NOTÍCIA
Diretor da última temporada de Malhação faz defesa da educação pública de qualidade e fala sobre experiência de inserir o tema na novela
Publicado em 02/04/2018
Antes de começar a escrever, pesquisamos bastante as escolas públicas e privadas e tive ótimas conversas com educadores de diferentes especialidades. Além disso, sou de família de educadores, desde minha avó paterna, passando pelos meus pais — que são físicos e se dedicaram muito à educação por entender que esse também é um papel importante dos cientistas na sociedade —, até minha esposa e minha filha, hoje professora na rede municipal de São Paulo.
Minha percepção é que tem muita gente pensando a educação no Brasil, mas pouca discussão pública. A sociedade não está discutindo e não abraçou essa questão que, do meu ponto de vista, é o assunto mais importante para o Brasil hoje. O único caminho para o Brasil se tornar um país decente.
A elite econômica pensa apenas em qual escola particular vai colocar seus filhos. A população que frequenta a escola pública raramente participa e opina sobre os rumos do ensino no país.
Essa percepção me fez decidir que a educação, em especial a pública, seria o tema mais importante da novela. Mesmo que, muitas vezes, tratado como pano de fundo. Na minha opinião, a sociedade precisa abraçar a questão da educação, mais especificamente do ensino público, como prioridade. Mais de 80% das crianças e jovens brasileiros estão em escolas públicas. Teríamos de ter um movimento de toda a sociedade pela educação. Só assim, os políticos e governantes tratariam a questão como deveriam.
Por ser uma cidade cosmopolita e para apresentar outro sotaque, outras gírias, outra cultura.
Fizemos vários encontros com jovens de diferentes regiões de São Paulo, de diferentes backgrounds. O que mais me chamou a atenção é que, na essência, os jovens têm mais coisas em comum do que diferenças. E, na essência, os jovens de hoje são parecidos com os jovens de quando eu estava no colegial. Pude até usar algumas histórias da época em que estudava como inspiração. Ou seja, adolescentes, independentemente das tecnologias e de diferenças de espaço e tempo, são, na essência, adolescentes — e vivem essa fase mágica e confusa entre a infância e a vida adulta.
Essa foi uma de minhas maiores preocupações em relação ao tom geral da novela. Para não cair em um discurso fácil e vazio, eu cuidei primeiramente para que as histórias não fossem nesse caminho, sempre procurei aprofundar e humanizar as questões. E orientei meus colaboradores a tomarem cuidado com o tom dos diálogos. Qualquer deslize, eu ainda conseguia editar. O Brasil está em um momento muito polarizado, eu não queria cair nessa armadilha.
Acho que estamos avançando como sociedade nesse sentido. Talvez não na velocidade que gostaríamos, mas estamos avançando.
O quinteto, que foi apelidado como “as five”, fez muito sucesso. Não só pelo empoderamento feminino, mas pela possibilidade de uma amizade forte e de carne e osso, em um mundo de milhares de “amigos” virtuais, seguidores, curtidas e likes. Acho que as personagens geraram empatia e identificação por serem independentes, proativas e cheias de energia. Adolescentes inteligentes, curiosos e antenados, inclusive com assuntos coletivos e do país.
Foi muito importante minha experiência escolar na elaboração do conceito e na condução da história. Às vezes de forma inconsciente, às vezes aproveitando lembranças dos dois universos.
Nas pesquisas, soube de algumas parcerias de sucesso. Mas a posição explícita da novela pela valorização da escola pública é pela constatação de que esse é o único caminho possível para o Brasil. Nesse sentido, se as parcerias com as escolas particulares forem positivas para
as escolas públicas, que se multipliquem.
Muito positivo. Acho que porque tentamos mostrar a importância da escola na vida dos alunos, a importância da qualidade e comprometimento dos professores, educadores e demais profissionais dentro da escola. E, no caso da escola pública, não escondemos os problemas, mas também não contribuímos para sua estigmatização. Mostramos a importância e as qualidades do gigantesco sistema de ensino público brasileiro.
Não senti o individualismo exagerado, mas não tive um contato tão profundo como os professores têm.
O apartheid é claro. Basta visitar as escolas e ver que nas particulares só está a elite social. Na escola pública está a maioria da população. Alguns bolsistas furam esse bloqueio, mas é muito pouco. Na minha opinião, a separação da sociedade nesse grau, desde a infância, é muito perverso para o país. A dita elite vive em uma bolha, não convive com a maioria da população, não conhece o país.
Por outro lado, a maioria da população estuda em condições, na maioria das vezes, piores que a elite e sonha com a ideia de ir para o éden das escolas particulares. Muitas vezes os pais se esforçam e pagam uma escola particular mais barata, e de baixa qualidade de ensino, só pelo status. A elite apartada da sociedade gera distorções e conflitos. Gera preconceitos e acentua a desigualdade. Uma democracia não está completa sem que toda a população possa ter uma educação do mesmo nível.
Como já apontei nas respostas anteriores, para mim, a única saída é uma tomada de consciência da sociedade como um todo para a questão do ensino público. E essa consciência se transformar em uma ação conjunta de elaboração e execução de um plano que faça a imensa estrutura já instalada receber as condições de se tornar tão boa, ou melhor, que a rede particular. Para isso acontecer mais rapidamente, talvez ajudasse se a classe média e alta voltasse a frequentar a escola pública e ajudasse nesse processo. Já estou fazendo campanha para que meus netos, quando nascerem e estiverem na idade, frequentem a escola pública.
http://www.revistaeducacao.com.br/diretor-da-fgv-direito-sp-fala-sobre-desafios-dos-direitos-humanos-na-escola/