Artigos escritos por pesquisadores do laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna (eduLab21)
Publicado em 14/11/2024
O que significa quando estudantes não conseguem lembrar o conteúdo em uma prova? O que pode ser feito?
Por Ana Crispim* e Lilian Dantas** | Série – Saindo do senso comum – capítulo 2: Você já se deparou com relatos de estudantes que perderam o sono por receio de uma avaliação? Algum estudante já te procurou dizendo que poderia ter ido melhor num teste, mas não entende por que se saiu mal? Esse tipo de relato é comum nas escolas, principalmente em avaliações que podem influenciar em desfechos da vida acadêmica ou profissional, como exames para ingresso em universidades.
Situações de avaliações educacionais, no geral, podem ser acompanhadas por sentimentos de preocupação e de nervosismo. Em pesquisa promovida pela OCDE (2024) com estudantes de 15 anos, foi encontrado que aproximadamente metade deles sente preocupação em relação às avaliações. No dia a dia das escolas, isso pode aparecer de algumas formas, como nesse relato:
“Quando faço uma prova, eu começo a pensar o que vai acontecer se eu não for bem. Eu sinto meu coração acelerar. Me dá um branco mesmo que eu tenha estudado aquele conteúdo. Depois que saio da sala, fico pensando que podia ter ido melhor”.
Embora fictício, esse relato dialoga com a experiência de estudantes em situações de avaliação e expõe sintomas do que é chamado de ansiedade de desempenho na literatura. É claro que em alguma medida, todos nós podemos sentir nervosismo ou preocupação ao realizar uma atividade que é importante para nós. Porém, identificar se isso ocorre de forma recorrente em avaliações ou um assunto específico, e numa intensidade que paralisa, é importante para compreender se essa preocupação é pontual ou se pode ser ansiedade de desempenho. Você já reconheceu seus estudantes se sentindo assim? Vamos saber mais sobre isso.
——
Série Saindo do Senso Comum – Capítulo 1:
Como as competências socioemocionais podem apoiar os professores no dia a dia da profissão?
——
Sim. A ansiedade de desempenho é uma forma de ansiedade que pode acontecer em situações de avaliação, como provas na escola ou no Enem. Ela tem a ver com preocupações sobre a própria capacidade em um determinado assunto ou componente, como matemática ou língua portuguesa e, por conta disso, pode afetar o desempenho do estudante durante o teste.
Ligada a crenças e expectativas, a ansiedade de desempenho pode influenciar em como o estudante enxerga seus recursos para estudar, para se aprimorar, e para lidar com os desafios que ele encontra durante essa jornada de aprendizado.
No longo prazo, dados de pesquisas reforçam que sentir-se assim de forma frequente pode afetar outros aspectos da vida do estudante, como seus interesses e escolhas de cursos no ensino superior.
Por exemplo, estudantes que se sentem mais ansiosos ao fazer atividades de matemática podem se sentir menos interessados e engajados para seguir cursos voltados para engenharia, ciências, tecnologia e matemática. Por isso, é importante reconhecer que esses sentimentos existem perante avaliações e acolher os estudantes que estão se sentindo assim.
Sim e não. Quando estamos sentindo ansiedade em um teste, podemos vivenciar o famoso ‘deu branco’. Esta experiência é real e tem explicação. Se sentir nervoso ou preocupado durante uma avaliação pode fazer com que haja uma falha na evocação das nossas memórias por conta de processos atencionais e emocionais.
Nossa memória é modulada também pelas nossas emoções, o que influencia a aprendizagem e a recuperação de conteúdo. Isso quer dizer que as emoções ajudam a integrar novos conhecimentos com informações já consolidadas e podem facilitar a recuperação do que aprendemos, ao direcionar nossa atenção e energia para a tarefa.
Na prática, em uma situação de avaliação, isso significa que a pessoa pode ter aprendido o conteúdo, mas naquele momento tem dificuldade para relembrá-lo pela forma como está se sentindo, seja por conta do estresse, pressão ou ansiedade.
O compromisso de lidar com desafios que podem estar gerando sentimentos de ansiedade nos estudantes deve ser garantido por todos: estudantes, familiares e toda a comunidade escolar. O desenvolvimento intencional de competências socioemocionais pode ser um aliado importante para a gestão escolar. Trabalhar habilidades relacionadas à resiliência emocional pode ajudá-los a refletirem sobre suas capacidades e seus potenciais e elaborarem estratégias para administrar sentimentos de ansiedade ou frustração frente a situações desafiadoras, como ir mal em uma prova.
Outras estratégias de apoio podem incluir identificar quais conteúdos geram mais dificuldades, realizar exercícios de regulação emocional e oferecer orientações que informem sobre as avaliações e seus objetivos. O importante é considerar o contexto de cada estudante e quais estratégias lhes são mais adequadas.
——
Vera Iaconelli: modelo de sociedade atual nos adoece
Saúde mental: convivência, para afastar a angústia dos estudantes
——
É essencial também identificar a frequência e a forma como esses sentimentos estão afetando a trajetória escolar do estudante. Nesses casos, a articulação entre equipes da escola, de saúde e de assistência social são essenciais para construir protocolos de encaminhamento que levem em consideração a gravidade de cada caso e promovam a assistência adequada.
Para concluir, lembre-se que avaliações são fotografias de um determinado momento.
Não desempenhar como o esperado em uma avaliação não quer dizer que todas as avaliações serão da mesma forma. Embora estejamos explorando a ansiedade em avaliações, diversos fatores podem afetar o desempenho em um teste. Se o estudante não se sentir bem por motivos físicos, emocionais ou contextuais, seu rendimento pode ser prejudicado naquele dia.
Isso não quer dizer que ele ou ela irá repetir o mesmo desempenho sempre, pois a aprendizagem não é um processo estático. Por isso, fomentar momentos de reflexão sobre pensamentos, comportamentos e sentimentos que ocorrem antes, durante e depois de uma avaliação, e pensar em conjunto sobre estratégias de enfrentamento é importante, especialmente ao se falar de avaliações que podem impactar mais fortemente um momento da vida, como vestibulares ou o Enem.
*Ana Crispim é gerente de pesquisa do Laboratório de Ciências para Educação (eduLab21) do Instituto. Psicóloga, mestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em psicologia, com ênfase em psicometria pelo programa de pós-graduação em psicologia da University of Kent, Reino Unido, com pós-doutorado em modelagem estatística para ciências do comportamento na Universidade de São Paulo.
**Lilian Dantas é estagiária de pesquisa no Laboratório de Ciências para Educação (eduLab21) do Instituto Ayrton Senna. Bacharel em ciências e humanidades pela Universidade Federal do ABC, atualmente é estudante dos cursos de psicologia na Universidade Municipal de São Caetano do Sul e relações internacionais na Universidade Federal do ABC.
——
Revista Educação: referência há 29 anos em reportagens jornalísticas e artigos exclusivos para profissionais da educação básica
——