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Edição 250

A dor do luto por suicídio: relato de um pai que perdeu o chão

O oficial de justiça aposentado paulista Ivo Oliveira Faria é um “sobrevivente” que teve o auxílio de grupos de apoio para se livrar do fardo da culpa e viver livre de preconceitos – os dele e o dos outros

Publicado em 03/07/2018

por Redacao

shutterstock_1010471323 Crédito: Shutterstock

suicídio

Familiares de pessoas que cometeram suicídio encontram ajuda em grupos de apoio. Crédito: Shutterstock

O oficial de justiça aposentado paulista Ivo Oliveira Faria, 59 anos, é um “sobrevivente” que teve o auxílio dos grupos montados por Karen para se livrar do fardo da culpa e viver livre de preconceitos – os dele e o dos outros. No dia 13 de março de 2014, perdeu Ariele, a mais velha de seus três filhos. Aos 18 anos, Ariele, a “princesa” que pensava em estudar Direito, passara dias atrás num concurso para técnico judiciário e amolecia Ivo com afirmações de que gostaria de seguir sua carreira. Suicidou-se após o almoço e umas tarefas com o pai, que nem de perto sugeririam um final de tarde tão inesperado.
Faria “perdeu o chão” nos dias seguintes. Apagou da mente datas, horários, detalhes, tudo que pudesse remetê-lo aos últimos momentos com a filha. Mas hoje, renovado pela coragem de tornar pública sua experiência para ajudar a quem sofre com situações semelhantes, parece buscar o oposto. Cita anos, meses, semanas e dias como medidas de distância daquele 13 de março de 2014 (“uma quinta-feira”) toda vez que se refere à data. Lembra que os dois foram a uma oficina deixar o computador do caçula para reparo antes de sentar no restaurante. Descreve o que cada um comeu, destaca a curiosa e inédita opção por suco de manga feita naquele dia pela jovem fã de laranja e não esquece sequer da torta (“de palmito”) antes encomendada em uma loja para que dividissem depois. Não se esquece também que a filha comentou, naquele almoço, sua determinação de tirar a carteira de motorista. “Ariele era extremamente carinhosa, amava ler. Um leigo não teria a menor condição de afirmar que ela tenha dado algum sinal com esse perfil e essas realizações. Seria até leviano”, analisa.
Três meses antes do suicídio, Ariele revelou sua vontade de não mais ir à igreja Cristã Gnóstica frequentada desde a infância com ele e a família. Faria admitiu que seria mais feliz na companhia da filha nas orações, mas que respeitaria sua decisão. Naquele 13 de março, ele a a ex-mulher Patrícia, mãe de Ariele, encontraram um bilhete ao lado do corpo da filha. Em poucas palavras, ela afirmou vagamente “não aguentar mais”, disse não haver culpados por sua decisão e encerrou com uma frase enigmática: “gente morta não decepciona ninguém”.
Tempos depois, uma irmã lésbica de sua ex-mulher contou-lhe que, semanas antes de tirar a vida, Ariele tinha revelado a ela o interesse por uma moça. “Ela namorou dois rapazes, sabíamos disso, mas nunca comentou nada conosco sobre relacionamento com meninas”, conta. Faria ainda tenta juntar peças, como o abandono da igreja e a frase do bilhete, em busca de uma resposta. Olhando pelo retrovisor, desconfia que a atitude de Ariele pode ter mesmo vindo do conflito entre a formação cristã sólida e a vontade de viver um relacionamento com alguém do mesmo sexo. “Mas é apenas um palpite. Poderia ter alguma dificuldade de trabalhar isso na época. Hoje não. Ao contrário: vivo publicamente a saudade da Ariele e sei que ela me vê de onde está e aprova minha atitude.” Acolhimento e orientação profissional livraram Faria da culpa. Melhor assim. Afeto e carinho serão sempre fundamentais, mas não há solução sem conhecimento neste campo delicado.

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