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Edição 285

Proteção digital: ‘terra de ninguém’ precisa de limites

Cuidado básico para proteção de dados pessoais gerados em ambiente educacional digital é deixar isso estabelecido no contrato com empresa fornecedora

Publicado em 25/05/2022

por Laura Rachid

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Não é novidade que algumas empresas de tecnologia digital, principalmente as multinacionais, estão utilizando os dados pessoais de seus usuários como bem entendem – sendo isso correto ou não. Por exemplo, hábitos de navegação na internet para identificarem o comportamento individual ou em grupo das pessoas, bem como suas preferências de comida e até posição política. É o chamado capitalismo de vigilância, com os dados da população deixados nas redes cibernéticas vendidos sem consentimento. Mas, e no mundo da educação, o que se pode fazer para proteger os dados dos alunos, educadores, gestores e colaboradores no que parece ser a ‘terra de ninguém’?


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O brasileiro Rodrigo Barbosa e Silva é Ph.D. em tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, pós-doutor pela Universidade Stanford e pesquisador associado de política pública do TLTL (Transformative Learning Technologies Lab) – laboratório da Universidade Columbia referência mundial em tecnologia na educação. Ele afirma que é importante gestores e gestoras de educação se perguntarem: o que fazer quando recebo a proposta de uma plataforma ‘supostamente gratuita’ para uso na rede? Quais devem ser os pontos de atenção? Quais as linhas de defesa que já tenho na legislação atual?

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Rodrigo Barbosa e Silva: coletar o mínimo de dados possíveis hoje entra na formação das pessoas da ciência da computação
Foto: arquivo pessoal

Segundo o especialista, a função primária da gestão pública é regular os contratos para ficarem o mais transparente possível, colocando explicitamente a privacidade como regra. No caso, secretarias de educação e direções escolares, incluindo as particulares, devem começar a se preocupar se pelo menos a garantia de privacidade e tratamento de dados em ambiente educacional estão presentes em contratos e se o tema está claro para a comunidade.

Rodrigo Barbosa e Silva também defende como fundamental a inclusão de professores da educação básica e representantes do movimento estudantil na ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), ligada ao órgão federal, que tem representante do ensino superior.

 

Vale lembrar que a prática de proteção de dados de crianças e adolescentes ainda não está consagrada na educação privada e tampouco na educação pública. A recente Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) estabelece que para menores acessarem plataformas é necessária a autorização de seus responsáveis, como pai e mãe. Segundo Rodrigo, essa medida é impraticável no ambiente escolar porque fica inviável ‘controlar’, por exemplo, cada cookie (tecnologia de rastreamento na internet) que o filho encontrar em um site na escola.

“É por isso que propomos [no laboratório de tecnologia TLTL] que os contratos públicos sejam muito explícitos e assegurem a privacidade e o não uso de dados infantis e de jovens para qualquer ação de perfilamento. E, principalmente, que esses dados não acabem nas mãos do que internacionalmente é conhecido como centros que comercializam dados das pessoas. Mesmo na Europa, que é a região do mundo que inaugurou o conceito de privacidade e direitos humanos na internet, dados das crianças acabaram nas mãos de firmas de apostas de jogos online. Isso é muito grave.”

Enquanto na União Europeia rastreamento e reconhecimento facial de crianças na escola geram multa, no Brasil o modelo ganha força. “Essa prática ajuda as empresas a treinarem seus algoritmos. O poder público não pode oferecer uma base de usuários de milhões de crianças para o treinamento e para o que vai dar lucro para entes que não estão diretamente relacionados à educação. Nosso principal conselho na gestão pública é não aceitar o acesso a uma plataforma no tipo de contrato ‘clique aqui para aceitar’ porque vai beneficiar a empresa que está fornecendo a plataforma e a gestão pública deve estabelecer quais são os requisitos, o fornecimento mesmo em plataforma gratuita.”

Ele explica que as secretarias de educação não podem ficar sozinhas nesse processo, necessitando do auxílio de órgãos como o Tribunal de Contas da União, Tribunais de Contas dos Estados, Ministério Público, dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica), Observatórios Sociais, Movimentos de Softwares Livres e universidades.

Outro ponto de destaque entre especialistas é que o Brasil seja protagonista na criação de tecnologias que ‘conversem’ com a tradição social do país. “Hoje, na maioria, as plataformas são condizentes com a tradição social norte-americana, que tem valores diferentes da sociedade brasileira, apesar de muitas vezes serem comuns, mas há pontos conflitantes. As plataformas sim, pela vantagem tecnológica e econômica, pelo aspecto popular em termos de uso, têm vantagem perante a regulação e perante o governo. Isso não vai eximir o órgão, enquanto contratante, e aqui estamos falando que quando se é contratante de um serviço, principalmente no Brasil, o governo é um contratante muito forte, ele pode estabelecer as condições de contratação.”

Importante ressaltar que Rodrigo é um defensor da tecnologia na educação, mas quando é empregada a favor do aprendizado. “A única garantia que hoje essas plataformas comerciais podem oferecer é auditoria de contrato. É preciso garantia de que os dados não estarão nas mãos de terceiros, sendo utilizados somente para dar retorno, feedback ao estudante sobre seu desempenho escolar. E que os dados não serão, em caso de venda da empresa, utilizados pela empresa que a comprou de outra forma não prevista no contrato. Então, a única forma em tecnologias comerciais e fechadas de ter essa garantia é contratual. É uma relação de vontade entre entidades privadas que pode ser a família, escola e a plataforma.”


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Otimismo

Na Universidade Stanford, EUA, antes de 2018, ética não era a primeira preocupação de projetos tecnológicos, lembra Rodrigo Barbosa e Silva. Até que a instituição criou naquele ano um centro de estudos chamado HAI (Human-Centered Artificial Intelligence, traduzido como experiência artificial centrada em humanos) e criou a disciplina que na época se chamava ética, política pública e computadores, hoje a mais popular entre os cursos de graduação.

“Antes, a pessoa era treinada para coletar o máximo possível de dados, mesmo não sabendo o que seria feito com eles. Hoje isso mudou. Os departamentos de ciência da computação no mundo têm debatido: será que é assim que devemos prover educação para as tecno­logias? Atualmente, a ideia de que se deve fazer coleta mínima de dados já entra na formação das pessoas da ciência da computação e a importância de se garantir a privacidade e proteção individual também entra no centro dos projetos.”

Rodrigo critica que em 2022 o Brasil ainda discute como prover internet nas escolas públicas enquanto isso já deveria estar superado e alerta que estudar pelo celular não dá certo. “Então, ao lado da discussão de como trazer internet para todas as crianças, precisamos fornecer computador, que faça parte do material escolar básico. É necessário equipamento com tela adequada, e com mouse.”

Escute nosso podcast:

Autor

Laura Rachid


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