NOTÍCIA
Os povos indígenas ensinam que há diferentes formas de ver e estar no mundo, sendo preciso apenas respeitar os modos de vida de cada povo. É pedir muito?
Mais uma vez a floresta amazônica soprou e abriu caminhos para eu fazer uma das coisas que mais amo: vivenciar o Brasil profundo dos povos indígenas, dessa vez com os Mẽbêngôkre. Em maio, passei nove dias na Terra Indígena Capoto/Jarina, no Mato Grosso, somando mais um dia de ida e outro de volta (avião e transporte terrestre). Me banhei no rio Xingu e voltei a São Paulo agradecida por novamente ter a oportunidade de sentir e aprender sobre a história dos Brasis por olhares que não o eurocêntrico dominador.
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Mas também saí de lá triste pelo descaso sempre presente na vida dos povos indígenas (os dias em que lá estive coincidiram com a retirada da demarcação de terras do Ministério dos Povos Indígenas e com a antecipação de votação do Marco Temporal).
Os povos indígenas estão encurralados e resistem diante do mundo capitalista que enxerga tudo e todos como mercadoria. Fora da aldeia, mais de oito horas de estrada com a natureza traduzida em monocultura: soja e mais soja, provavelmente de um único dono ou grupo. Passei por Sinop e Peixoto de Azevedo, cidades marcadas pela soja e o garimpo — uma delas possui um monumento homenageando o garimpeiro (sim, o garimpo que por conta do mercúrio mata o rio e causa problemas neurológicos, principalmente nos bebês).
Ganhei muitos presentes na aldeia. Entre eles, presenciei momentos da ‘festa do homem’, que aconteceu entre maio e agosto deste ano. Em determinados períodos do dia, os indígenas se reúnem na ngà (casa dos homens localizada no centro da aldeia), cantam na língua tradicional e saem dançando em fila no terreiro em movimentos geométricos. Nisso, as mulheres e crianças chegam para dançar junto deles. Lindas, pintadas e cheias de adornos. Em um dos dias também dancei.
Dura meses, eles ensaiam para o grande dia, mas o próprio ensaio já é tido como festa. A festa é carregada de significados que não consigo explicar neste curto espaço, mas há o dono da festa, o momento de caçar e pescar, batismo, pintura corporal, construção dos adornos e o preparo da comida tradicional no forno de barro, como o berarubu. Esses momentos também compõem a educação tradicional indígena, que é repassar o seu modo de vida para os mais novos manterem. Contudo, ainda é uma luta o sistema escolar brasileiro reconhecer essas festas como períodos de aprendizagem.
Pra mim, um dos momentos mais emocionantes foi a ‘apresentação’ do primeiro filho de um casal à comunidade. Pintados de jenipapo e segurando um pau da árvore buriti, o pai e parte de seus parentes meninos se apresentaram no centro da aldeia. Já a mãe com o bebê no colo e junto das outras meninas de sua família apareceram andando em fila do outro lado. Diante de etnocídios e retrocessos, me toca um rito tão antigo como esse ainda estar vivo.
Quanto mais conheço os povos indígenas, mais admiro. Só recebi carinho. Mejkumrej.
*Laura Rachid é jornalista, editora na revista Educação e há oito anos mergulha nos universos dos povos indígenas. Sua família materna é de comunidade tradicional fundo e fecho de pasto, no sertão baiano
*A repórter viajou ao Mato Grosso a convite do Funbio