NOTÍCIA

edição 307

Autor

Ana Gabriela Nascimento

Publicado em 12/11/2024

Engajamento, para combater o bullying

Estratégias coletivas de prevenção e reparação ativa com os estudantes melhoram o clima escolar

É provável que se recorde do nome do colega valentão que importunava na hora do recreio, e se lembre do apelido que ele deu e do quanto você torcia para não ser notada sua presença no pátio. Talvez tenha deixado de ler sua redação em voz alta para a turma, desistido de se declarar para quem gostava ou parado de jogar bola para ter um pouco de paz naquele ano. Pode ser que tenha sido mais sério: sua mãe precisou ir à escola, você foi reprovado ou se machucou tentando brigar. Se isso aconteceu, você não é exceção: 33% das pessoas já sofreram bullying nas escolas brasileiras, segundo uma pesquisa do DataSenado, de 2023.

Mesmo as situações citadas tendo acontecido há anos e hoje podem não parecer relevantes, é importante considerar que a escola era quase o seu mundo inteiro àquela altura. Quantas possibilidades não deixam de ser exploradas quando ir à escola significa se encolher ao máximo para passar despercebido? Tanto que se encolher não estava mais adiantando para um menino de 14 anos que estava em sofrimento intenso por causa das violências homofóbicas, racistas e classistas vivenciadas em um colégio particular do qual era bolsista. Ele se suicidou em agosto deste ano, em São Paulo.

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O caso aponta para problemas de saúde pública no Brasil. A taxa de suicídios na faixa etária entre 10 e 24 anos subiu 6,1% a cada ano entre 2011 e 2022 — quase o dobro da média da população geral, 3,7% —, de acordo com levantamento do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia (Cidacs). Em 2021, o Unicef estimou que um a cada seis meninos e meninas entre 10 e 19 anos vive com algum transtorno mental no Brasil, mas só cerca de 20% deles recebem tratamento.

“Precisamos lembrar que temos índices de violência comparáveis aos de países em guerra. Violência sexual e assassinatos de mulheres, negros e pessoas trans se repetem em intervalos de poucos minutos no Brasil. Digo isso para mostrar que o bullying não começa e nem termina na escola; a desigualdade e as violências do bullying têm eco no valor social. Nossa sociedade ainda precisa aprender a conviver com a diversidade e ser reeducada em termos de equidade”, analisa Rachel Nascimento, professora formadora da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e mestra em relações étnico-raciais.

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Se você ou um conhecido estiver passando por um momento difícil, procure o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece atendimento gratuito e sigiloso por telefone (número 188) e pelo site (www.cvv.org.br).

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Apesar de não ser a origem e nem o destino final de toda a problemática do bullying, a escola ocupa lugar estratégico para modificar a percepção sobre o tema. “Qual relação se estabelece com as diferentes identidades que habitam aquele espaço? A escola deve partir da premissa do orgulho, não da dor. Propor percepções sobre deficiência, sobre as mulheres e sobre a negritude que partam do orgulho e não do capacitismo, da misoginia e do racismo. Assim, apresentamos a potência dos diferentes grupos”, defende Luciana Viegas, pedagoga, especialista em direitos humanos e lutas sociais pela Unifesp e fundadora do Instituto Vidas Negras com Deficiência Importam.

 

Luciana Viegas, fundadora do Vidas Negras com Deficiência Importam: escola deve partir do orgulho e não do capacitismo, da misoginia e do racismo (Foto: arquivo pessoal)

Prevenção e reparação

Mas a construção deste caminho de mais equidade e harmonia passa pela superação de ideias que constituem o senso comum e que compõem a cultura de algumas instituições de ensino, voltadas prioritariamente à performance e a resultados individuais. “Se você só é reconhecido e elogiado quando acerta tudo ou atinge determinada nota, naturalmente você vai desejar se enquadrar para ser aceito. Quando a escola faz isso está passando uma mensagem de padronização”, argumenta Luciana Viegas, que é autista e mãe de uma criança autista e, em 2022, integrou a D-30 Disability Impact List da Diversability, lista que destaca líderes globais com impacto no campo da deficiência.

De acordo com a neuropsicóloga e educadora Adriana Fóz, é importante considerar que grandes mudanças estão em curso. “Temos a ingenuidade de achar que a escola vai mudar na velocidade da digitação, mas estamos falando de comportamentos, de novos aprendizados que não se resolvem em um clique. As soluções passam por uma reeducação que vai além dos estudantes e tem a ver com toda a comunidade escolar. Desde os professores e técnicos até os trabalhadores da cantina e gestores, todos devem manter a atenção nos estudantes para criar ambientes verdadeiramente acolhedores”, propõe, ressaltando a diferença entre atenção e vigilância. “Não se trata de simplesmente instalar mais câmeras e sim de estimular o cuidado mútuo”, completa.

 

“Não se trata de simplesmente instalar mais câmeras e sim de estimular o cuidado mútuo”, orienta a neuropsicóloga Adriana Fóz (Foto: arquivo pessoal)

É nesta perspectiva de prevenção e acolhimento da diversidade que o professor e mestre em educação física Dionleno Rodrigues também acredita. Segundo ele, nas turmas de ensino médio do Colégio Pedro II, no RJ, em que dá aulas atualmente, situações de bullying têm sido cada vez mais raras. “Muitos dos alunos já estudam no colégio desde o ensino fundamental e vêm, de pequenos, aprendendo a enxergar a diversidade como um valor. O bullying perde o sentido nesse contexto”, conta o professor.

Dionleno, que estudou no mesmo colégio em que leciona hoje, destaca a evolução institucional da escola para melhor acolher todos os alunos, com a criação, por exemplo, de um setor interno de atendimento a casos de bullying, e comenta a mudança na percepção do tema trazida por sua atuação docente. “Passei a ter um olhar mais sensível porque me preocupo com o desenvolvimento integral dos estudantes e sei como isso pode afetá-los. Estou sempre aberto para ouvir e proponho trabalhos que estimulem eles a falarem, a se expressarem e se sentirem ouvidos”, explica.

Enquanto investem na prevenção ao bullying para colher resultados a médio e longo prazo, as escolas podem agir nos casos atuais sob a ótica da reparação ao dano causado nas vítimas, em vez da punição genérica aos agressores. “A escola que produz apenas punição a partir do erro está fadada ao fracasso. É preciso exercitar a escuta ativa da vítima de bullying e entender o contexto em que a escola está inserida para pensar soluções melhores”, acredita Luciana Viegas. “Como é que quem pratica bullying repara o ato que fez? Para chegar a essa resposta, a gente não pode silenciar as vítimas, tem de ouvi-las. Nossa sociedade é muito punitivista e a punição, muitas vezes, só aprofunda a sensação de inadequação e de resolução pela violência. A escola precisa pensar junto em ações que reconectem as pessoas”, defende Rachel Nascimento.

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Saídas coletivas

Retomando o exercício do início da matéria, talvez você não precise puxar na memória o nome do valentão que importunava os colegas na hora do recreio porque ele era você mesmo. Mas você pode também ter ocupado o terceiro e fundamental papel nas dinâmicas de bullying da sua escola: o de quem assistia às violências acontecerem e não intervinha para que parassem.

“O primeiro passo para combater o bullying é não fingir que ele não existe e trazer o tema para debate. É convocar especialmente os alunos para falarem, porque eles são os principais envolvidos e, a partir disso, pensar estratégias coletivas de enfrentamento do problema”, sugere Dionleno.

 

bullying

“Proponho trabalhos que estimulem os estudantes a falarem, a se expressarem e se sentirem ouvidos”, conta Dionleno Rodrigues, do Colégio Pedro II, no RJ (Foto: arquivo pessoal)

O artigo Bullying: comportamento agressivo entre estudantes, do médico Aramis A. Lopes Neto para o Jornal de Pediatria, afirma que “nas escolas onde estudantes tiveram participação ativa nas decisões e organização, observou-se redução dos níveis de vandalismo e de problemas disciplinares e maior satisfação de alunos e professores com a escola”.

Não faltam exemplos de ações que contam com a participação ativa dos estudantes e transformam o ambiente escolar. “Na educação infantil, vi um projeto em que as crianças depositavam em uma caixa as suas tristezas escritas no papel e, ao fim do dia, os professores liam o que estava na caixa e todos pensavam juntos em soluções para aquele incômodo. O projeto validava, desde cedo, as emoções difíceis que eles sentiam. Saber que seriam ouvidos e teriam ajuda estimulava a participação”, conta a neuropsicóloga Adriana Fóz.

Desde materiais didáticos que celebrem a diversidade, passando por oficinas para pintura da escola, saraus e slams, competições esportivas que engajem estudantes em diversas atividades para além dos jogos, excursões para aulas de campo; todas essas ações citadas pelos entrevistados podem ser oportunidades de trabalhar o senso de pertencimento. Para isso, é fundamental a participação de todos, desde responsáveis até a imprensa. “Precisamos trabalhar juntos, em comunidade, porque senão a gente continua culpando a escola por problemas que são estruturais e que não vão ser resolvidos apenas ali dentro. Antes mesmo do bullying, temos de nos preocupar com a formação cidadã de todos que passam pela escola”, orienta a professora Rachel Nascimento.

Pensar em ações que reconectem as pessoas, estimula a professora Rachel Nascimento (Foto: arquivo pessoal)

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