NOTÍCIA
MEC cria grupo de trabalho para ouvir estudantes e profissionais da educação sobre o novo ensino médio. Enquanto isso, a divisão entre revogar ou não se mantém forte
Publicado em 17/05/2023
A. O Novo Ensino Médio tem de ser revogado por inteiro.
B. Pode-se manter o modelo atual, desde que a estrutura física das escolas seja melhorada e haja um tempo maior para a implementação.
C. O Ministério da Educação (MEC) precisa definir parâmetros para balizar a criação dos itinerários e a adequada formação de professores.
D. Deve-se aumentar, do 1º até o 3º ano, a carga horária das disciplinas do currículo tradicional.
E. Nenhuma das alternativas anteriores.
Se a reforma do ensino médio fosse uma prova de múltipla escolha, o gabarito seria facilmente contestado. Ainda bem que não é. Questões complexas exigem espaço para a discussão.
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Esse é o caso da mudança aprovada em 2017, que começou a ser posta em prática no ano passado. Entre defensores e críticos, o único consenso parece ser que ninguém quer manter o ensino médio nos moldes anteriores, com índices altos de evasão e baixos de aproveitamento.
“Nós tínhamos 13 matérias espremidas em quatro horas de aula. Acompanho o sistema educacional de praticamente todos os países com mais ou menos o mesmo nível de desenvolvimento que o Brasil, e nenhum tem menos de sete horas e mais de oito matérias. Todos têm um procedimento em que o aluno escolhe uma área de aprofundamento”, afirma Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
O modelo em vigor, no entanto, é alvo de diversas críticas, que levaram o MEC a instituir, no início de março, uma consulta pública de 90 dias para ouvir estudantes e profissionais da educação antes de tomar qualquer decisão sobre o tema. “Foi correto suspender a implementação porque eles criaram um grupo de trabalho para identificar o que deu certo e o que deu errado, e tentar estabelecer um aperfeiçoamento”, diz Claudia.
Coordenado pela Secretaria de Articulação Intersetorial e com os Sistemas de Ensino (Sase) do MEC, o grupo conta com a participação do Conselho Nacional de Educação (CNE), do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede) e do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). De acordo com a portaria, os instrumentos usados serão audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais com estudantes, professores e gestores escolares sobre a experiência de implementação. No fim do processo, a Sase tem 30 dias para entregar um relatório.
Maria Helena Guimarães de Castro, secretária executiva do Ministério da Educação (MEC) na época da reforma do ensino médio, em 2017, concorda com a pausa para verificar as dificuldades. “Acho bom que haja essa oportunidade para ouvir as diferentes partes e fazer ajustes. Tem bons exemplos em Minas, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio Grande do Sul e Ceará. Os estados têm alguns exemplos que funcionaram bem, e todo processo de implementação é complexo.”
Assim como Claudia, ela é contra a revogação. “Acho que é um retrocesso”, afirma Maria Helena. “O mundo inteiro tem ensino médio flexível. O igual para todos não estava oferecendo terminalidade para os nossos alunos. Os que se formam saem despreparados. São poucos os que vão para o ensino superior. A maioria vai para o mundo do trabalho sem competência ou habilidade para poder ter uma inserção boa.”
Dias antes da consulta pública instituída pelo ministro da Educação, Camilo Santana, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) se reuniram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo a revogação da reforma.
“Essa proposta é muito pior do que o que se tinha antigamente. E já vínhamos de um diálogo para pensar uma nova proposta porque o que tínhamos não nos atendia”, afirma Guelda Andrade, MT, secretária de Assuntos Educacionais da CNTE. “Nosso campo tem proposta. Não queremos a revogação por capricho. Temos as Diretrizes Nacionais, a Conae (Conferência Nacional de Educação) de 2018 e a Conferência Nacional Popular de Educação, que resultaram na Carta de Natal como proposta, construída de forma coletiva e plural, com representação de todo o país.”
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Em outro ponto, os especialistas são uníssonos: o MEC foi ausente durante o governo anterior, do presidente Jair Bolsonaro. “O que atrapalhou demais foi o fato de o MEC não ter dado a devida atenção. Não fez o monitoramento desses processos e o apoio aos estados, que deveria ter sido feito”, diz Maria Helena.
Guelda reforça a crítica. “Os itinerários ficam muito soltos. Aí cada estado faz de um jeito. Às vezes não sabe como fazer e vai pondo qualquer coisa”, conta a secretária da CNTE, exemplificando com disciplinas para ensinar os alunos a fazer brigadeiro e a se tornar coach. “A escola precisa ser um espaço de construção do conhecimento, para que o nosso estudante seja capaz de fazer uma leitura crítica de mundo. Ele está sendo reduzido a um treinamento mecânico, técnico. Isso é uma proposta do mercado.”
Para Claudia, o MEC deveria ter feito um programa olhando para o conjunto. “Teve rede que propôs 25 itinerários formativos, e umas avançaram numa direção mais cuidadosa, para ver como a coisa saía.” Ela lembra também do agravamento do problema pelos dois anos de pandemia. “Boa parte dos alunos sofreu com escola fechada ou em rodízio por conta da covid, com perdas importantes de aprendizagem.”
Além dos itinerários soltos demais, especialistas apontam problemas como: a falta de estrutura nas escolas (de laboratórios a acesso à internet), a ausência de formação continuada dos professores; a necessidade de criar uma logística de transporte para alunos cursarem um itinerário que não existe na escola da sua cidade; e a carga horária menor para a formação geral.
O novo ensino médio prevê uma carga horária de 3.000 horas ao longo dos três anos de estudo. Embora aumente de quatro para cinco horas de aula por dia, o modelo diminui o total das disciplinas tradicionais. Antes ocupavam o tempo total, equivalente a 2.400 horas; agora respondem por 1.800. As 1.200 restantes são matérias dos itinerários formativos. Os alunos podem escolher entre cinco campos: matemática, linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica. As escolas não são obrigadas a oferecer todas as opções.
Guelda reforça que o currículo precisa dialogar com a realidade de cada região. “É o que Paulo Freire fazia. A gente defende um projeto de ensino médio com base nos princípios freirianos, que vão olhar para esse ser humano como um todo”, explica a profissional, ressaltando que cada parte do país tem uma demanda. “Se não tiver investimento pesado, não tem como fazer educação de qualidade.”
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O Censo Escolar 2022 registrou 7,9 milhões de matrículas no ensino médio; a maior parte (84,2%) na rede estadual e 12,3% em colégios particulares. Em relação aos alunos matriculados em tempo integral na rede pública, eram 20,4% no levantamento do ano passado e 11,7% no Censo Escolar 2019. “O novo ensino médio não só põe cinco horas diárias de aula, como aponta para a educação integral. Aí 1.800 horas para a formação geral são uma parcela muito pequena. Deveria ter uma porcentagem das horas totais, para dar uma formação sólida para os alunos.”
Na consulta pública, a CNTE é uma das entidades representadas pelo Fórum Nacional de Educação. “Estaremos lá e vamos ouvir. Mas é sempre bom lembrar que este formato tem promovido uma exclusão maior. Em vários estados, por exemplo, Pernambuco e Mato Grosso, temos relatos de pegar uma escola que atendia 2.000 alunos e colocar em tempo integral com esse formato de ensino médio, e ela passou a atender 300 estudantes”, conta Guelda. “Uns precisam trabalhar, outros precisam ficar em casa para cuidar do irmão. Precisamos ter uma bolsa de permanência para esses estudantes para que possam permanecer na escola.” Ela reforça que o processo de democratização do acesso precisa estar amarrado num tripé: matrícula, permanência e qualidade da formação.
Uma das questões indefinidas preocupa alunos e professores: o novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A partir de 2024, a avaliação já deveria medir o conhecimento dos itinerários formativos. No entanto, o modelo do próximo ano segue indefinido.
“A maior dificuldade para as escolas é entender como vai ser, numa eventual mudança do Enem, a cobrança dos itinerários formativos. Porque hoje você tem 27 estados rodando com itinerários diferentes”, diz Fabrício Pires, diretor do ensino médio do Colégio Master, com duas unidades em Fortaleza e uma em Natal. “O ideal é que o Enem não fosse pautado pelo novo ensino médio, ou vice-versa. Só que o Brasil não tem vagas para todos na universidade pública, então os alunos precisam se submeter a um processo seletivo. Essa consulta aberta é importante para ouvir professores e alunos e construir itinerários bem definidos, dando ao aluno a opção de escolher uma área, mas também possibilitando a definição do Enem, de como vai ocorrer o exame.”
Maria Helena sugere que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) trabalhe para definir o Enem 2024, enquanto ocorre a consulta. “O maior problema foi o MEC não ter definido o Enem até o fim de 2021, como estava previsto na portaria e nas normas”, diz. “O Inep tem condições de começar a fazer essa discussão paralelamente à discussão do novo ensino médio ou também pode apresentar uma proposta de Enem de transição.”
Com menos aulas de disciplinas da formação geral, Guelda afirma que aumentaram as desigualdades entre as redes de ensino pública e privada. “O Enem está trazendo conhecimentos que os nossos meninos não estão vendo na escola, então é uma discrepância. Eles estão sendo prejudicados com isso”, afirma a secretária da CNTE.
Ontem, 16, foi protocolado na Câmara dos Deputados o projeto de lei 2601 de 2023, que prevê alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a revogação do modelo atual do novo ensino médio. A defesa é para um modelo diferente e que irá privilegiar a Formação Geral Básica (FGB), a colocando com 2.400 das 3.000 horas de atividades do ensino médio, além da criação do projeto Parte Diversificada que substituiria os itinerários formativos. A proposta apresentada pelo deputado Bacelar (PV-BA) e pela bancada do PSOL foi construída por um grupo de especialistas em educação, entre eles, Carlota Boto, Catarina de Almeida Santos, Daniel Cara, Elenira Vilela, Fernando Cássio, Jaqueline Moll, Monica Ribeiro da Silva, Salomão Ximenes e Sandra Regina de Oliveira Garcia.
*A matéria foi fechada antes da divulgação do PL 2601 de 2023