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Em entrevista, coordenador de projetos educacionais no Senac São Paulo fala sobre a importância da leitura e escrita em tempos digitais e os desafios dos livros na relação do aluno com o vestibular
Publicado em 21/10/2021
A 6ª Semana Senac de Leitura tem como tema as Novas formas de leitura no ambiente digital. O objetivo é reforçar a relevância da literatura e escrita, refletindo as diversas atividades e programas realizados no decorrer do ano em suas unidades educacionais. Será de 25 a 30 de outubro, online e gratuita. Clique aqui para se inscrever e conferir a programação completa.
No último dia, o tema será: Ouvir, jogar, ver e sentir: formas de experimentar uma história, que falará como osmeios digitais ampliam as formas de se experimentar as histórias em diferentes linguagens e ferramentas. Por meio de podcasts, séries, documentários, jogos e atividades imersivas, as pessoas experimentarão novos contatos com enredos e personagens. Será discutido como os artistas planejam a construção de histórias e suas narrativas em meios digitais, e quais são os principais elementos que precisam estar presentes para atrair a atenção do público.
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Em entrevista com Heitor Augusto Santos Botan, jornalista e coordenador de projetos educacionais no Senac São Paulo, ele reflete sobre a importância da literatura na problematização das experiências e dos conflitos emocionais para os jovens, sobre a conexão entre os gêneros literários e a criatividade, como a reforma do novo ensino médio pode contribuir para o incentivo à leitura, entre outros pontos.
Confira a entrevista.
A leitura literária permite o encontro e tomada de perspectiva pelo qual entramos na imaginação, no sentimento e nos pensamentos dos personagens de maneira empática. Esse processo de “transportar-se” para outras realidades, ficcionais ou reais, permite uma mudança emocional e intelectual aos leitores. Portanto, é possível destacar a capacidade dos livros em nos ajudar a compreender a perspectiva dos outros como um antídoto contra os temores e preconceitos que muitos podem abrigar, mesmo sem perceber.
As práticas escolares de abordagem do texto literário estão submetidas, geralmente, às especificidades objetivas delimitadas pelos exames como Enem e vestibulares, e, portanto, não possuem natureza de formação de leitores, e sim finalidade classificatória e seletiva, para ingresso em instituições de ensino superior. Essa situação desconsidera a natureza subjetiva da leitura e busca confirmar perspectivas objetivas do texto, independentemente das relações sociais, culturais e políticas que podem ser despertadas pela literatura.
A leitura literária como prática social efetiva para a formação de leitores não é realizada para que se analise o texto com a finalidade de conferir o domínio de certos conhecimentos, capacidades ou habilidades. O vestibular não tem o papel de formar leitores nos mesmos parâmetros que o processo educacional da educação básica. Nesse sentido, é necessário buscar demais condições para que a leitura literária contribua para a compreensão do mundo e de si mesmo.
Para que a leitura exigida nos vestibulares avance para uma efetiva prática social de formação de leitores, é preciso que ela se estenda para além da necessidade de se confirmar os aspectos e limites exigidos pela prova, o que dá aos alunos a sensação de “obrigação de ler” e impedem os professores, e toda a equipe escolar, a cultivar a leitura por prazer.
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A listagem de livros de literatura previstos nos principais vestibulares pretende justificar os estudos voltados à linha cronológica das manifestações literárias em língua portuguesa, considerando as particularidades de produção em cada país de origem, seja Brasil, Portugal, Moçambique ou Angola, por exemplo. Em geral, as provas tendem a enfatizar a leitura de trechos e fragmentos isolados, que, portanto, não demandam uma apropriação das complexidades dos textos literários ou das subjetividades do leitor.
A preparação para os vestibulares exige que os alunos, sob pressão dos exames, cumpram um programa de leituras e atendam expectativas quanto aos conteúdos mínimos, com requisitos, objetivos, parâmetros e finalidades próprias em cada prova.
Nesse sentido, a equipe escolar (incluindo professores, coordenadores pedagógicos e bibliotecários) precisa planejar situações de aprendizagem condizentes aos interesses e às realidades dos alunos. Isso pode acontecer, por exemplo, ao abordar acontecimentos narrados nos livros a partir de temas da atualidade e explorar as subjetividades de cada leitor sobre as obras lidas, em mediações que permitam aos alunos apropriar-se mais plenamente dos textos. Por exemplo, pode se abordar a falta de representatividade feminina e negra nas listas de leitura obrigatória, associadas a movimentos recentes como o #BlackLivesMatter e o Time’s Up.
As pesquisas em neurociências indicam que adotar uma perspectiva empática, durante o processo de leitura literária, representa um misto de processos cognitivos, sociais e emocionais que deixa marcas fortes nos circuitos do cérebro do leitor.
Esse processo é ampliado a partir do compartilhamento e mediação da leitura em grupo, quando a troca de impressões subjetivas permite se apropriar mais plenamente dos textos, aproximando a literatura do horizonte de interesses e possibilidades. Neste sentido, o livro e o texto literário deixam de ser um objeto descritivo a partir de respostas “certas” e “erradas” e os leitores se aproximam ainda mais do escrito.
Os alunos do ensino médio técnico do Senac, por exemplo, criaram no Instagram do Senac Nações Unidas o projeto “Quartas literárias”, em que alunos, professores e demais funcionários compartilham impressões sobre os livros, estimulando o diálogo e a possibilidade de ocupar empaticamente não apenas o lugar dos personagens daquela narrativa, mas também de seus colegas de curso e pessoas que convivem com si no ambiente escolar.
A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) do ensino médio prevê que a literatura seja explorada possibilitando a ampliação de visão de mundo e de repertório, considerando a diversidade cultural, abrangendo produções e formas de expressão diversas. Há o estímulo para que obras da tradição literária brasileira e portuguesa sejam exploradas em conjunto com literatura africana, afro-brasileira, indígena, contemporânea e marginal. A intenção é possibilitar, por exemplo, a compreensão do imaginário e das formas de sensibilidade de uma determinada época ou contexto de criação, e como elas se refletem na atualidade, no contexto real dos alunos, o que estimula a criação de potencialidades e experimentações do uso da língua e de seus múltiplos arranjos.
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