NOTÍCIA

Edição 262

Educação sexual nas escolas diminui doenças e gravidez precoce

Abordar aspectos biológicos e comportamentais é um debate superado no mundo ocidental, uma vez que tornam os adolescentes mais responsáveis sexualmente – mas maioria das escolas continua a se omitir por moralismo, pressões religiosas, falta de projetos e receio de perder alunos

Publicado em 07/11/2019

por Redacao

educacao-sexual Países com projeto de educação sexual são os que possuem os menores índices de gravidez precoce, doenças relacionadas e níveis de desinformação (foto: Shutterstock)

Os brasileiros têm lembrado, nos últimos meses, o clima dos estádios de futebol das antigas lotados em dias de grandes clássicos regionais. Não há sequer uma questão pública relevante que não os divida no antagonismo inflamado de duas torcidas apaixonadas, uma diante da outra. No caso da educação sexual e da orientação para prevenção de gravidez precoce e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) nas escolas, a situação não é diferente.
Na última pesquisa do instituto Datafolha sobre o tema, realizada com 2.077 pessoas em 130 municípios, no final do ano passado, os favoráveis à adoção dos conteúdos nas salas de aula ‘venceram’ os contrários. Mas, uma vez mais, o resultado exibiu uma face da nação partida: 54% foram a favor, 44% contra e 2% disseram não saber.


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Bolsonaro e equipe

Um dos representantes da parte derrotada por pouco é o presidente Jair Bolsonaro, que gosta de repetir que quem deve ensinar sexo para criança e adolescente é “papai e mamãe”. Outro é seu guru, Olavo de Carvalho, que, em entrevista à Folha de S.Paulo, declarou, em seu estilo típico, que “quanto mais educação sexual, mais putaria nas escolas”. E não economizou detalhes, digamos assim, explícitos, para descrever o que imagina ser o cenário médio da situação. E só reproduzimos os termos por dever jornalístico e tratar-se do reconhecido “ideólogo” do governo: “Estão ensinando criancinha a dar a bunda, chupar pica e espremer peitinho da outra em público. Acham que educação sexual está fazendo bem, mas só está fazendo mal”. Diante da divisão do ‘estádio’ e do Estado, a reportagem procurou educadores dedicados ao tema para dimensionar o papel da educação sexual escolar na formação das crianças, jovens e adolescentes.

A revista tentou ouvir representantes do Ministério da Educação (MEC) sobre o assunto, mas o ministro, Abraham Weintraub, e sua equipe não quiseram se posicionar sob o argumento de que as decisões relativas ao tema cabem às redes estaduais e municipais e às escolas privadas que administram os ensinos infantil, fundamental e médio no país. “O MEC não tem marcos legais ou orientações específicas sobre educação sexual. O assunto consta como tema transversal na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”, limitaram-se a declarar, em e-mail, por meio da assessoria de imprensa.

Ainda é um tabu

“Nos últimos anos, houve uma evolução no aprendizado e na consciência de pais, professores, gestores e alunos a respeito da importância da educação sexual nas escolas, no trabalho de diminuição das ISTs e das gravidezes precoces”, constata a psicóloga e educadora Mary Neide Damico Figueiró, doutora na área de educação sexual pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e uma das especialistas mais procuradas para projetos e palestras sobre o tema. “Mas o recuo produzido pelos conceitos ultraconservadores do novo governo pode colocar por terra o pouco que caminhamos”, acrescenta.

Apesar dos avanços verificados nos últimos anos, Mary Neide e outra pesquisadora dedicada ao assunto, a pedagoga e escritora Caroline Arcari, mestre em educação sexual pela Unesp, estimam que o percen­tual de escolas brasileiras públicas e privadas, do infantil ao médio, que tratam do tema de alguma maneira, de debates raros a programas consistentes, ainda não chega a 20% do total. “Particularmente, acho 20% até muito, uma parcela otimista demais, infelizmente”, lamenta Caroline, idealizadora do projeto Pipo e Fifi, de boas práticas de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, que rendeu um livro e conquistou vários prêmios.

Não chega a 20% o percentual de escolas brasileiras públicas e privadas, do infantil ao médio, que aborda o tema de alguma maneira

Educação sexual: indicado para menores

O baixo percentual de adesão à causa é creditado a alguns fatores pelos especialistas. Entre as escolas particulares, o principal deles é a falta de disposição de proprietários, gestores e administradores para enfrentar as resistências e barreiras impostas, por desconhecimento ou questões morais e religiosas, por pais e familiares contrários à educação sexual nas escolas (e eles, como se vê, não são poucos). E, além disso, convencê-los de que os programas, mais do que ferramentas de orientação e proteção, são direitos garantidos a todos os estudantes por estatutos legais, entre eles o da criança e do adolescente, e também pelas bases educacionais extensamente debatidas e aprovadas por autoridades e parlamentares.

São também atitudes defendidas e incentivadas pelas Nações Unidas, por meio de seu fundo para a infância, o Unicef, e adotadas oficialmente na quase totalidade dos países bem-sucedidos do mundo. Não por mero acaso ou coincidência, esses países são também os que possuem os menores índices de gravidez precoce, ISTs, doenças relacionadas e níveis de desinformação sobre as funções do corpo entre as crianças e jovens de todo o mundo.


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Coragem e seriedade

Na prática, entre deixar tudo como está para ver como é que fica e correr o risco de perder alunos (e, consequentemente, receita) em grande quantidade, a maioria dos proprietários de escolas e redes privadas opta pela primeira opção – e encaminha seus diretores, educadores, professores e funcionários para manter a comodidade silenciosa do comportamento. “Diante dessa realidade, seria providencial que as redes públicas tomassem a dianteira na adoção séria, maciça e eficiente desse trabalho, estruturando um caminho politicamente inevitável para todas as outras”, propõe a médica, escritora e educadora Lilian Rosa Daher Macri, pós-graduada em Sexualidade pela Universidade de São Paulo (USP) e especializada em Terapia Sexual pela Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH).

escolas públicas educação sexual

Diante da resistência das escolas privadas, caberia às públicas “tomar a dianteira” na adoção de conteúdos sobre sexualidade, defende Lilian Macri
Foto: divulgação

Um dos colégios particulares que levam a educação sexual com seriedade e coragem é o paulistano Bandeirantes. Lá, os alunos têm uma aula semanal, incluída na grade curricular, de uma matéria chamada Convivência em Processo de Grupo. “Esse curso é estruturado sobre três grandes pilares: educação se­xual, prevenção às drogas e desenvolvimento de habilidades socioemocionais”, explica a diretora de convivência do Band, Maria Estela Zanini, professora de biologia e educadora sexual com especialização pela SBRASH. “Temos alunos do 6º fundamental ao médio. A educação sexual é trabalhada em todas essas séries, com aulas interativas e estratégias que envolvem filmes, jogos, textos, discussões e outros recursos. Independentemente da disciplina de origem, o professor que assume também assume essa cadeira e passa por um processo de formação continuada.”

Alternativas

Mas como o tema deve ser preferencialmente aplicado: em uma matéria específica ou na transversalidade das cadeiras? “No nosso caso, sistematizamos o conteú­do dentro de uma matéria, mas ele pode ser dado perfeitamente também de modo interdisciplinar”, analisa Cândida Beatriz Vilares Gancho, professora de português do colégio, educadora com pós-graduação em sexualidade pela Faculdade de Medicina do ABC. “A eficácia está mais ligada ao empenho e à clareza da escola no tratamento do tema e na formação de profes­sores para executar os programas. Educação sexual existe de modo informal nas famílias e nos meios sociais. Na escola, é feita dentro de um contexto pedagógico, de modo intencional, como é nossa obrigação, para permitir aos alunos fazer escolhas conscientes de acordo com seus valores pessoais e familiares”, completa.

Em uma reportagem publicada em janeiro passado na Folha de S.Paulo, o repórter Paulo Saldaña enumerou outros exemplos de tratamento desse conteúdo no ensino. A rede estadual pública de São Paulo prepara educadores para orientar sobre gravidez e prevenção de ISTs. Na municipal, a temática é tratada em Ciências, “com respeito às ideias defendidas pelos alunos a partir da cultura familiar”. No colégio particular paulistano Oswald de Andrade, o conteúdo é distribuído entre Ciências e Psicologia. O Santa Maria trata dos sentimentos afetivos e das mudanças do corpo no 7º e 8º do fundamental. E no Graphein, também da cidade de São Paulo, os estudantes entram em contato com o tema a partir dos 12 anos, em aulas de orientação vocacional.

Para além do direito inalienável de cada pai ou mãe ser a favor ou contra a inclusão da educação sexual nas escolas, o fato é que o saldo dos motivos alegados dos dois lados parece apontar para uma situação clara: por falta de domínio técnico do assunto e de informações preciosas sobre a prática dos filhos, muitas vezes são sonegadas pelos próprios para evitar conflitos, ou pelas duas coisas juntas, pais e familiares quase nunca conseguem reunir condições plenas e ideais para formar os filhos nessa questão tão determinantes para a vida dos estudantes e de toda a família. O ideal parece ser a combinação de esforços de alunos, professores, escolas, pais e familiares. Tudo indica ser o melhor para todos.

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