Esforço para manter alunos conectados às escolas se choca com atitudes incoerentes
Publicado em 04/05/2020
Professores, orientadores e diretores do infantil, fundamental e médio ouvidos por Educação consideraram, em maioria, e na medida das possibilidades, positivo o saldo das primeiras semanas de ensino a distância impostas pela quarentena de combate ao novo coronavírus. Mas, desde que computadores, smartphones e sinais de internet se uniram nas residências das famílias brasileiras e de todo o mundo, ficou claro também que a combinação de criança, adolescente e jovem com logins, links, atalhos e senhas em atividades importantes, com controle limitado, com frequência não produz final feliz.
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Em meio a informações sobre respostas, assiduidade, plataformas e aprendizado, a reportagem ouviu também reclamações de professores sobre bagunças, indisciplinas e até mesmo sabotagem de aulas por alunos. Tudo diante da liberdade, muitas vezes não monitorada pelos pais e familiares, de agir e interferir em áudio e videoaulas gravadas ou apresentadas ao vivo nas redes virtuais escolares com acesso mediante senha.
Google Classroom, Apollo, Hotmart, Leadlovers, Moodle, Eadbox, Edools, Samba Play, EAD Plataforma, Área de Membros WP, Portal EAD – Estado Virtual, Elore, NoChalks, TwygoEAD, Udemy, Teachable, Thinkific. Pagas ou gratuitas, desenvolvidas no Brasil ou no exterior, praticamente todas as plataformas de ensino a distância funcionam, em maior ou menor grau, com sistemas em que o aluno recebe links, logins ou atalhos virtuais, para localizar os endereços virtuais de entrada nas aulas, tarefas ou conteúdos, quase sempre fechados e limitados ao universo da escola ou rede, e as senhas de acesso.
Aliás, nos episódios relatados, alunos repassam a senha para amigos, que invadem os espaços virtuais das aulas e atividades e postam palavrões, baixarias, cyberbullying, agressões e acusações contra estudantes da turma e, acima de tudo, professores.
Em algumas ocasiões, acabou sobrando para orientadores pedagógicos, integrantes da secretaria e até diretores. “É claro que esses casos ocorrem em quantidade e intensidade bem menores do que as das ações dos alunos responsáveis, mas ainda assim têm sido suficientes para incomodar e fazer alguns educadores se sentirem vulneráveis”, explica o professor, escritor e consultor educacional João Jonas Veiga Sobral, colunista de Educação, que ouviu de colegas várias histórias do tipo.
João Jonas destaca que, para não serem descobertas, essas versões jovens e colegiais dos haters costumam ceder seus logins e senhas de acesso a amigos ex-alunos de seu colégio ou estudantes de outras escolas. Em troca, os colegas fazem o mesmo e passam seus caminhos e chaves digitais a quem propôs o tumulto e o circuito toma corpo para tumultuar a vida de professores e companheiros de sala e escola.
“Esses meninos não são inocentes a ponto de entrar em programas que registram e dimensionam todos os passos dos participantes e deixar por lá as idiotices com os rastros dos autores”, explica o professor. “O que eles fazem quase sempre é uma espécie de conteúdo cruzado, ou seja, trocam as informações recebidas na escola com as de amigos alunos de outros lugares. Ou então cedem para jovens que estudaram mas já não possuem ligação com o seu colégio”, acrescenta.
A saber, outro efeito colateral descrito, com registros já nos primeiros dias de isolamento, foi o uso editado ou deturpado do que alguns professores disseram em aulas transmitidas pelas plataformas digitais. A coisa é feita usando dois caminhos básicos. Em resumo, um deles é divulgar brincadeiras, ironias e declarações do professor que sugerem aproximação com os estudantes para sugerir abusos de comportamento, ignorando ou escondendo o contexto de amizade gerado pela admiração dos alunos e a convivência entre educador e turma que, muitas vezes, atravessa anos e séries. Nas escolas estruturadas, os professores são quase sempre admirados pela maior parte de seus alunos. Mas que nunca se esqueça: a maior parte, quase todos, quase nunca a totalidade.
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Além disso, outra atitude, também registrada nesses tempos de epidemia, é editar o que o professor fala nos momentos mais polêmicos das aulas, descartando premissas, relativizações e explicações. Portanto, o objetivo é divulgar apenas frases ou trechos soltos, fora de contexto, e levar a crer que o educador se aproveita de sua autoridade para forçar os alunos a defender determinadas ideias, pessoas, atitudes e grupos.
“Outro dia, numa aula de ensino médio que envolvia aspectos da mitologia, lembrei o equívoco de considerar todo ser humano um mito. Dei exemplos: ‘Há na direita quem considere Bolsonaro mito – e Bolsonaro não é mito. Há na esquerda quem considere Lula mito – e Lula não é mito”, lembrou João Jonas.
“Isso é um perigo. Se alguém estivesse gravando a aula com más intenções, o que não foi o caso, poderia isolar apenas o ‘Bolsonaro não é mito’ ou a mesma coisa dita sobre Lula, e usar a frase como bem entendesse. A seu favor, contra mim ou as duas coisas juntas. Aulas gravadas ou passadas ao vivo e depois arquivadas na plataforma são pratos cheios para essas coisas. O temor de muito professor é haver tempo suficiente, nesse período, para que isso vire moda com todos esses meninos em casa cheios de disposição e tempo para aprontar na internet.” Eis o que faltava: educador preocupado com a possibilidade real de sofrer bullying em sinal trocado.
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