NOTÍCIA

Edição 263

Criador da escola Lumiar explica seu projeto pedagógico e critica modelo PBL

Em entrevista, Ricardo Semler fala também sobre seu reconhecidamente inovador projeto pedagógico – que entra em calculada fase de franquias a partir de 2020

Publicado em 09/01/2020

por Redação revista Educação

Por Eduardo Marini e Marco Antonio Araujo

O empresário, advogado, pesquisador e escritor paulistano Ricardo Frank Semler, 60 anos, é um sujeito inquieto no melhor sentido que o termo pode ter. Sócio majoritário e presidente do conselho da Semco Partners, grupo sucessor da Semco, foi vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Alguns de seus livros sobre inovação, gestão e administração se tornaram best-sellers no Brasil e no exterior, entre eles, Virando a própria mesa (1988) e The Seven-Days Weekend (2003). Foi escolhido o Empresário do Ano na América Latina em 1990 e do Brasil em 1992, pelo Wall Street Journal, e incluído entre os Cem Jovens Líderes Globais pela revista Time em 1994.

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O projeto mais ousado de Semler é a Lumiar, rede de escolas sob metodologia reconhecida como uma das mais inovadoras do mundo, com unidades no Brasil, Holanda, Inglaterra, Nigéria, Estados Unidos e promessa de presença em diversos países a partir de 2020. Em parceria com a mulher, Fernanda, educadora e empresária, e o Grupo Atmo, controlador de mais de vinte escolas em São Paulo, Campinas e Baixada Santista, Semler abrirá a flagship da Escola Lumiar (www.lumiar.co) no bairro de Pinheiros, um investimento de R$ 5 milhões. Será o ponto de partida em busca da meta de abrir 60 escolas no Brasil, em regime de licenciamento, nos próximos cinco anos.

Nessa entrevista, Semler detalha como o projeto Lumiar foi desenvolvido, aponta suas diferenças e critica fortemente o modelo educacional Project based learning (PBL), ou Aprendizado baseado em projeto, adotado pela maioria das escolas das classes alta e média do país.

O senhor é um crítico do modelo PBL, ou Aprendizado Baseado em Projeto. Por quê?

Nos últimos anos, ficou claro que o modelo PBL tornou-se obsoleto. Redes e escolas importantes do mundo e a quase totalidade das escolas de elite de São Paulo e do Brasil ainda o adotam porque não possuem uma alternativa viável. O construtivismo tem, de certa forma, os mesmos defeitos do PBL. E aí começou um processo em que todo mundo sequestrou e se apoderou dos mesmos clichês. A escola centrada no aluno, competências do século 21, competências socioemocionais, empreendedorismo, protagonismo, cultura maker, tudo discurso com validade zero até agora. Falar disso é uma banalidade sem valor, porque não há ninguém que exerça essas coisas de verdade. Acho um crime seduzir pais com o discurso do empreendedorismo nas escolas. Se 1% {dos alunos] decidir ser empreendedor será muito. Mas aí alguém argumenta: “não, mas empreendedorismo lato sensu, em relação à vida pessoal”. Bom, então vai para 20%, com boa vontade. E o que os outros 80% farão com isso? Mas a conversa é música para os ouvidos de pais que desejam o sucesso dos filhos. E qual pai não deseja?

Lumiar escolas

“Para enganar pais é preciso pouco: se o prédio for bonito, com cara de coworking, o preço for alto e tiver figurões, está resolvido o problema”, diz Semler, sobre escolas voltadas para a elite econômica (Divulgação/Escola Lumiar/Brainstory)

O senhor não está sendo duro demais?

Não. Quando você discute os problemas fundamentais das escolas, vem à mente o seguinte. Pegue trinta alunos sentados na frente de um professor em qualquer um dos formatos. Numa curva de Gauss, em forma de sino, você perceberá que 20% deles entendem tudo nos primeiros dez minutos e, em quase todos os casos, não precisam do restante da aula. No outro extremo, de 20% a 30% não aprenderão aquilo nem que passem dois anos em insistência. Da parte restante, metade pensa em sexo, futebol, moda, enfim, e a outra metade presta atenção. Isso não é nada. Estudando isso, a universidade de Princeton chegou à conclusão de que o professor, no modelo atual, anda, em média, a 32% da velocidade desejável. Um terço. Esse defeito, insanável dentro do modelo, está aqui e também na Coreia do Sul.

Há outros problemas derivados do modelo PBL?

As escolas baseadas em PBL, com todos esses clichês, estão comandando a atenção da elite econômica. É sempre um problema, porque dita tendência e cria aspiração de ingresso em modelos que não propõem mais solução. Pais estão pagando de R$ 8 mil a R$ 11 mil mensais para ter isso. Uma das razões dos altos preços é a necessidade de cobertura dos custos das instalações, sempre absurdos.

E onde fica a pedagogia nesse caldeirão?

Um estudo americano detalhou os critérios adotados pelos pais em países ocidentais para escolher uma escola privada. A divisão percentual no Brasil é semelhante. Sessenta por cento deles pensam na localização. Vinte e dois por cento privilegiam o capital social, o networking que meu filho e eu iremos ganhar com a escola. Doze por cento valorizam instalações, beleza e coisas do tipo. Pedagogia? Três por cento. Isso. Três por cento.

Tenho certeza de que a quase totalidade dos pais que hoje se dispõem a pagar mensalidades de até R$ 11 mil jamais questionou as respectivas diretorias sobre a pedagogia – e tampouco faz ideia de como aquilo tudo se resolve. É minha forte sensação. O que esses pais ouviram quando algo supostamente ligado a pedagogia foi dito? Coisas do tipo, nós temos tablets, gadgets, o aplicativo A, B ou C. Os pais entendem aquilo como pedagogia. Mas, a rigor, é uma reunião de aplicativos e conceitos para montar as aulas e apresentações baseadas nos interesses e caminhos escolhidos pelos meninos.

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É um defeito insuperável?

Claro que sim. Quando você pergunta o que interessa aos alunos – e a Lumiar começou assim há 16 anos –, isso é valioso. Quando falam dos estudos de criança e adolescente, se lembram de dois a três professores. Havia duas coisas em comum nessas aulas guardadas na memória: os professores eram bons e apaixonados pelo assunto e os alunos prestavam atenção. Como essas sinapses podem ser multiplicadas? Perguntando o que interessa e achando craques apaixonados naquilo que interessa. Vamos supor que, numa escola PBL, a galera se interessou, por exemplo, pelas queimadas na Amazônia. Então vamos fazer dez ou doze aulas e/ou encontros sobre o assunto. Ao fim do bimestre, o professor deu conta da BNCC e do currículo local? O aluno foi apresentado à vida das algas, à Dinastia X ou Y? Claro que não, porque a escola atendeu aos interesses dos alunos na Amazônia. Não há como dar conta de qualquer currículo assim. Não há escala possível.

Mas esses alunos no modelo PBL passam nos vestibulares, muitos deles tiram boas notas no Enem e fazem bons cursos superiores.

Verdade. Serão capazes de fazer um cursinho e passar nos vestibulares? Claro que sim. Eu perguntaria o seguinte: esse modelo está dando conta da formação de um menino que vai sair para o mercado de trabalho em 2034, por exemplo? Para o exame não precisa de muito, porque estamos falando de meninos bem formados, com boa estrutura familiar, filhos de pais da elite. Eles podem permanecer até como completos incompetentes até fazer um bom terceiro ano médio ou cursinho e vão seguir um caminho universitário. Têm inglês, internet, livro, boas demandas e influências em casa… então não precisam da escola. Um ano de cursinho e basta.

Validade zero: escola centrada no aluno, competências socioemocionais, empreendedorismo, protagonismo, cultura maker

Essas escolas não oferecem nada além disso?

Essas escolas baseadas em PBL ofertam, basicamente, duas coisas: instalação bonita e caríssima e networking social. Se eu perguntasse a você, cinco anos atrás, se você apostaria que pais que são filhos de pessoas educadas em colégios tradicionais e excelentes de São Paulo e do Brasil, tradição, força, irão abandonar tudo isso e levar seus filhos para escolas com um, dois, no máximo cinco anos de existência e preços astronômicos como essas, o que está ocorrendo hoje, você apostaria? Creio que não. Pois o número de pais que fizeram isso nos últimos anos e continuam a fazer é imenso. Para enganar os pais é necessário muito pouco. Se o prédio for bonito e tiver cara de coworking, o preço for alto e tiver dois ou três filhos de figurões, está resolvido o problema. O resto vem no marketing em cima dessas características.

O que o senhor acha da alfabetização digital?

Está mais para um falso dilema. A alfabetização mista, com elementos dos dois processos, já existe no Brasil e em todo o mundo e hoje é inevitável.  Fizemos uma parceria com a Intel em 2005. Queríamos descobrir quais as diferenças de cognição na criança alfabetizada primeiro de forma digital em relação à analógica. Não conseguimos determinar uma diferença concreta entre um e outro caminho e, por isso, paramos com a experiência.

Quando o estudante chega aos nove ou dez anos e se percebe a necessidade não de introduzi-lo, porque isso o mundo e suas circunstâncias já fazem, mas de qualificá-lo em termos digitais, você pode estar condenando essa criança ao atraso. Porque a única coisa líquida e certa em 2034 é que o aprendido sobre mundo digital por uma criança de nove ou dez anos durante os cinco, oito, dez ou doze anos anteriores será irrelevante. Você faz de conta para os pais que está formando e eles acreditam. Em conceito e utilidade, não é nada diferente, sem tirar nem colocar, do que as aulas de datilografia e caligrafia que tive na escola graduada. Qual era o discurso para mim e todos da minha geração na ocasião? “Estamos preparando vocês para o futuro”, claro.

Como surgiu o projeto Lumiar?

Em 1996, formamos um conselho para discutir o modelo de escola a ser proposto em 1996. A primeira escola Lumiar foi fundada em 2003. Não queríamos começar usando crianças como cobaias, então passamos os primeiros anos respondendo, entre nós, algumas questões fundamentais. A principal: se a gente fosse criar hoje uma escola para o futuro, sem levar em conta o que já existe de impróprio ao nosso ver, que cara ela teria? Fizemos reuniões semanais de três horas durante dois anos discutindo isso. Paulo Freire participou de algumas até pouco antes de sua morte, em maio de 1997. Paulo Renato Souza, falecido, Cristóvão Buarque, Fernando de Almeida, Eduardo Chaves também nos honraram com participações em maior ou menor grau, além de pediatras, psicólogos infantis e técnicos de outras áreas que não as pedagógicas.

Quais as principais conclusões do grupo?

Começamos a desenhar a cara da escola do zero. A primeira unanimidade foi a de que o papel do professor, como ele atua no Brasil, estava obsoleto. E, portanto, simplesmente promover a reciclagem nos moldes existentes e melhorar as condições salariais, de conhecimento e formação continuada para quem atuava no chão da sala, naquele contexto, era perda de tempo. Pensando na avalanche de recursos atuais, seria como colocar um motor de Tesla em um Chevette 1973, e um Frankenstein desse teria pouca ou nenhuma utilidade.

Melhorar condições não é sempre positivo?

Claro que somos totalmente a favor da melhoria das condições de trabalho, salário e vida do educador sempre que for possível. Mas o ponto é o seguinte: se não fosse definido um novo papel para o professor, de nada adiantaria para a educação e os alunos oferecer reciclagem e salários melhores aos mestres.

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Explique melhor.

Vou dar um exemplo de Porto Alegre, que conheço porque temos uma parceria com a secretaria municipal de Educação de lá. O professor com mestrado e dedicação exclusiva da prefeitura de Porto Alegre é o mais bem remunerado do Brasil. Ganha, em média, R$ 9.460,00. A rede municipal tem entre 60% e 83% de professores com mestrado, de acordo com a região da cidade, fora os com doutorado. Percentuais da Finlândia. Além disso, houve um respeitável investimento em estrutura, instalações e equipamentos digitais. Organizações reciclaram e deram cursos de gestão a diretores e professores em parceria. Resultado final? Porto Alegre é a 26ª entre as capitais do país nos testes de avaliação. Eis a prova final do que constatamos 14 anos atrás: é indiferente melhorar todas as condições se o conceito e o mecanismo de aprendizado forem obsoletos. É o motor Tesla dentro do Chevette 1973.

Estudos mostram que, entre os critérios para pais escolherem uma escola privada, a pedagogia fica com apenas 3%

A Lumiar pode ser incluída nesse cenário?

Temos motivos para acreditar que não. Entre 2017 e 2018, os pesquisadores do Pisa listaram as 25 escolas mais avançadas do mundo e incluíram a Lumiar, a única brasileira no grupo. Isso, claro, nos honrou. Um pouco antes, fomos listados entre as 12 escolas mais inovadoras do mundo em um trabalho realizado pela Universidade Stanford para a Microsoft. Nem posso dizer se isso é muito ou pouco porque, na prática, a quantidade de escolas no mundo efetivamente voltadas para a inovação não é grande.

O que vocês decidiram fazer para evitar tudo isso?

O primeiro caminho foi voltar à ideia grega, que foi um bom jeito de estruturar a educação antes das atuais linhas de montagem. Começamos pelo trabalho de transformação do professor. O professor atual é obsoleto porque está treinado para entender apenas uma disciplina. Além disso, deveria se atualizar na sua área, mas o grau de progresso é tamanho que não dá tempo. Deveria também fazer ‘polinizações cruzadas’ com outras disciplinas, mas isso atual­mente está fora de cogitação. E, por último, precisa controlar 25 ou 30 meninos e meninas que não querem estar lá. Esse papel é ridículo. É de um insucesso tão grande que todos nós nos lembramos de três ou quatro que conseguiram e nos esquecemos dos outros 150 que não conseguiram.

O professor é secundário no modelo da Lumiar?

De forma alguma. No projeto precisamos dele desesperadamente para ser o tutor daquela ideia grega. Alguém que ficará responsável por aquelas 25 ou 30 almas e precisará entender em que momento cada um está, o que sabe ou não, o que dá para ser exigido a cada momento, como está a interação entre eles, as dinâmicas sociais, e por aí vai. E terceirizar para alguém apaixonado pelo ato de ensinar. O tutor, na Lumiar, em primeiro lugar, está proibido de ensinar. Não seja tolo de ensinar, porque o que ele sabe, comparado com um minuto e meio de Google, é irrelevante. O papel desse professor é fundamental, mas de volta à condição idealista que o levou a ser pedagogo e educador lá atrás, e que foi sendo perdida pela apostila, o sindicato, o corporativismo, a chatice. Em nossas parcerias com redes públicas, o mestre concursado será o tutor que procuramos desesperadamente, e não um professor de matemática ou geografia.

Se o tutor não dá aula, quem dá?

Outro profissional, o mestre. A Lumiar começa com um contrato entre o aluno, os pais e o tutor, com um mapeamento do que é importante no semestre e no ano, baseado nas carências de cada um e, obviamente, nas exigências vigentes. A partir deste ponto, o tutor assume a responsabilidade de administrar e conduzir as coisas para fazer com que o contrato de cada um daqueles 25 ou 30 seja cumprido. E com cuidados. Por exemplo: se os pais de uma criança acabaram de se divorciar, talvez seja o caso de adiar aquele conteúdo sobre equação do segundo grau que está agendado. O tutor entrega a execução cotidiana da educação para a figura do mestre, que pode ser um violonista, médico, pedagogo, psicólogo, e por aí vai. Nossa lista de mestres veteranos é infinitamente superior à nossa capacidade de usar.

Se não fosse definido um novo papel para o professor, de nada adiantaria oferecer reciclagem e salários melhores

Qual o papel do mestre nas escolas Lumiar?

O mestre segue um raciocínio antropológico, tribal. Ao mesmo tempo em que há um sistema esquizofrênico, e às vezes imbecil, de aulas e apostilas, a gente descarta os mais sábios aos 55, 60 anos, no auge da sabedoria. Nós decidimos usar os recém-formados e essa massa formidável de sabedoria dos veteranos, inclusive aposentados, trazendo-os para a escola como mestres, porque cada um deles tem paixão e expertise infinitamente superiores às de qualquer professor em início ou meados da carreira.

O que mudou nesses 14 anos? Qual o perfil da atual Lumiar que vocês estão recolocando no mercado brasileiro?

A coisa começou a andar e, em 2012, percebemos a necessidade de nos associarmos a quem pudesse dar escala a essas propostas e conquistas. Montamos um consórcio, o Instituto Sinapses, para propagar a filosofia Lumiar de forma não lucrativa. Era composto pela Lumiar, Project Zero, da Harvard School of Education, as universidades de Cambridge e Melbourne, o Future Lab e a OCDE, que faz o ranking Pisa. Ele foi criado para sistematizar a Lumiar em escala e levá-la para fora do Brasil. Tomamos o cuidado para não corrermos o risco de sermos acusados de “o empresário que não conhece nada de educação se metendo com o negócio” e coisas do tipo. E, se permitem, considero meritória a preocupação de empresários com educação, mas, hoje, a maioria dessas associações e fundações de empreendedores para ajudar o setor acaba financiando a continuidade, fazendo melhorias marginais de um sistema obsoleto, ainda que por nobreza, filantropia e idealismo. Para você ter uma ideia, um dos projetos públicos que mais estão captando dinheiro privado é um do governador de São Paulo, João Doria, chamado Escola Bonita – e, diante da situação da educação pública brasileira, não há nada menos prioritário e importante do que uma escola bonita. Toda funilaria e pintura naquele Chevette 1973 não adiantará de nada. Melhor comprar outro carro.

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Como foi a expansão da Lumiar fora do Brasil?

Abrimos a primeira em Bruxelas, na Bélgica, a partir do Sinapses. Com a divulgação, nosso projeto começou a atrair interessados. Na conferência anual de ministros da Educação de Londres, em 2012, Índia, Escócia e Canadá se dispuseram a replicar a experiência. A Índia ofereceu 650 escolas – queríamos 17 –, a Escócia 240; e o Canadá, toda a região da cidade de Calgary para o ensino infantil. Obviamente que, no Sinapses, ficamos todos malucos, numa gritaria interna, e concluímos que não teríamos a mais remota capacidade de operar nessas escalas. Congelamos o programa, para não continuarmos a gerar falsas expectativas.

Retomaram como?

Passamos um ano pensando em soluções. Em 2013 as possibilidades de se montar plataformas e soft­wares para replicar em escala trabalhos como esse começavam a se configurar. Começamos então os cinco anos de investimento para formar a plataforma. Achávamos que conseguiríamos juntar pedaços de codesapps e trabalhos existentes. Mas a realidade logo mostrou que isso não seria possível. Nossas propostas partem de uma dinâmica tão diferente do que rolava até então que não foi possível fazer essas adaptações. Fizemos nós mesmos, desde o início, a plataforma para a reprodução da experiência, a Mosaico Digital. Isso nos custou quase cinco anos, de 2013 a 2018, e R$ 31 milhões de investimento. Ela permite a gestão da aprendizagem a partir de módulos de planejamento e também a avaliação de conhecimentos e o acompanhamento da trajetória individual dos alunos. No início investi sozinho. Em 2015, procurei o Daniel Castanho, da Anima Educação, e propus vender a ele metade do projeto.

Como vocês, depois do susto da Índia, Escócia e Canadá, se reorganizaram até chegar ao licenciamento da proposta Lumiar para escolas privadas?

Tempos depois daquele choque de realidade voltamos a ser procurados para essas parcerias, mas dessa vez sob a forma de licenciamento do projeto para escolas privadas, que viriam a se transformar em Lumiar plenas, e pontualmente em redes públicas, mas em volume e frequência mais suaves, passíveis de serem administrados. Aconteceu com zero de divulgação, não fizemos nada para isso. A coisa cresceu: nos últimos dois anos, recebemos 494 pedidos de parceria privada para escolas Lumiar. Desse total, eliminamos 370 porque, por vários motivos, não eram propostas viáveis. Das 124 restantes, descartamos uma parte sem potencial imediato. A plataforma está pronta e vamos começar a avaliar mais profundamente o restante.

O senhor diz também que a Lumiar é uma escola multietária, e não seriada.

Em um encontro de uma hora, podemos ter dois meninos de seis anos, um de sete, um de oito e outro de nove anos. No próximo, esse aluno de seis poderá estar em um encontro ao lado de alunos com onze, porque tem competência para o assunto. Basta que as classificações e aptidões permitam. Apenas um software apropriado e uma plataforma como a Mosaico permitem esse mapeamento com responsabilidade e competência. E nós damos baixa no cumprimento do currículo item a item na BNCC. E, até também por ela, a localização precisa das séries e das notas dentro da estrutura legal da educação no Brasil.

Qual é a função da escola flagship que começará a funcionar em 2020 no bairro de Pinheiros, em São Paulo?

A rigor, nosso objetivo principal, meu e do Daniel, é ver esse trabalho se disseminar nas redes públicas, muito mais do que nas escolas e grupos privados. Mas, sem ter sustentabilidade em termos de receita, o projeto dependerá sempre de nós dois ou precisaremos passar o pires, coisa que não queremos. Por isso, a flagship tem o objetivo de detonar o processo de franquia da proposta para escolas privadas que desejamos espalhar pelo país. Estamos procu­rando grupos educacionais que queiram uma escola de vanguarda. Nosso estudo prevê 60 franquias nos próximos cinco anos. Neste patamar, será possível um lucro anual de R$ 40 milhões. Serão escolas bilíngues em horário integral. A mensalidade média custará R$ 4 mil em São Paulo e R$ 2,5 mil no restante do Brasil. Alunos poderão se transferir em qualquer série para nossas escolas.

Educação é bom negócio?

Para quem sabe operar escola e não está preocupado com as questões conceituais, intelectuais e pedagógicas, maximiza o número de alunos e professores, vira um bom negócio. Para nós, nem tanto. Qualquer escola ou franquia Lumiar se paga com 80 alunos.

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