NOTÍCIA
Abertura do Grande Encontro da Educação contou com provocações do educador português, Cláudia Passos e Ailton Krenak
Publicado em 25/08/2020
A instituição escola foi muito criticada pelo educador português José Pacheco, pela arquiteta e urbanista Cláudia Passos e pela liderança indígena Ailton Krenak, durante o painel Uma nova sociedade: como construir o humanismo do amanhã, que abriu o Grande Encontro da Educação 2020, ontem, 24. O evento é gratuito e acontece até esta quinta, 27 (clique aqui para saber mais).
João Jonas Veiga Sobral, educador de língua portuguesa e colunista da Educação mediou o painel e iniciou falando de um momento do filme Dersu Uzala, de 1975, dirigido por Akira Kurosawa, em que um homem da cidade e um camponês se protegem de uma tempestade em uma cabana que encontram pelo caminho com direito a lareira e comida. Fim da tempestade o homem da cidade diz: ‘vamos embora. Já acabou a tempestade’. Só que o camponês diz que não, pois tinham que buscar madeira, frutas secas e deixar a cabana em condições que a encontraram. “Vou usar dessa cena como uma parábola contemporânea…para saber se faz sentido uma construção de um amanhã mais humano?”, indagou João Jonas.
Leia: Entenda o que é uma educação antirracista e como construí-la
Cláudia Passos respondeu: “Todo o processo de racionalidade, escassez e consumo se consolida na escola, porque a escola vem com uma racionalidade da revolução industrial que consolidou o sistema capitalista. Reverter esse quadro demanda não só deixar a casa pronta para o próximo, mas a gente precisa pensar que temos que recompor aquilo que foi retirado”, defendeu. Passos também afirmou que “não basta falar só em sustentabilidade. E as escolas não tratam esse tema. É raro os educadores terem uma leitura dessa necessidade de regeneração do sistema. Porque o futuro só vai existir se a gente perceber que o futuro é agora…com um redesenho que parte do coletivo, território e a partir daí desenvolve ações regenerativas para que a gente tenha não só a cabana, mas todo o seu entorno de vida”.
Já José Pacheco disse:
“eu ouço falar muito de educar para a cidadania. Não é. É educar no exercício desse princípio de que individualmente sou responsável pelo meu coletivo. Minha liberdade começa onde começa a liberdade do outro. Questão de solidariedade, empatia. Competências do século 21, pelo menos na teoria”.
O educador português também destacou que é preciso que se compreenda que estamos a caminho da educação 5.0, em que o foco da discussão não é mais o aluno sendo o centro, o protagonista. “O importante agora é o paradigma da comunicação, uma escola integrada à comunidade e não apertada à realidade. Temos que pensar em Lauro de Oliveira Lima quando propõe a escola da comunidade. Temos que pensar em Paulo Freire que dizia que se aprende na intersubjetividade e não no indivíduo. Então o que temos para fazer foi aquilo que intuitivamente nós fizemos há 40 anos [na Escola da Ponte]”.
Pacheco também criticou os modelos tradicionais que a instituição escola se baseia e defendeu uma nova educação pautada na coletividade. “O vírus [covid-19] nos ensinou que uma escola não é um prédio. Escola são pessoas. Que um professor não ensina o que diz, transmite aquilo que é. Que um projeto político pedagógico se traduz em valores, em visões de mundo de uma comunidade e que os saberes de uma comunidade terão que ser integrados em um currículo da escola”, afirmou José Pacheco, que provocou: “em uma aula nada se aprende. É preciso partir para a nova educação e digo isso porque eu acompanho muitos professores que não perderam contato com os alunos e o processo de aprendizagem se mantém, porque a gente criou ciclos de vizinhança diante do paradigma da comunicação e eles não perderam cinco meses de aula.
Leia: Indígena Ailton Krenak reflete sobre o coronavírus em ebook gratuito
E quando voltarmos ao prédio da escola não será preciso estar todos os dias no prédio da escola, porque nós aprendemos em qualquer lugar, desde que haja: um projeto de vida, um professor/mediador, um roteiro de estudo para pesquisa, desde que haja avaliação, porque uma prova não é avaliação e não prova nada”.
Para a liderança indígena Ailton Krenak, educação não deveria ser mandar a criança para um endereço escolar. Ele defende que a enxergue como um vasto campo de comunidades de aprendizagem, em que um aprende com o outro. Ailton enfatizou que o paradigma que instituiu esse campo que hoje é chamada de educação precisa ser revisto. “No século 20 as pessoas foram acostumadas a mandar seus filhos para depósitos de crianças. No caso de crianças pobres depósitos mesmo, no caso da classe média para cima elas escolhiam no catálogo quais os tipos de escolas ou depósito que iam enviar os filhos para não conviverem com os filhos e não arcarem com a responsabilidade de serem orientadores de suas crianças. Foi nesse período que se instituiu a ideia universal da escola, escola para todo mundo”, criticou.
O indígena reforçou que muito político “oportunista” sempre diz que a educação é o maior legado. “Eles dizem que vão legar de contribuição às suas comunidades e infraestrutura para a educação. Infraestrutura para eles são prédios, colégios. Assim como a cabeça dos políticos não tem conteúdo, os prédios também não têm conteúdo. Não adianta você mandar uma criança para um prédio vazio. Vai ser tão vazio quanto ficar em casa com os pais que não tem afeto, não tem carinho, não tem cultura, não tem memória e que não querem transmitir nada para seus filhos. São verdadeiros fratricidas – cara que desaparece com suas gerações. Ou suicidas. Acho que estamos entrando pelo cano”, afirmou.
Leia: O Enem é adequado para avaliar a formação integral?
O mediador João Jonas indagou-os: “como criar essa comunidade de aprendizagem em uma torre de babel de interesses e valores?”
Pacheco gosta de enfatizar que o brasileiro costuma procurar exemplos de fora para se basear. Só que o educador defende e defendeu também neste painel que o país precisa deixar de lado o que ele entende como a síndrome do vira-lata. “Não é uma proposta gringa que vai responder o problema do Brasil. Temos que perceber que a nova escola, que o Brasil merece, foi a que vi no norte do Mato Grosso e no meio da Amazônia, junto ao rio Purus, com comunidades indígenas, onde me envergonhei daquilo que não sabia e aprendi muito em pouco tempo ao ver a relação das famílias com as crianças, o respeito, o saber ancestral. Tudo aquilo acontece naturalmente”.
Pacheco também disse que o Brasil precisa perceber que tem tudo o que precisa. “Teve as primeiras experiências de aprendizagem, o primeiro teórico de comunidades aprendizagem – que não é o Ramón Flecha – é o Lauro de Oliveira Lima, década de 60, Escolas para comunidades, e as primeiras comunidades surgiram em SP, Bom Retiro, em Sacramento com Euripedes Barsanulfo no mesmo ano de Maria Montessori, só que ninguém sabe quem é Euripedes Barsanulfo”.
O Grande Encontro da Educação é uma organização da Educação e este ano está em sua 6ª edição. Confira a programação completa do evento clicando aqui.
Folclore nacional: o Brasil merece o Brasil
Por que ler os clássicos do pensamento pedagógico