano, justo e harmonioso para todos
Por Rubens Bollos* | O movimento Janeiro Branco, criado em 2014, busca destacar a importância da saúde mental e emocional, incentivando a reflexão sobre o cuidado com o bem-estar psicológico e promovendo a atenção às questões psicossociais muitas vezes negligenciadas.
A escolha de janeiro para a campanha tem um significado especial, pois marca o início do ano, um período de renovação e novos começos, o que reforça a ideia de que a saúde mental deve ser uma prioridade durante todas as fases da vida. A cor branca representa paz e renovação, equilibrando a mente e as emoções. Já a página em branco é uma chance de recomeçar, lembrando que a saúde mental pode ser constantemente renovada com novos pensamentos, experiências e cuidados.
Educadores entre a exaustão e o afastamento
Precisamos continuar falando sobre saúde mental nas escolas
Para gestores públicos e professores, o Janeiro Branco é uma oportunidade de repensar os desafios enfrentados por esses profissionais, que muitas vezes lidam com alta carga emocional, estresse e sobrecarga de responsabilidades. A profissão docente exige não apenas habilidades cognitivas, mas também um equilíbrio emocional significativo para lidar com os impactos de suas ações na vida de alunos, pais e comunidades. Nesse contexto, as redes de apoio, o suporte emocional e as estratégias de promoção de qualidade de vida tornam-se fundamentais para a manutenção da saúde mental dos educadores.
O Janeiro Branco propõe um olhar atento sobre o bem-estar psicológico dos professores, incentivando a criação de ambientes mais acolhedores e a implementação de políticas públicas que priorizem o cuidado com os profissionais da educação. Além disso, o movimento convida à reflexão sobre o quanto a saúde mental dos educadores impacta diretamente na qualidade do ensino e no ambiente escolar como um todo, buscando soluções que promovam um equilíbrio saudável entre as demandas profissionais e o cuidado pessoal.
No Brasil, uma pesquisa realizada em 2022 apontou que 21,5% dos professores brasileiros avaliam sua saúde mental como ruim ou muito ruim [1]. Os principais sintomas incluem ansiedade (60,1%), cansaço excessivo (48,1%) e problemas de sono (41,1%) [2]. Outros fatores como desmotivação (55%) e sobrecarga de trabalho (49%) também são prevalentes. Em São Paulo, 64% dos professores da rede municipal relataram problemas de saúde mental, como estresse e depressão [3].
Na Espanha, 63% dos professores relataram problemas de ansiedade [4]. No Reino Unido, quase 20% foram agredidos fisicamente por alunos, e a pressão psicológica é constante [5]. Na Coreia do Sul, o burnout é frequente devido à alta pressão acadêmica e às interações difíceis com pais de alunos [6]. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), quase um bilhão de pessoas vivem com algum transtorno mental, incluindo muitos professores [7].
A violência e a insegurança no ambiente escolar têm se agravado, especialmente diante da polarização ideológica intensificada após a pandemia. O ambiente educacional, que deveria ser um espaço seguro para aprendizado e desenvolvimento, tem sido cada vez mais marcado por tensões e conflitos, frequentemente alimentados por divergências políticas e sociais. Essa situação, exacerbada pelas redes sociais e pelos debates públicos acirrados, tem impactado diretamente a convivência entre alunos, professores e demais membros da comunidade escolar. Como resultado, surge um clima de insegurança, onde atitudes agressivas, discriminação e até episódios de violência física contra professores se tornam mais frequentes.
No Brasil, 12,5% dos professores relataram intimidações semanais, liderando o ranking global de agressões contra educadores [8]. Casos de agressões verbais e físicas têm crescido, impactando negativamente o desempenho e o bem-estar desses profissionais. Globalmente, a violência também preocupa. Na Coreia do Sul, a pressão de pais resultou em casos extremos, como o suicídio de uma professora [6]. No Reino Unido, indisciplina dos alunos e falta de suporte institucional são problemas recorrentes [5].
Saúde mental: convivência, para afastar a angústia dos estudantes
Os desafios do MEC para o Mais Professores
Esses episódios afetam profundamente a saúde mental e emocional dos estudantes, resultando em baixo desempenho escolar, falta de frequência, e também dos educadores, com afastamentos por questões de saúde, atrasos nos currículos e outros problemas. Isso compromete todo o processo educativo. Esse cenário torna ainda mais urgente a implementação de políticas de prevenção, apoio psicológico e a promoção de uma cultura escolar baseada na paz e no respeito mútuo.
As condições de trabalho e o reconhecimento dos professores são, de fato, variáveis e estão diretamente ligados a fatores políticos, financeiros, governamentais e éticos em diferentes contextos ao redor do mundo. Na África Subsaariana e no Sul da Ásia, professores enfrentam turmas superlotadas, baixos salários e falta de recursos educacionais [9]. No Brasil, a remuneração média é 47% inferior à dos países da OCDE, refletindo desvalorização que dificulta a atração de talentos [10]. Em contraste, países como Finlândia, Coreia do Sul e Canadá oferecem melhores condições. Na Finlândia, a profissão é respeitada, com formação rigorosa e autonomia pedagógica [11]. Na Coreia do Sul, apesar da pressão cultural, os professores têm remuneração competitiva e valorização social [6]. O Canadá destaca-se pelo ambiente inclusivo e diversificado [12].
As políticas educacionais, a alocação de recursos financeiros e as decisões governamentais influenciam significativamente as condições em que os professores atuam, assim como o reconhecimento que recebem pela sua profissão. Em muitos casos, a falta de investimentos adequados, a precarização das condições de trabalho e a ausência de valorização profissional refletem a fragilidade dos sistemas educacionais, que, por sua vez, afeta a qualidade do ensino e o bem-estar dos educadores. Por isso, é fundamental que as políticas públicas e as decisões éticas em nível global e local priorizem a valorização e o apoio aos professores, garantindo que tenham as condições necessárias para exercer sua profissão com dignidade e eficácia.
E o que os professores desejam? Ao redor do mundo, os educadores manifestam desejos claros por melhorias nas condições de trabalho, reconhecimento e apoio institucional. Entre as principais demandas, destacam-se as listadas abaixo.
Esses desejos refletem o anseio por uma educação mais humanizada, respeitosa e comprometida com o desenvolvimento tanto dos professores quanto dos alunos. Para isso, é necessário que haja um esforço coletivo em garantir os recursos e o apoio necessário, respeitando o papel essencial dos educadores na construção de um futuro mais inclusivo e igualitário [13].
A educação desempenha um papel central na formação de valores éticos, de cidadania e direitos, especialmente diante dos desafios contemporâneos, como intolerância, polarizações ideológicas, exposição midiática e insegurança digital. Para enfrentar esses obstáculos, é fundamental adotar valores e práticas que promovam um ambiente saudável e construtivo.
Entre as principais recomendações, destacam-se: a promoção do diálogo e do respeito mútuo, essenciais para a construção de uma sociedade mais empática e tolerante; a educação digital, com foco no combate ao cyberbullying, preparando os indivíduos para navegar de forma segura e consciente no ambiente online; o suporte psicológico e emocional, visando o bem-estar dos alunos e a construção de resiliência frente aos desafios da vida moderna; e a capacitação contínua dos educadores, garantindo que estejam preparados para lidar com as novas demandas e questões emergentes no processo educativo. Essas ações são fundamentais para garantir uma educação que, além de transmitir conhecimento, também contribua para o desenvolvimento integral dos indivíduos e a construção de uma sociedade mais justa e equilibrada.
E como podemos apoiar e valorizar nossos professores? A educação deve formar para a aquisição de valores éticos e promover direitos e cidadania. Como Nelson Mandela dizia: “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.” Inspirados por essa visão, é essencial criar estratégias que apoiem os professores em seus desafios cotidianos, promovendo saúde, bem-estar e condições dignas. E seguem, abaixo, minhas recomendações para inspirar ações estratégicas evolutivas e curativas.
Estas estratégias, além de práticas, refletem a necessidade de criar uma cultura de valorização dos educadores, garantindo que esses profissionais tenham suporte para desempenhar sua missão essencial de transformar vidas através da educação.
E qual é o nosso papel como cidadãos, pais e alunos neste ecossistema? Somos parte essencial na construção de uma educação transformadora. Como sociedade, precisamos ser referências positivas e apoiadores ativos, praticando diálogo e respeito sobre os profissionais da educação. Criticar e condenar sem propostas ou voz ativa não ajuda o processo socioeducativo e evolução da sociedade como um todo; ao contrário, dissemina o oposto.
Ao promovermos o bem-estar dos professores, garantimos que nossos filhos tenham acesso a uma educação preventiva e a uma cultura de paz que seja transformadora e curativa. Esse é um chamado à empatia e à cooperação: quando cuidamos daqueles que educam, plantamos as sementes de um futuro mais humano, justo e harmonioso para todos.
De fato, a profissão docente enfrenta desafios complexos e exemplos de países como Finlândia, Coreia do Sul e Canadá mostram que é possível construir um futuro em que os professores sejam valorizados. Temos referências também brasileiras, como Sobral, no Ceará, que neste momento estão ameaçadas por disputa política e ideológica. Estejamos vigilantes.
Edutubers: professores querem potencializar a aprendizagem
O movimento Janeiro Branco promove a conscientização sobre saúde mental e bem-estar emocional. E é fundamental para que nossos governantes e gestores públicos reflitam sobre a importância dos desafios da educação e seus profissionais, apoiando nossos professores, principalmente, e que reconheçam também a importância de cuidar da saúde mental dos educadores e de todos do ecossistema da educação.
Essa também é uma oportunidade de começarmos, como a folha em branco que a campanha simboliza, a reescrever histórias e investir no bem-estar coletivo. Com recursos, reconhecimento e cuidado com a saúde mental, podemos transformar o ambiente educacional e criar um futuro mais ético, inclusivo e solidário. Afinal, investir nos professores é investir no futuro de uma sociedade mais justa para todos. Você já agradeceu ou reconheceu o esforço de um professor hoje?
*Rubens Bollos é médico, mentor e palestrante. Mestre e doutor (Ph.D) em ciências da saúde pela Unifesp e pós-doutorado em biologia do desenvolvimento (USP/ICB). Pesquisador nas áreas de imunologia, epigenética, salutogênese e cultura de paz com foco no estudo de indicadores de êxito em saúde. É presidente-fundador da ABMPP.org (Associação Brasileira de Medicina Personalizada e de Precisão).
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