NOTÍCIA
Educadora defende que é preciso saber quem é o sujeito que aprende, como ele aprende, a sua história e relacionamento com a escola
Em um mundo cada vez mais globalizado e plural, o letramento tende a fazer parte mais e mais da vida dos seres humanos, e a escola deve contribuir para que este processo seja satisfatório e favoreça a inserção do educando na sociedade, que lhe permita atuar socialmente. É o que destaca Neuzita de Paula Soares, diretora da Escola Social Marista Irmão Rui, localizada em Ribeirão Preto, em São Paulo. Desde 2002, a instituição atende gratuitamente 790 crianças e jovens entre seis e 18 anos em situação de vulnerabilidade, ofertando o ensino fundamental, médio e projetos de contraturno escolar.
“A proposta educativa da escola tem como intencionalidade garantir não apenas a apropriação da leitura e da escrita, mas também colaborar para o processo de proficiência de interpretação daquilo que se lê e daquilo que se escreve. Para a Escola Social Marista Ir. Rui, o alfaletramento processual e contínuo é compromisso de democratização social e cultural do conhecimento, pressupostos que sedimentam os caminhos para a cidadania”, diz Neuzita.
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Para garantir o alfaletramento, expressão que a escola utiliza para dizer que alfabetiza e letra os alunos ao mesmo tempo, foi criado em 2018 o projeto Travessia. Ao identificar que os estudantes possuíam variados índices de aprendizagens ou defasagens, o projeto chega para reduzir as dificuldades em língua portuguesa e matemática. Funciona como atendimento complementar no contraturno escolar e é estruturado com base em trilhas de aprendizagem que impactam o desenvolvimento cognitivo e socioemocional dos atendidos.
“O projeto Travessia é de recomposição de aprendizagens e visa a equidade acadêmica por meio da personalização dos processos de alfabetização, construídos a partir dos diferentes tempos de aprendizagem e singularidades de cada estudante, por isso possui modelagens específicas dentro de cada segmento atendido”, conta Neuzita de Paula Soares
“O projeto é atualizado anualmente e, como o nome diz, visa uma travessia para o estudante: de um lugar de não aprendizagem de leitura, escrita e base matemática ocasionada por inúmeros fatores, para um lugar de aprendizagem, de acesso, no qual haja, de fato, inclusão”, pontua a diretora.
Desta forma, para iniciar o processo de recomposição da aprendizagem de determinados alunos, professores especializados realizam entrevistas e análises individuais diagnósticas com os estudantes. Depois dessa etapa do projeto, organizam percursos acadêmicos que são alinhados à agenda de atividades de cada criança ou jovem.
À medida que vão seguindo o percurso, os professores modulam os tempos e complexidades de atividades e o momento de conclusão do projeto. Quando a criança conclui esse programa, segundo a diretora Neuzita, ela está fortalecida para seguir com a sua turma; nisso, recebe um certificado simbólico, que normalmente é um marco nos rendimentos e na autoestima.
“Desde sua implantação, são dezenas de estudantes alfaletrados, que após cumprirem o percurso e estarem em condições similares ao restante da turma, são dispensados do projeto de forma amorosa e simbólica — como quem vence uma barreira importante. São vários estudantes que conseguem superar as dificuldades e seguir a trajetória escolar com suas turmas”, diz a diretora.
Em 2023, o percentual foi de 89% de sucesso, considerando o cruzamento de dados como: estudantes que fizeram sete pontos ou mais de média; aqueles com melhora crescente na média de português e matemática; estudantes com melhora parcial na média de português e matemática; estudantes que progrediram de séries, e os índices de aprovação e frequência na escola.
Para letrar alunos é indispensável formar professores. O projeto possui docentes exclusivos, focados em matemática e língua portuguesa. Esses profissionais realizam cursos, recebem orientações de gestores de cada segmento sobre os percursos, dedicam-se a construir caminhos personalizados com os estudantes e estabelecer articulações com os processos desenvolvidos em sala de aula.
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De acordo com Neuzita de Paula Soares, dessa forma não há segregação e sim complementaridade entre as metodologias desenvolvidas em sala e o trajeto individual de cada estudante, no fortalecimento das potencialidades e na superação da ‘travessia’ de dificuldades de aprendizagens.
“Não existe receita para alfaletrar, existe processo, método e sensibilidade para compreender o estudante na sua inteireza, no caminho percorrido por ele em relação às aprendizagens, enfim, em saber quem é o sujeito que aprende, como ele aprende, a sua história e relacionamento com a escola”, explica.
Além do projeto Travessia, a Escola Social Marista Irmão Rui possui outras iniciativas que visam atender diferentes demandas da escola. Buscando fortalecer a equidade acadêmica, por exemplo, através do projeto Biblioteca Interativa, a instituição incentiva idas à biblioteca da escola. O espaço conta com 12 mil obras voltadas a crianças no processo de alfabetização, até aos jovens em preparação para os vestibulares. Estes, junto com a bibliotecária, leem e discutem sobre as obras que estão nas listas das provas.
Já com o intuito de fortalecer o vínculo entre família e escola, a instituição possui iniciativas como o projeto Angico, nome que faz referência à árvore nativa brasileira, de porte grandioso e resistente às mudanças climáticas, assim como as famílias dos alunos da escola, que possuem histórias riquíssimas pautadas na diversidade de origem e constituição. O projeto estimula a participação dos familiares em fóruns e eventos que acontecem dentro do ambiente escolar.
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