Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
Publicado em 20/11/2024
Meu amigo Rui Canário dizia que, quando assistíamos à degradação do ambiente natural e das relações humanas, raramente nos apercebíamos de que tais fenômenos eram consequências de uma determinada visão de mundo
Santos, 19 de setembro de 2044
Nas praias de Madagascar vivia um pássaro meigo de nome Dodô. Era uma ave estranha pois, contrariamente a outras espécies, não temia a proximidade dos homens. E, por não os temer, esta espécie foi extinta.
Homens ignorantes e cruéis — que também os havia nesse tempo — divertiram-se a persegui-los e matá-los. Um livro que nos fala das aventuras de uma Alice descreve o paradoxo do pássaro Dodô. Depois do dilúvio causado pelas suas próprias lágrimas, Alice chega a uma praia em que encontra vários animais, todos eles encharcados e com frio.
O pássaro Dodô sugere que façam uma corrida para se aquecerem. Todos começam a correr, cada qual para seu lado, cada qual escolhendo o seu próprio percurso, era fácil ver que todos os percursos eram diferentes. No final da corrida, todos estavam quentinhos e a salvo. Perguntaram ao pássaro quem teria sido o vencedor. Como cada um correu como e por onde quis, o pássaro Dodô declarou que todos tinham sido vencedores das suas próprias corridas.
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Há 20 anos, atento à extinção de espécies e à degradação ambiental, o Papa Francisco asseverou ser necessária uma educação que respeitasse a diversidade e a inclusão:
“É necessário acelerar esse movimento inclusivo da educação, para combater a cultura do descarte, criada pela rejeição da fraternidade como elemento constitutivo da humanidade. A educação é uma realidade dinâmica. Trata-se de um tipo de movimento orientado ao desenvolvimento pleno da pessoa em sua dimensão individual e social, uma educação que coloca a pessoa no centro de sua realidade e da Casa Comum em que é chamada a viver.
O movimento educativo construtor de paz é uma força que deve ser alimentada contra a ‘egolatria’ que cria a falta de paz, fraturas entre as gerações, povos, culturas, populações ricas e pobres, homens e mulheres, economia e ética, humanidade e ambiente”.
A ‘costelinha ambientalista’ do Francisco o levou à conclusão de que “um novo pacto educacional deveria ser revolucionário (sic)”:
“É preciso coragem, a coragem de investir as melhores energias, a coragem de formar pessoas disponíveis para se colocarem a serviço da comunidade”.
Retomo metáforas das cartinhas que para vós escrevi no início do século:
“As gaivotas inventaram outros modos de viver e de voar. Contrariavam os porquenãos, pássaros com tendência para beber silêncios no degredo dos ninhos. As negrelas, escondidas nas árvores de troncos putrefatos, haviam deixado atrás do si um rasto de destruição.”
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Participei de um Grupo de Trabalho ministerial que deu visibilidade pública a 178 projetos considerados potencialmente inovadores. Decorrida meia dúzia de anos, poucos restavam em atividade. A maioria foi desvirtuada ou extinta, por efeito de sinistras ações de ‘porquenãos’ e ‘negrelas’.
No setembro de 2024, o espírito fundador desses projetos fê-los renascer como Fênix ressurgindo das cinzas. Reagindo insanidades, uma rede de comunidades emergiu do pântano em que a educação se encontrava.
O meu amigo Rui Canário dizia que, quando assistíamos à degradação do ambiente natural e das relações humanas, raramente nos apercebíamos de que tais fenômenos eram consequências de uma determinada visão de mundo. Nesse redentor setembro, fui até à cidade de Santos, a convite da Secretaria de Educação. Ali, senti que ‘uma nova visão de mundo’ despontava. Ali, escutei professores expressando a sua vontade de reelaborar a sua cultura pessoal e profissional. E à Cristina, à Rita, ao Bruno e a outros educadores deixei a promessa de voltar à Baixada Santista.
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