NOTÍCIA
Sistemas de educação também têm seu papel no enfrentamento das mudanças climáticas; tema deve ser abordado em todas as séries e levar em conta que as alterações no meio ambiente já fazem parte da rotina
Publicado em 18/04/2022
Nos últimos 200 anos, a humanidade transformou o mundo de muitas formas. Muitas vezes para melhor, no entanto, nem sempre essas transformações deixam um legado de benefícios para o futuro. As indústrias, os motores, navios, caminhões, aviões e tudo o que ajudou a tornar a vida mais confortável também deixam um rastro de destruição, principalmente no meio ambiente. Problemas que já afetam o presente e que prometem ser ainda mais graves no futuro.
Há muita diversidade na poluição que a sociedade industrial está deixando sobre a Terra. Algumas das externalidades mais graves são as provocadas pelas alterações no clima do planeta. Dois dos principais causadores dessas mudanças, o CO2 e o metano, permanecem na atmosfera respectivamente 800 anos e 100 anos. Ou seja, o problema vai cair no colo de pessoas que, ou são ainda muito jovens, ou ainda nem nasceram.
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Como fazer para preparar essas pessoas do futuro para enfrentar a herança maldita que estamos deixando? Apesar da complexidade da questão, a resposta é relativamente simples: envolvendo os sistemas de educação para ajudar na construção de habilidades profissionais que hoje são campo de especialistas. No futuro, qualquer profissional deve entender qual a relação entre sua atividade e a mitigação de problemas climáticos e suas consequências.
Desde os anos 60/70, cientistas e ativistas ambientais alertam sobre a existência das mudanças climáticas e seus impactos. Uma das primeiras reações foi a assinatura do Protocolo de Quioto, em 1997, quando 141 representantes de 175 países se comprometeram em reduzir suas emissões de carbono. O Protocolo do Quioto entrou em vigor em 2004, quando foi assinado pela Rússia. Com isso se completou um grupo de países responsáveis por mais da metade das emissões globais de CO2.
Até aquele momento o importante era conseguir a conscientização de cientistas e governantes sobre os perigos das mudanças climáticas a longo prazo. O mundo deveria manter o clima com aumento médio de até 1,5 Cº sobre as temperaturas médias anteriores à Revolução Industrial do século 19. Mais do que isso significa transformações no clima global, com mais furacões e tufões, mais chuvas concentradas, mais secas prolongadas e mais perdas de vidas, aumento dos fluxos de refugiados expulsos de suas terras por causa das secas e enchentes.
O alerta, 20 anos depois, não é mais sobre o futuro, explica o pesquisador e ativista Carlos Ritll, que durante mais de seis anos foi secretário executivo do Observatório do Clima no Brasil.
“Os efeitos das mudanças no clima já batem às nossas portas com a violência de tempestades e enchentes”, alerta o pesquisador.
Carlos cita os recentes eventos extremos com tempestades e inundações, na Bahia, em Minas Gerais e na região serrana do Rio de Janeiro como exemplos de que não se trata mais de eventos futuros, mas sim de uma emergência climática imediata. A esses eventos podem-se alinhar ainda as severas secas no Rio Grande do Sul, que vêm piorando ano a ano e o aumento de queimadas por todo o país, em especial em regiões do Pantanal e da Amazônia.
Durante muito tempo negacionistas do clima afirmaram que a humanidade não é parte do problema climático e mesmo depois de 26 COPs (conferências internacionais) sobre o tema ainda há quem diga isso. Segundo Rittl “a questão não é mais se as alterações no clima são causadas pelas atividades humanas ou não, esse é um debate superado”. Para ele o importante é que os países, governos locais e as sociedades ao redor do mundo se preparem para enfrentar os eventos extremos e sigam eliminando o uso intensivo de combustíveis fósseis e outras atividades que despejam gases estufa na atmosfera.
Esse é um compromisso intergeracional, que deve ser assumido pela geração presente, mas que impõe deveres para as próximas gerações, que hoje estão nos bancos escolares.
O deputado Carlos Veras, do PT de Pernambuco, apresentou no final de 2021 um projeto de lei que inclui o tema mudanças climáticas nos currículos escolares através da alteração na lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, que passaria a vigorar com a seguinte redação: “Conteúdos relativos aos direitos humanos, às mudanças climáticas e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança, o adolescente e a mulher serão incluídos, como temas transversais, nos currículos com a produção e distribuição de material didático adequado a cada nível de ensino”.
Essa mudança na lei, que ainda não foi aprovada na Câmara dos Deputados, pode oferecer a base legal para que o Ministério da Educação passe a criar os instrumentos necessários para preparar as escolas e os professores nessa abordagem interdisciplinar. Mas, aqui, vale lembrar que os outros itens constantes no parágrafo citado da LDB, apesar de já constarem da lei, ainda patinam em sua oferta universal aos estudantes.
A educadora ambiental Mônica Pilz Borba, fundadora do Instituto 5 Elementos, em São Paulo, concorda com essa linha de ação. Para ela a educação ambiental deve ser muito mais abrangente e trabalhar o conhecimento sobre os limites do planeta de forma transversal nos processos de educação. “É preciso mostrar que há uma relação entre os limites do planeta e todos os temas do conhecimento”, explica.
E aponta a urgência de preparar as novas gerações para que atuem de forma efetiva na solução dos problemas ambientais presentes em todos os biomas terrestres.
“Não podemos simplesmente ignorar que estamos deixando problemas graves que terão de ser resolvidos no futuro”, diz.
Mônica defende que também devemos oferecer instrumentos e conhecimentos que permitam que os adultos de amanhã saibam o que estarão enfrentando e tenham uma visão multidisciplinar dos problemas.
A educadora, que já foi gestora da UMAPAZ – Universidade Aberta do Meio Ambiente, ligada à prefeitura de São Paulo, acredita que as organizações da sociedade civil que já atuam com a pauta ambiental e da educação ambiental podem ter um papel importante na criação de materiais e na capacitação de professores para ampliar a oferta dos conhecimentos necessários para levar essa pauta às salas de aulas das diversas séries. “Há muito conhecimento espalhado entre organizações sociais, academia e professores, é preciso sistematizar a oferta dessas informações para torná-las acessíveis aos planos de aulas”, explica.
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O professor Pedro Jacobi, titular da Faculdade de Educação da USP e professor do Procam – Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, também da USP, reforça que o problema climático não será resolvido em pouco tempo ou pela atual geração de adultos. Para ele, compreender que essa é uma responsabilidade intergeracional é fundamental para o enfrentamento da emergência climática a longo prazo. “Precisamos preparar os jovens para que se tornem adultos e profissionais conscientes de que o problema existe e precisa ser enfrentado em múltiplas frentes”, diz. Isso significa que profissionais de todas as áreas do conhecimento têm de atuar na adaptação e enfrentamento da crise climática.
Especialistas concordam que o sistema educacional tem um papel estruturante no combate a longo prazo das mudanças climáticas e no enfrentamento de suas consequências.
“É preciso que o conhecimento sobre os sistemas climáticos e os problemas causados pelo aquecimento global sejam progressivamente conhecidos desde as primeiras séries do ensino fundamental até a formação nas universidades”, explica o professor, que vê nessa abordagem a ampliação da capacidade de resposta a longo prazo.
Jacobi já escreveu vários artigos sobre a necessidade de se abordar problemas ambientais e climáticos nas séries dos ensinos fundamental e médio e, para isso, reforça que é necessário apoiar os professores com materiais didáticos e conteúdos que ajudem a construir os novos conhecimentos necessários nas salas de aula. “A formação dos docentes deve ser continuada, assim como o avanço dos conhecimentos sobre os problemas climáticos e ambientais”, diz. Ele reforça a importância do jornalismo na qualificação do diálogo multidisciplinar necessário para que o conhecimento em sala de aula tenha um caráter transversal e não fique restrito a uma caixinha de “educação ambiental”.
O clima na Terra sempre passou por mudanças. A diferença agora é que essas mudanças estão muito aceleradas e os cientistas acreditam que as atividades humanas, principalmente o uso de combustíveis fósseis como o carvão mineral e o petróleo, estão no centro do problema. A queima desses combustíveis emite CO2 na atmosfera, o que forma uma espécie de cobertor de gases na atmosfera, impedindo que o excesso de calor se dissipe no espaço.
O desmatamento de florestas também pode liberar dióxido de carbono. Aterros para lixo são uma das principais fontes de emissões de metano, outro gás que provoca o efeito estufa. Energia, indústria, transporte, edificações, agricultura e uso da terra estão entre os principais causadores das mudanças climáticas. No entanto, estas são as atividades que oferecem conforto à nossa moderna civilização tecnológica.
Em um relatório da ONU de 2018, milhares de cientistas e analistas de governos, reunidos em um painel internacional, concordaram que limitar o aumento da temperatura global a não mais que 1,5 °C ajudaria a sociedade a evitar os piores impactos climáticos e a manter um clima habitável. No caminho atual é possível chegar a um aumento médio da temperatura de 4,4 Cº, o que seria uma catástrofe em termos de enchentes, furacões, secas e elevação do nível do mar.
Para conseguir mudar o cenário futuro é importante que os conhecimentos específicos sobre as mudanças climáticas sejam apresentados aos estudantes de forma objetiva e criando condições para que possam atuar na profissão que escolham no futuro.
*Dal Marcondes é jornalista especializado em meio ambiente e desenvolvimento sustentável há 27 anos