É professor de Língua Portuguesa e orientador educacional
Publicado em 08/07/2024
Com o aumento de estudantes com dificuldade de tomarem conta de si, para que a trajetória escolar ultrapasse a aquisição de habilidades, o papel desse profissional é crucial
Não há escola que não defenda as máximas “a minha prioridade é o aluno” e “o nosso foco é o desenvolvimento integral do estudante”. Evidentemente, pode haver variações na formulação das frases nessa basilar missão, mas não haverá mudança substanciosa na ideia de que o aluno é o centro de interesse da instituição e o seu desenvolvimento integral, pleno, autônomo, cidadão, crítico e holístico é a pedra elementar e vital onde a escola está instituída, alicerçada e fincada.
Não há colégio que, em seu projeto político-pedagógico, não contemple a progressão escolar exitosa do estudante para que ele possa, com aquisição de conhecimento do mundo e de si mesmo, desenvolver suas habilidades, seus potenciais e suas capacidades a fim de atuar na sociedade de forma crítica, solidária e transformadora.
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E para que esses pressupostos se consumam efetivamente, os centros de estudos e de formação humana garantem que contam com equipes docente, pedagógica e educacional qualificadas que visam ao desenvolvimento de conteúdos, atitudes, competências e habilidades planejados e executados de forma progressiva, avaliada, ponderada, relativizada e reconsiderada.
Todos esses princípios são enunciações claras nos postulados escolares. Os institutos todos defendem, em teoria e na prática, essas proposições, todavia, no dia a dia escolar, na passagem de cada ciclo e no fim da trajetória escolar do jovem no ensino básico, muitas desses axiomas tornam-se apenas hipóteses e intenções.
O que se propõe como truísmo tropeça muitas vezes nos acasos, nas chances e nas contingências, sobretudo em institutos cujos atores dos processos educativos trabalham de forma fragmentada e desconexa ou naqueles em que a orientação educacional atua à margem da engrenagem que faz a roda da relação ensino e aprendizagem se concretizar íntegra e absoluta.
Não há dúvida de que um grupo de professores capacitado, treinado, valorizado, estimulado e afinado com o projeto político-pedagógico (PPP) da instituição da qual faz parte é um início de caminho sólido para o sucesso da empreitada e da missão. Claro que uma direção pedagógica atuante e atualizada trabalhando em harmonia e temperança como os coordenadores pedagógicos e de área constitui em suporte e sustentáculo indissociável para que os valores propostos sejam alcançados prosperamente.
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Contudo, nas atuais circunstâncias em que vivem jovens e famílias, hoje, a atuação do orientador educacional será crucial para que essa travessia escolar seja plena e repleta de realizações que ultrapassem a aquisição de habilidades que deem conta apenas dos conteúdos pré-selecionados pelos colégios. Segundo a educadora e intelectual Mirian Grinspum: “O principal papel da orientação será ajudar o aluno na formação de uma cidadania crítica, e a escola, na organização e realização de seu projeto pedagógico. Isso significa ajudar nosso aluno ‘por inteiro’: com utopias, desejos e paixões”. “A prática do orientador educacional deverá estar centrada na realidade dos alunos, propiciando-lhes as condições favoráveis à aquisição do conhecimento e concomitante a esta aquisição, o próprio desenvolvimento.”
As escolas não podem negar que, a partir do advento das redes sociais e da ampliação do uso em massa dos smartphones entre crianças e jovens, os atuais estudantes são muito mais ansiosos, adoecidos emocionalmente, aflitos com a própria existência. Jovens com imensas dificuldades de dar conta de seus conflitos pessoais e de interlocuções sociais. Imersos em uma era em constantes transformações tecnológicas e sociais fundamentais que passam por questões de gênero e identitárias às relacionadas a crise climáticas e de reconstrução da empregabilidade. Garotos e garotas que expostos à toda sorte de influenciadores digitais, sem a mediação da rua viraram iscas fáceis e frágeis para aderir a ideias perigosas aparentemente agradáveis.
Nunca se viu tanto suicídio entre jovens nem tanta mutilação entre eles. Qualquer visita a uma enfermaria escolar ou à sala da orientação confirmará o fluxo absurdo de pronto-socorro, sem contar as inúmeras perdas de aula ao longo do ano por conta de dificuldade de dar conta de si e do dia.
Contudo, muitas escolas — se não negam na palavra esse cenário alarmante — contrariam no gesto, oferecendo apenas propostas paliativas para mitigar problemas com palestras, atendimento na orientação educacional ou nas enfermarias ou salas de psicólogos e psicopedadogos quando contam esses profissionais e reuniões esporádicas com famílias.
E, nesse contexto, convenhamos que seja muito difícil afirmar que o centro da atenção nas instituições seja o aluno e que o foco da educação seja oferecer ao educando sua formação integral e holística. Ainda mais a jovens e crianças que em meio ao turbilhão de aulas e de informações travam luta homérica para sair da cama e enfrentar os Golias do dia com duas ou três pedrinhas inofensivas na mão.
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Como esperar desses jovens bons rendimentos escolares e formação de projeto de vida consistente em meio a tanta fragilidade? Com uma associação clara e efetiva das informações colhidas pelos orientadores educacionais ao longo das entrevistas e de atendimentos a alunos e famílias. Com assembleias de classe constantes para filtrar a temperatura relacional na escola e as dificuldades de aprendizagem. E, principalmente, com a inserção do orientador educacional na construção do PPP e dos planejamentos curriculares para que ele possa sinalizar sob a perspectiva da aprendizagem o que vem ocorrendo no dia a dia escolar, para que ocorra a reconstrução do que se havia planejado. Por fim, para que ele possa conduzir encontros educativos com famílias e assim alinhar propostas individuais e coletivas para as crianças. Do contrário, teremos muito insucesso escolar e orientadores disciplinando e amparando lamentações dos alunos e dos professores.
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