NOTÍCIA

Edição 261

Como melhorar a capacidade de tomar decisões

Razão e emoção são indissociáveis: os sistemas cerebrais que as processam estão interligados

Publicado em 22/09/2019

por Fernando Louzada

tomar-decicoes Com o amadurecimento e a idade, muda a forma como as representações emocionais modulam nossas decisões (foto: Shutterstock)

Diariamente fazemos inúmeras escolhas.  Algumas – como o sabor de uma bebida que ingerimos ou a cor de uma roupa que vestimos – não têm grande repercussão em nossas vidas. Outras podem ser decisivas para o futuro profissional e a vida pessoal. Vivemos em um mundo complexo, e tomar decisões não é uma tarefa simples.

Antonio Damasio, neurologista português radicado nos EUA, discute de maneira instigante o processo de tomada de decisão no clássico livro O erro de Descartes. A partir do quadro de Phineas Gage, paciente que viveu no século XIX e que alterou profundamente seu comportamento após sofrer uma lesão cerebral, Damasio mergulha nas teorias da emoção. Com base nessas teorias, convence o leitor de que a tomada de decisão jamais depende exclusivamente da razão, mas de uma complexa interação entre razão e emoção, fruto do processamento de vários sistemas cerebrais.


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Sem dúvida, uma decisão que é resultado de uma intensa ativação emocional em geral é impulsiva e pode resultar em consequências indesejáveis. Por outro lado, uma decisão “puramente racional”, que não leva em consideração as representações emocionais associadas a ela, simplesmente não existe. Razão e emoção são indissociáveis; os sistemas cerebrais que as processam estão interligados. A lesão sofrida por Phineas teria provocado uma dissociação entre esses sistemas, resultando numa profunda dificuldade de Phineas em fazer escolhas, mesmo as mais banais. As consequências para sua vida pessoal e profissional foram trágicas.

Hoje conhecemos com mais detalhes os sistemas cerebrais que processam razão e emoção. Sabemos que uma área essencial para o processamento de habilidades associadas ao que chamamos de razão, como a capacidade de tomar decisões e planejar o futuro, é o córtex pré-frontal. Essas habilidades são chamadas de funções executivas e envolvem diferentes dimensões, como o controle inibitório – capacidade de inibir comportamentos indesejados – e a flexibilidade cognitiva – capacidade de modificar a estratégia para solução de um problema.

Comparado às outras áreas cerebrais, o córtex pré-frontal amadurece mais tardiamente, após os 20 anos de idade. Basta refletirmos sobre algumas decisões que tomamos na adolescência para percebermos a importância de um córtex pré-frontal maduro. Com o amadurecimento, a interação entre a área pré-frontal e as áreas de processamento emocional se modifica, mudando a forma como as representações emocionais modulam nossas decisões. As emoções, no entanto, estão sempre lá, participando da nossa tomada de decisões, faculdade que foi perdida por Phineas após a lesão.

O desenvolvimento das funções executivas pode e deve ser estimulado desde os primeiros anos de vida. Brincar de estátua, por exemplo, é uma ótima forma de desenvolver nosso controle inibitório. Recentemente, estudo publicado na revista Science of Learning mostrou que a capacidade de tomar decisões pode ser melhorada por treinos de habilidades que aparentemente não têm relação direta com as funções executivas. Um grupo de pesquisadores de diversas universidades norte-americanas investigou o efeito de intervenções sobre a capacidade de tomada de decisão: treinos para aumento da resistência cardiovascular, treinamento cognitivo e meditação.

A capacidade de tomada de decisões foi medida por um teste validado, o Adult Decision-Making Competence test (A-DMC), que avalia dimensões das funções executivas. Durante 4 meses, 160 voluntários adultos saudáveis, divididos em grupos, foram submetidos às intervenções, sendo que um dos grupos passou pelas três intervenções simultaneamente. Os resultados mostraram que todas as intervenções tiveram efeito benéfico, sendo que voluntários submetidos ao conjunto de treinamentos – que os autores chamaram de intervenção multimodal – foram os que tiveram maior melhora na sua capacidade de tomada de decisão avaliada pelo A-DMC.

Segundo os autores, os resultados reforçam a importância de abordagens multidisciplinares com base na psicologia e na neurociência cognitiva para aumentar a capacidade de tomada de decisão. Os mecanismos subjacentes aos efeitos benéficos do treinamento ainda não são conhecidos. Há várias maneiras pelas quais esses treinos podem modificar o funcionamento dos sistemas cerebrais envolvidos na tomada de decisão.

De qualquer forma, é sempre bom lembrar que uma ótima maneira de ativar esses sistemas é vivenciarmos situações que exijam tomadas de decisão. Expor as crianças, desde os primeiros anos de vida, a situações nas quais elas tenham que decidir é fundamental. Obviamente que a complexidade das situações deve ser ajustada para a idade, mas quando realizadas em ambientes seguros, como a escola e a casa, contribuem significativamente para o desenvolvimento cognitivo e emocional.  Essa preocupação deve permear o trabalho educacional, para que possamos formar gerações que tomem melhores decisões no futuro em um mundo cada vez mais complexo.

*Fernando Louzada é doutor em Neurociências e Comportamento pela USP e pós-doutorado pela Harvard Medical School

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Fernando Louzada


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