NOTÍCIA

Edição 253

Ensino médio brasileiro é reprovado pelo principal indicador do país

Além dessa notícia alarmante, poucos estados são bem pontuados no fundamental. Avaliação é focada em português e matemática e realizada pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)

Publicado em 23/10/2018

por Redacao

Nenhum estado brasileiro atinge meta do Ideb no ensino médio “Não basta fazer avaliação se não há políticas para identificar e agir onde existem lacunas” (foto: Shutterstock)

Se o Brasil fosse um aluno, estaria reprovado em mais uma avaliação, a do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Esse indicador avalia as médias de desempenho nos exames aplicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), autarquia vinculada ao MEC.
Esses exames – a Prova Brasil e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) – cobrem, basicamente, português e matemática (“capacidade de leitura e resolução de problemas”) nos ensinos fundamental e médio.
O governo divulgou a nota média dos estados brasileiros no ano passado: 3,8 (numa escala que vai até 10).

defasagem no ensino médio

“Não basta fazer avaliação se não há políticas [no Brasil] para identificar e agir onde existem lacunas” (foto: Shutterstock)

Brasil é reprovado

A meta era 4,7. Isso dentro do objetivo de alcançar seis pontos até 2022 – que correspondem à média atual dos países desenvolvidos.
Pelo visto, não vai dar tempo.
Em resumo, nenhum estado brasileiro atingiu a meta para 2017 no ensino médio, e cinco deles apresentaram redução no índice (AM, RR, PA, AP, BA, RJ e SP).
Houve uma fraca melhora na qualidade da educação nos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano).
Além disso, vários estados não conseguiram pontuar a média esperada nos últimos anos do ensino fundamental (6º ao 9º).
Na rede privada, só 23% das escolas (que participaram voluntariamente) atingiram a meta.
O Ideb começou em 2007, sendo realizado a cada dois anos.
Levando em conta as disparidades de um país continental, instituiu também metas diferenciadas para cada escola e rede estadual de ensino.
Por esse critério, somente Goiás (4,3, a melhor do país) e Pernambuco atingiram suas metas no ensino médio.
Ao analisar números globais do Ideb, Espírito Santo teve o melhor resultado no ensino médio no Saeb 2017 (divulgado antes do Ideb).

Cautela na interpretação

É importante não confundir avaliações específicas com os indicadores gerais do Ideb.
Na educação básica pública, a análise do Ideb é feita por escola, município, estado e país, o que possibilita os polêmicos rankings.
Nem sempre o indicador é totalmente fiel à realidade da escola, porque muitas delas selecionam seus melhores alunos e os treinam para participar dos certames.
Não é uma fraude, mas pode gerar distorções.
Isso não desqualifica o indicador, que é uma tentativa de racionalização, nem invalida as boas experiências de escolas bem situadas na pontuação.
MEC e Inep apresentaram os números no início de setembro, causando constrangimentos políticos e eleitorais em Minas Gerais, Bahia, Roraima, Amapá, Maranhão, Amazonas e Distrito Federal.

Troca de estados

São Paulo perdeu a liderança no indicador da educação básica e também do ensino médio de rede.
Ao recuar no ensino médio público estadual, São Paulo foi ultrapassado por Goiás, Espírito Santo e Pernambuco, e empatou com Ceará e Rondônia.
Após três edições consecutivas sem alteração, o Ideb do ensino médio avançou 0,1 ponto, em 2017.
Apesar da leve oscilação, o país está distante da meta projetada: de 3,7 em 2015, atingiu 3,8 em 2017.
A meta estabelecida era de 4,7. “Foi um crescimento inexpressivo”, admite o ministro da Educação, Rossieli Soares.
“É mais uma notícia trágica para o ensino médio do Brasil”, lamenta.
Soares destaca a situação menos dramática dos anos iniciais da educação básica (1ª a 5ª séries): o índice médio da rede oficial foi de 5,5 pontos, 0,3 ponto acima da meta.
“Temos um quadro de crescimento nos anos iniciais, especialmente das redes municipais. Tivemos avanços do sexto ao nono ano, mas ainda insuficientes, e uma estagnação no ensino médio, que cada vez mais se distancia da meta.”
Ele aponta duas saídas: “Há uma necessidade muito grande de fazermos logo mudanças estruturantes” e “é necessário avançar na reforma do ensino médio, aprovada ano passado”.

Políticas de investimento no Brasil

Ocimar Munhoz Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), concorda apenas com a primeira afirmação do ministro, e discorda completamente da segunda.
“A contrarreforma do ensino médio, que fala em percursos formativos e não em investimentos de professores, será um dos fatores que derrubarão ainda mais as futuras avaliações”.
O indicador negativo do Ideb, segundo Alavarse, foi uma das consequências imediatas da Emenda Constitucional EC 95 conhecida como a PEC do teto (241/55).
Sancionada em 2016, a PEC limitou os gastos públicos nas áreas sociais à inflação pelos próximos 20 anos e afetou os investimentos em educação.
E vai afetar mais. Gil Castelo Branco, economista da ONG Contas Abertas, concorda com esse ponto de vista.
Ele afirma que um dos setores mais atingidos no orçamento federal de 2018 foi justamente o Ministério da Educação.
O órgão receberá 37% menos recursos (cai de R$ 5 bilhões em 2017 para R$ 3,2 bilhões em 2018).
Outra canetada do contra: em 2017, o governo Temer vetou o artigo que colocava como prioridade a destinação dos recursos na área de educação para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Esse artigo vetado garantiria a implementação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi).
Esse mecanismo traduz em valores o quanto o Brasil precisa investir por aluno ao ano para garantir um padrão mínimo de qualidade do ensino.

Motivos do resultado

“Outra consequência esperada da retirada do PNE das prioridades orçamentárias do governo é a exclusão de mais crianças das escolas e o abandono da agenda da formação de professores”, avalia Creuza Repulho, ex-presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais (Undime).
Alavarse afirma não ver os números do Ideb com surpresa, porque “revelam que há um crescimento do desempenho dos alunos das séries iniciais no ensino fundamental, um crescimento pequeno nas séries finais e estabilização do ensino médio”.
O que pode não se repetir este ano. O professor destaca: “Não basta fazer avaliação, se não há políticas decorrentes para identificar e agir onde existem lacunas”.
Ele aconselha políticas educacionais de financiamentos mais focadas nos anos iniciais, principalmente para alunos de municípios mais pobres e que possuem desempenho abaixo da média.

Gargalos e inovações

As escolas do Brasil com melhor desempenho nos indicadores são pontos fora da curva.
Dos 5.077 municípios brasileiros com Ideb nos anos iniciais, 54% conseguiram avançar e superar suas metas. Nos anos finais, só 22% das redes repetiram o sucesso.
A cidade de Sobral (CE), com 200 mil habitantes, alcançou a 1ª posição nos anos finais (9º Ano). E não foi por acaso.
O Ceará  abriga 77 das 100 melhores escolas do país, segundo o Ideb.
A melhor escola pública do Brasil nos anos iniciais do ensino fundamental é a municipal Carmelia Dramis Malagui, em Itaú de Minas (MG), com 8,6.
Nos anos finais do ensino fundamental, a liderança ficou com o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, com 8,1.

Sem desespero

Para o professor Alavarse, são exceções do empenho localizado de diretores e professores e refletem “equipes mais permanentes e mais focadas”.
Já Regina Esteves, diretora-presidente da Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) Comunitas, entidade que atua junto a prefeituras objetivando melhoria do ensino, pondera.
“Devemos reconhecer nos resultados do Ideb os pontos positivos, pois é neles que encontraremos boa parte das práticas e lições capazes de melhorar o cenário em outros municípios e estados – Teresina, por exemplo, é a capital brasileira com o melhor índice no Ideb”.
Não existem saídas fáceis para quem busca soluções no baixo índice educacional brasileiro, continua Regina.
“Precisamos atrair e envolver a sociedade civil, além de fortalecer a capacidade técnica de gestores e das secretarias para fazer da educação uma política pública de Estado, que seja propriedade da sociedade e não das gestões municipais”.
O Ideb evidenciou o grande gargalo da educação brasileira, que está claramente conhecido há mais de uma década por diversos indicadores.
Metade (52%) dos brasileiros entre 25 e 64 anos não concluiu o ensino médio, segundo relatório recente da OCDE.
E dos que estão cursando, 70% têm nível insuficiente em matemática e português (dados do Saeb 2017), e desse grupo, 23% estão no nível zero.

Coordenadores

Na avaliação de Márcia Hipólito, consultora pedagógica da Startup Explorum, de inovação educacional, a gestão administrativa de escolas precisa compreender que coordenadores pedagógicos e educacionais são gestores que precisam estabelecer canais de comunicação que permitam avaliar processos, procedimentos e resultados.
“Para que essa qualidade de aprendizagem ocorra, é fundamental que, cada vez mais, o ensino de conteúdos esteja atrelado ao desenvolvimento de habilidades e competências que promovam o diálogo entre o que se aprende na escola e a realidade objetiva do aluno”, explica.
Ela vê como positivas a possível reforma do ensino médio e a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Um estudo da Dell Technologies sinaliza que 85% das profissões que existirão em 2030 ainda não foram inventadas.
Nos Estados Unidos por exemplo, até 2026, habilitações que mesclam conceitos tecnológicos e práticos farão parte de 100% das escolas de ensino fundamental e ensino médio.
Trabalhar esses novos conceitos parece inviável para quem não domina nem as operações básicas de matemática e mal sabem ler e interpretar o português.
Leia também:
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