ARTIGO
Em parceria com o Instituto Peabiru, iniciativas de educação e cidadania ligadas ao Selo Unicef conscientizam crianças e jovens amazônidas para a percepção de como as alterações climáticas no planeta atingem a rotina das famílias e comunidades locais
Publicado em 18/01/2024
Roças que deixam de produzir como antes; igarapés minguados a cursos d’água que secaram ou se tornaram poluídos e impossíveis para o banho de antigamente; e dias mais quentes e abafados, quando não encobertos pela fumaça das queimadas ao redor na maior floresta tropical do planeta.
Os impactos das mudanças climáticas globais deixam de ser algo distante e entram para o vocabulário e a rotina de crianças e adolescentes mobilizados pelas ações do Selo Unicef — iniciativa que reconhece avanços dos municípios na garantia dos direitos da infância na Amazônia Legal e Semiárido brasileiro.
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A floresta amazônica já sofre as consequências das emissões de gases de efeito estufa no planeta, com consequências nocivas que potencializam a degradação da floresta já impactada pelo desmatamento.
“O aspecto social é extremamente relevante neste desafio, que envolve justiça climática, uma vez que as crianças e os adolescentes de hoje sofrem os efeitos que poderão aumentar ainda mais quando adultos, sem que façam parte das decisões”, afirma Claudio Melo, coordenador de projetos do Instituto Peabiru, sediado em Belém (PA).
A ONG, que completa 25 anos, coordena as atividades do Selo Unicef há três edições, e entre 2021 e 2024, atua em 317 municípios dos estados do Pará, Amapá, Mato Grosso e Tocantins.
Adotada no Brasil desde 1999 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a inciativa do Selo — desenvolvida em ciclos de quatro anos — abrange capacitações, suporte técnico, mobilização das comunidades locais para participação das decisões e desenvolvimento de planos ação pelos municípios participantes.
Ao fazer a adesão, o município deve seguir a metodologia proposta para fortalecer as políticas públicas que sustentam os direitos de meninas e meninos, com garantia de envolvimento dos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA).
Ações e indicadores sociais são monitorados e, finalmente, avaliados, para a concessão do selo. Entre os resultados, estão, por exemplo, a volta de crianças e adolescentes para a escola por meio da busca ativa; a redução de estudantes com atraso escolar; o aumento de práticas educacionais inclusivas e a maior participação social.
Os indicadores de impacto social dos municípios reconhecidos com o Selo Unicef — ou que pelo menos participam do processo — melhoram mais do que em outros municípios das mesmas regiões.
Na atual edição 2021-2024, um total de 2.023 municípios de 18 estados confirmaram participação, o maior número de adesões da história do programa. Desses, 676 estão localizados na Amazônia Legal.
“O engajamento dos adolescentes na agenda de mudança climática é fundamental, porque a questão é urgente. Não é um problema para o futuro, quando eles se tornarem adultos”, ressalta Ieda Pietricovsky de Oliveira, especialista em comunicação do Unicef.
Segundo ela, “uma vez engajados, os adolescentes são grandes porta-vozes e grandes atores nas transformações exigidas em relação à mitigação dos impactos profundas das mudanças climáticos já vividos por todos indistintamente”.
Diante da importância da Amazônia no cenário das mudanças climáticas e seus impactos ambientais, sociais e econômicos, o tema integra a pontuação para a conquista do selo. Um dos pilares está nas ações do Núcleo de Cidadania de Adolescentes (NUCA) que precisa ser criado em cada município com, no mínimo, 16 adolescentes de 12 a 18 anos, de forma que possam debater e reivindicar seus direitos junto às autoridades, visando à redução de desigualdades.
Promover a mitigação dos riscos e impactos das mudanças climáticas sobre as crianças e adolescentes é um dos quatro temas do plano de trabalho para cada NUCA, além do empoderamento de meninas, promoção dos direitos à saúde sexual e reprodutiva, e enfrentamento ao racismo e outras violências.
Os riscos das mudanças climáticas são temas de maratonas mensais de sensibilização e encontros presenciais nos estados com representantes de cada município candidato ao selo. No movimento #EntreNoClimaUNICEF, crianças e adolescentes são mobilizados mensalmente para o debate, com produção de vídeos, sites, podcasts e outros produtos de comunicação que replicam e aumentam o alcance das mensagens.
Relatório apresentado pelo Unicef na conferência do clima do Egito, em 2022, alerta que crianças e adolescentes são os mais impactados pelas mudanças climáticas e precisam ser priorizados. No Brasil, 40 milhões de meninas e meninos estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental (60% do total), e a questão compromete a garantia de direitos fundamentais.
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“Roubaram o nosso direito de curtir a natureza e os banhos de igarapés como nossos avós”, afirma Stefany Lima, 19 anos, integrante de um dos sete Núcleos Jovem Benevidense (NJB) criados no município de Benevides (PA), totalizando 150 jovens mobilizados no modelo do NUCA, com vistas ao Selo Unicef.
Junto à mudança climática, o crescimento da urbanização causa assoreamento dos riachos. Segundo Stefany, há relatos de que a mudança do regime das chuvas está aumentando pragas e prejudicando o cultivo de alimentos nas roças, na zona rural do município, localizado na Região Metropolitana de Belém.
Aos poucos, diz ela, crianças e adolescentes, junto às suas famílias, já percebem a relação entre a necessidade de reciclar o lixo e o combate das mudanças climáticas, embora grande parte da população do município — como na Amazônia em geral — tenha muitas outras prioridades para revolver problemas que afetam a qualidade de vida.
“As mudanças climáticas podem acabar com nossos sonhos”, enfatiza Yohana Gurjão, 17 anos, uma das lideranças que participaram, em agosto do ano passado, do Puxirum de Jovens em Defesa da Amazônia, um encontro realizado com apoio do Instituto Peabiru e Selo Unicef durante a Cúpula da Amazônia, em Belém. “O problema afeta a comida, tanto na agricultura familiar como na pesca, e nos faz pensar mais seriamente no futuro”, diz.
O tema está mais presente nas escolas e dialoga na aprendizagem de ciências da natureza, química e biologia, reforça Yohana, aluna do segundo ano do ensino médio: “Já há impacto nas atividades econômicas e modos de vida locais”. A Sala+Verde, estrutura de biblioteca e inclusão digital apoiada pelo governo federal em Benevides, funciona como um ponto de encontro para o debate sobre cidadania ambiental e sensibilização dos estudantes da cidade, aproximando meio ambiente às questões sociais.
“O município está engajado para receber o Selo Unicef em 2024 e o tema da sustentabilidade, que não é uma experiência fácil, ganha protagonismo com o viés da educação, em Benevides”, destaca Miguel Sepêda, articulador local da iniciativa.
Segundo o professor Adriano Vieira, integrante do Instituto Peabiru que acompanha as ações do Selo em municípios amazônicos, “nós que estamos na Amazônia já gritamos faz muito tempo para o problema e só agora o mundo olha para cá”. Ele enfatiza que as populações tradicionais já sofrem os piores impactos das mudanças climáticas e que, “é difícil falar sobre o tema para quem a urgência é comida na mesa”. Até uma década atrás, completa o professor, “40% da população do Pará não tinha banheiro em casa”.
Diante do desafio, de acordo com Vieira, é necessário pensar novos paradigmas para a região na releitura dos processos históricos, a partir da visão dos amazônidas. “A participação cidadã, conforme o trabalho do Instituto Peabiru, é um elemento chave: temos força e só precisamos da mais voz para impulsionar outros — e a mudança climática, que tem maior visibilidade e mexe com a realidade de todos, é uma oportunidade para que sejamos ouvidos”.
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