NOTÍCIA
Embasados na neurociência, linguística, pedagogia e BNCC, programas de educação bilíngue e soluções de idioma mostram às escolas que o ensino e aprendizagem devem ir além da gramática
Publicado em 14/04/2021
Em 2025, o inglês entrará, de forma opcional, na principal avaliação educacional do mundo, o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). A expectativa é que no futuro outras línguas também sejam inclusas. Com essa abertura, Andreas Schleicher, diretor de educação e competências da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), organizadora da avaliação mundial, defende o inglês como uma importante ferramenta de cooperação global e compreensão intercultural.
Contudo, apenas 5% dos brasileiros sabem o básico de inglês e menos de 1% são fluentes, segundo levantamento da British Council. Especialistas das principais empresas que oferecem educação bilíngue e soluções de inglês para as escolas de ensino básico ouvidos nesta reportagem concordam que há um consenso em relação ao “jargão” de que o inglês convencional aprendido na escola é raso, aquele que o aluno não aprende.
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Em seus programas, a proposta pedagógica busca reverter essa percepção e, claro, fazer os alunos dominarem a língua. Para isso, não focam apenas na gramática, mas também em competências, habilidades e nas relações. A ideia é fugir de uma aprendizagem engessada. Possuem, em sua maioria, material próprio e alinhado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), apoio à formação docente, feedback e acompanhamento mensal e alguns até semanais. Todas as propostas têm fundamento, são baseadas em áreas como pedagogia, linguística e neurociência.
É importante enfatizar que o inglês como ensino obrigatório na educação básica passou a ser realidade com a BNCC, e isso a partir do 6º ano do fundamental. O documento, inclusive, dialoga com o posicionamento da OCDE ao colocá-lo, por exemplo, não mais como língua estrangeira, mas como língua franca, no caso, necessária para o mundo dito como globalizado.
“A BNCC propõe uma leitura ampla no que tange a língua estrangeira e indica uma abordagem mais por fenômenos comunicativos, preocupada com habilidades e não apenas conhecimentos estruturados de aspectos linguísticos em que se aprende por partes. Isso é importante porque também precisamos quebrar a crença de que existe a necessidade de estudar exaustivamente pontos gramaticais e estruturas sequenciais”, explica Vinicius Nobre, diretor de educação do CNA.
O CNA na Escola está alinhado à Base ao trabalhar a língua de maneira comunicativa para oferecer uma imersão ao aluno. É importante destacar que não transforma a instituição em bilíngue, uma vez que as disciplinas como matemática, história e português continuam sendo dadas em português. A empresa, fundada em 1973, passa a dar aula de inglês com os seus diferenciais e expertises. Contudo, entre as propostas há atividades que trabalham com ciências e pensamento lógico, por exemplo, para o aluno utilizar o inglês dentro de temas escolares.
Na plataforma CNA 360, a parceria com a Disney possibilita que alguns personagens estejam presentes na aprendizagem dos pequenos. Para os mais velhos há jogos e outros recursos. Na pandemia, a migração para aulas síncronas foi positiva. Segundo o diretor de educação do CNA, a empresa chegou a fechar novas parcerias nesse tempo e um dos motivos, para ele, foi o rápido e eficaz retorno da plataforma, mas que só foi possível pela intensa formação docente.
No programa oferecido pela rede de idiomas Cel.Lep, nascida em 1967, o inglês também faz parte da grade curricular, compondo carga horária cujo tempo vai da proposta pedagógica de cada instituição. Nessa parceria, o professor continua sendo o da escola, o Cel.Lep faz a consultoria pedagógica e diretores já se envolvem desde o processo.
Inara Couto é gerente de desenvolvimento de cursos sênior no Cel.Lep. Está na empresa há 43 anos e destaca que, desde a sua criação, o propósito continua sendo o de fazer o aluno brasileiro se comunicar com autonomia, enquanto a equipe fica sempre atenta sobre as descobertas em relação ao desenvolvimento de uma segunda língua.
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O primeiro passo para dominar um idioma, segundo Silvia Fiorese, diretora acadêmica do Cel.Lep, é ter princípios sólidos que permeiam conceitos para trabalhar as linguagens.
“O DNA Cel.Lep é criar vínculo. Quando a gente fala das nossas soluções não é só material. É como diz Paulo Freire: relação não está só no objetivo de ensino, mas no sujeito da aprendizagem”, explica Fiorese.
Há alinhamento com a BNCC não só no desenvolvimento de competências linguísticas, mas na aplicação de conceitos de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. O inglês é enxergado como competência e não como matéria. “Para muitas escolas, isso tem sido um desafio e tanto. A consultoria é um meio para que a gente consiga, na práxis, realizar nossa proposta pedagógica”, acrescenta Silvia Fiorese.
O Cel.Lep não faz um trabalho bilíngue na escola, ele aprofunda o idioma. “Os componentes curriculares de outras matérias servem de pano de fundo para o aluno desenvolver a língua”, conta Inara Couto.
Ulisses Cardinot, CEO e fundador da International School, orgulha-se ao falar sobre o crescimento da empresa que transforma a escola em bilíngue. Lançada em 2009, sete anos depois seus serviços chegavam a 8 mil alunos, em 2017 foi para 20 mil, 2019 atingiu 100 mil e ano passado quase 120 mil estudantes da educação básica. Para ele, os principais diferenciais oferecidos estão na proposta de trabalhar um cidadão global juntamente aos pilares da Unesco, habilidades socioemocionais como empatia, discutir bullying e demais temas que olham a diferença. Tudo isso por meio de metodologias ativas e ensinado em inglês.
A International School utiliza lego como ferramenta de ensino cujo processo é conectado ao currículo. Há ainda parceria com a MineCraft para atividades com o fundamental 2. Já para o ensino médio, projetos de alunos são selecionados e os melhores passam 15 dias no Kennedy Space Center, núcleo de educação da Nasa, aprendendo matemática e ciências, além de treinar o inglês. Também há games adaptados para cada faixa etária.
Sobre a implantação do programa nas escolas, o CEO diz: “acho que a grande receita do projeto é que você não precisa demitir o professor que você tem, você não precisa mudar o sistema de ensino que você tem, você não precisa mudar a sua metodologia. O nosso programa conecta a qualquer metodologia. O que você vai precisar é contratar um professor de inglês ou aproveitar o que você tem desde que ele passe nos nossos testes de qualidade. Então você vai ter esse professor, montar a sua estrutura e fazer uma grade”.
A International School adota a abordagem CLIL, sigla em inglês que pode ser entendida como Aprendizagem Integrada de Conteúdos. Segundo Cardinot, a marca criou um conceito que também aplica a aprendizagem baseada em projetos. “Nós construímos uma ideia de ensino bilíngue conectado aos RNC [Referencial Curricular Nacional] PCNs [Parâmetros Curriculares Nacionais], na época não se falava em BNCC, olhando tanto esses RNC e PCNs com a faixa etária do aluno e tendo noção do que estará aprendendo e trazendo o inglês também para esse processo. É um projeto que oferece algo diferente, lúdico, saídas pedagógicas, fazendo atividades diferentes para o inglês ser algo atrativo”, destaca.
O CEO gosta de surpreender. Tanto que no evento online da International School de 2020 para educadores, a ativista paquistanesa Malala Yousafzai foi uma das palestrantes.
“Deu frio na barriga, estava entrevistando um Prêmio Nobel. Ela fala muito que um lápis, um caderno e uma criança podem mudar o mundo. Essa frase é impactante e eu acredito muito nesse poder de transformação da educação”, enfatiza Ulisses Cardinot.
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O programa bilíngue Edify possui alternativas para as escolas, que vai desde um serviço mais simples a um arrojado. É possível ofertar 2 horas, 3 horas semanais, como 5 e até 10 horas semanais. A saber, a coleção de livros didáticos New magic minds!, da editora Learning Factory e que faz parte de um dos pacotes do Edify voltado a metodologias ativas, venceu o internacional ELTons Innovation Awards 2020, considerado o “Nobel dos livros didáticos” na categoria excelência em inovação. Já a plataforma de ensino é 100% gamificada e trabalha programação e pensamento computacional desde o 3º ano do fundamental.
Para que a aprendizagem seja cada vez mais efetiva, o programa tem focado em personalizar. “Quando a gente inicia uma implementação, sabemos que há desnível entre alunos, é natural, assim como em matemática, português. Mas conseguimos medir isso, o que para nós é o grande futuro. Primeiro passo é a personalização do aprendizado: mensurar o que o aluno aprendeu, flexibilizar e personalizar”, conta Marina Dalbem, CEO do Edify. Em 2019, o Edify fez parceria com uma consultoria inglesa que ajudou na formulação de seu próprio teste de mensuração da escrita e oralidade dos alunos.
Falando de lei atual, o programa também está apoiando as escolas com o novo ensino médio, por exemplo, com trilhas e itinerários formativos em inglês de negócios, empreendedorismo e até psicologia. “Dependendo do que a escola quer criar de eixo e itinerário a gente consegue fazer uma composição e construir em inglês. Estamos com quatro escolas rodando e cada uma com um modelo diferente. A gente entende o perfil dos alunos para garantir que eles consigam fechar turmas e sejam bem-sucedidos do ponto de vista de não ter turma muito cheia ou vazia e montamos para cada uma um itinerário formativo diferente”, revela Dalbem.
Das empresas escutadas, todas mostram-se dispostas a uma parceria com as secretarias de educação para levar seus programas às escolas públicas. Mas apenas o Edify relatou experiência público-privada. Foi em 2018, com a Secretaria Municipal do Rio de Janeiro.
“O objetivo era reforçar o inglês e adotamos 10 escolas da prefeitura por uns sete, oito anos. Conseguimos formar turma que começou da educação infantil até o 5º ano fazendo 10 horas de inglês semanais. A gente tem certeza de que é viável fazer isso na escola pública”, afirma Marina Dalbem.
A CEO acrescenta: “Precisa de foco e garantir que consigamos formar esses professores. Agora estamos nos estruturando para ter uma área focada só em setor público. Sabemos que o verdadeiro impacto é atingir o ensino público, porque, se não estivermos nele, fechamos os olhos para a realidade do Brasil”.
1.800 professores foram formados nessa parceria com a prefeitura do Rio. Todos os alunos do 5º ano chegaram a fazer o exame de Cambridge e na época, segundo a CEO, havia taxa de sucesso. A rede toda foi abraçada, sendo que das 1.500 escolas, 10 tiveram todo o material e a formação que as escolas particulares têm. Já as outras 1.490 possuíam dois tempos semanais. “Esse projeto surgiu quando o Rio de Janeiro ia receber as Olimpíadas. O material era muito relacionado aos esportes olímpicos. Nosso sonho é voltar a fazer esse tipo de coisa. Temos vontade de conversar e entender o desafio de cada município”, afirma Marina Dalbem.
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Criado em 2002 em Maceió, Alagoas, pelas irmãs Vanessa Tenório e Fátima Tenório, o Systemic Bilingual é um dos primeiros programas de educação bilíngue do país. Ele integra conteúdo com a língua inglesa, sendo que esse conteúdo também pode ser de várias disciplinas e competências. “É muito mais abrangente e demanda mais do professor do que simplesmente trabalhar com ensaio e prática de repetição de determinada estrutura. A nuance é você conseguir gerar interações produtivas, o professor provocar o aluno para ele querer falar sobre o assunto, querer se envolver”, detalha Vanessa Tenório, desenvolvedora e sócia do Systemic.
Ao explicar a metodologia, Tenório busca esclarecer também a diferença entre uma aula de língua engessada e outra que integra o idioma com diferentes conteúdos. Nessa última, a proposta é que o aluno desenvolva o idioma sem nem perceber, de forma quase espontânea.
“A gente usa a visão epistêmica da língua que é usar a língua para construir outras coisas. É um processo cerebral, neural. Usamos isso para o indivíduo adquirir outras competências como pensamento crítico, colaboração, comunicação e, claro, conteúdos”, explica Vanessa Tenório.
Oferecido pelo Grupo Santillana, o programa bilíngue Educate by Richmond chegou em 2017 e foi criado especialmente para o país, respeitando as diversas realidades das escolas e alunos. “Um dos nossos maiores diferenciais é o olhar amplo que temos para a escola como um todo, e não só na frente de ensino de inglês. Além disso, temos a questão da flexibilidade que damos para a escola implementar nosso programa a partir do seu momento e do seu posicionamento no mercado, adequando as necessidades de acordo com a comunidade escolar particular dela.
Um outro grande diferencial de Educate são as evidências de aprendizagem. Ao longo de todo o programa, há diferentes propostas de projetos, aulas de teatro, culinária, experiência maker e digital. Também oferecemos dupla certificação no ensino médio, em parceria com Advantages School International, válida em todo o território dos Estados Unidos”, explica Sandra Possas, diretora executiva da Richmond.
Educate possui também cinco bases estruturantes: CLIL, que como já dito, integra áreas do conhecimento, ensino híbrido que dialoga com ferramentas e estratégias de aprendizagem presencial e virtual, aprendizagem por meio de vivências e atividades colaborativas.
“Também trabalhamos as competências do século 21, que buscam a formação integral do aluno e a aprendizagem baseada em projetos. A partir de temas atuais e/ou projetos sugeridos pelos próprios alunos, são desenvolvidas questões socioemocionais como empatia, cooperação e respeito, entre outras”, pontua Sandra Possas.
O mercado de educação bilíngue cresceu, de 2014 a 2019, 10%, revela a Associação Brasileira do Ensino Bilíngue (Abebi). Tal crescimento deu notoriedade ao setor. Tanto que, finalmente, esse tipo de ensino foi pauta no Conselho Nacional de Educação (CNE) e, em julho do passado, o Conselho aprovou as Diretrizes Nacionais para a Educação Plurilíngue no Brasil, faltando agora sua homologação pelo MEC. No documento estão inclusos a educação indígena, educação de surdos, educação em regiões de fronteiras e bilinguismo e plurilinguismo.
A resolução que define as diretrizes diz que, para ser considerada bilíngue, a escola precisa ter projeto pedagógico bilíngue na educação infantil, fundamental e médio, sendo que a implantação pode ser feita gradativamente. “As escolas que não ofertem currículo bilíngue em todas as etapas de ensino devem comunicar essa escolha à comunidade escolar e, em decorrência, não podem utilizar a denominação de escola bilíngue”, pontua um trecho.
Para alguns especialistas, o ponto positivo, diante do contexto da reportagem, é a definição do que é educação bilíngue, uma vez que não havia uma legislação e as próprias escolas e programas acabavam sem orientações oficiais sobre as diferenças entre educação bilíngue, escola de idioma e escola internacional.
Vinicius Nobre, diretor de educação do CNA, afirma que o documento coloca regras importantes, “mas é preciso garantir na prática que a sociedade civil compreenda o que é ser bilíngue e qual a importância de ter educação bilíngue ou não”.
Sobre os professores que irão atuar com educação bilíngue, há a exigência de ter comprovação de proficiência de nível mínimo B2 no Common European Framework for Languages (CEFR). Vanessa Tenório, sócia do Systemic Bilingual, questiona esse pré-requisito. “O B2 se refere ao modelo que a Europa define como fluência e domínio da língua. São seis níveis e isso foi muito criticado por professores de linguística, porque é uma referência europeia e teria que ser brasileira, mas ainda não temos, precisamos definir uma. Contudo, qual a referência usada é discutível, mas acho que a gente precisa de professores que invistam e sejam valorizados em seu desenvolvimento para construir conhecimento no aluno.”
Indagada sobre o que falta para aprimorar a formação inicial e continuada desses profissionais, Sandra Possa, da Richmond, diz: “em primeiro lugar uma clara definição dos objetivos e necessidades dos cursos de licenciatura em letras, voltada para as necessidades dos diferentes segmentos do mercado, antenada com as demandas da vida real. Além disso, reais oportunidades de desenvolvimento contínuo para professores nas universidades públicas, voltadas para a prática docente”.
Ulisses Cardinot, CEO da International School, também alerta que falta incentivo financeiro e na formação do professor de inglês, principalmente ao falar de educação pública e que o governo precisa investir. “As particulares estão entendendo que ‘é preciso ter na escola’, mas a escola pública está muito atrás. E sabemos que não é só adotar o material bilíngue, é realmente ter esse profissional que faz diferença em sala de aula. Então acho que existe um desafio muito grande para a educação pública. E para sairmos do pequeno percentual de fluentes no Brasil, isso passa exclusivamente pela educação pública.”
Competência linguística docente é apontada por Silvia Fiorese, do Cel.Lep, como um dos principais desafios. “Professor tem que conhecer linguagem”, diz a diretora acadêmica. Nesse processo de lapidação, ela enxerga que a Base Nacional Comum Curricular veio para apoiar.
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