NOTÍCIA
Como o ensino brasileiro encara as possibilidades de educar um aluno para experiências internacionais tanto de aprendizagem quanto de negócios
Publicado em 21/02/2018
“Antigamente, quando se escolhia uma carreira, podíamos ter a certeza de atuar o tempo todo no Brasil – hoje, quando um estudante faz essa escolha, ele precisa pensar em mobilidade internacional”. A fala é da diretora de Marketing e Desenvolvimento para América Latina do Swiss Education Group, Daiane Lagger, que conta uma realidade que ela mesma enfrentou.
Aos 23 anos, recém-formada em jornalismo, teve a oportunidade de morar na Suiça e, chegando lá, passou pela decepção de saber que seu curso não tinha validade naquele país.
“Hoje todos nós conhecemos ao menos uma pessoa que more fora e, nessas situações, para conseguir viver da sua carreira, ou seja, não aceitar trabalhos desqualificados, é preciso ter uma carreira com mobilidade internacional”, diz.
A executiva tem atuado fortemente em escolas e IES brasileiras com o objetivo de fortalecer a oportunidade que o SEG chama de “passaporte para uma carreira internacional”, o curso de Gestão em Hospitalidade & Negócios.
O conceito está em alta ao redor do mundo e envolve turismo, hotelaria, lazer, eventos, gastronomia, atendimento ao cliente, entre outros.
A proposta do SEG envolve a formação internacional com forte aplicação prática nos famosos hotéis-escola espalhados pelo território suíço e amplas possibilidades de atuação – tanto no mercado internacional ou, se for o caso, em um eventual retorno ao Brasil.
“É possível atuar no desenvolvimento de produtos, turismo, organizações internacionais, federações esportivas, embaixadas e consulados, bancos e até mesmo na gestão na indústria farmacêutica e em hospitais”, enumera a diretora de Marketing.
No entanto, sobre a proposta de retornar ao Brasil com uma formação internacional, Daiane é enfática: “no ramo de hotelaria, o ideal é que ele não retorne logo nos primeiros anos, mas que atinja experiência suficiente para cargos gerenciais e, daí sim, retornar como mão-de-obra estratégica”, explica.
O despertar para a educação internacional
O que preocupa a diretora da DW Brazil Turismo e Cursos no Exterior, Karin McQuade, é um certo atraso na conscientização de alunos e familiares para as possibilidades positivas que a educação internacional podem proporcionar à vida e carreira do aluno.
Ela comenta que, atualmente, esse interesse tem aparecido já durante o ensino superior e, muitas vezes, o timing para a execução dessa jornada já está um pouco apertado.
Outra opção é um programa de high school de um a dois semestres. “Alunos entre 14 e 17 anos são matriculados quase sempre em escolas públicas e acomodados em casas de família, dessa maneira acabam aprendendo não apenas bem o idioma do país, mas também sobre sua cultura, seus costumes, sua comida e como é a vida deles no seu dia a dia”, exemplifica a diretora.
Na visão de Karin, é necessário que exista um incentivo da escola para o futuro desse aluno fora do país – mesmo que ela não seja uma instituição bilíngue.
“Nas escolas americanas – inclusive, nas que são aqui no Brasil –, existe a figura do children counselor, que é um profissional que atende a todos os alunos e que fornece essas informações, que pode plantar essa sementinha”, conta a profissional da DW Brazil, que afirma que tem se oferecido, pessoalmente, a algumas instituições parceiras para desempenhar esse papel, que na sua visão é de suma importância para a carreira desses jovens.
O futuro bilíngue
A proprietária e diretora Executiva do São Paulo Open Centre, Fátima Trindade, tem experimentado na prática o desafio de inserir o segundo idioma na raiz de instituições de ensino.
Desde o início do ano, a São Paulo Open Centre, que já era um reconhecido centro de aplicação das certificações internacionais Cambridge, executa uma nova proposta.
“Estamos preparando escolas, por meio da formação dos docentes, para qualificá-los para terem uma abordagem bilíngue”, explica a diretora, que utiliza o exemplo de uma instituição na qual, em 2017, iniciou a instrução de um pequeno grupo de professores; em 2018, essa formação será ampliada para docentes e lideranças na área educacional e, em 2019, a instituição estará pronta para atuação no bilinguismo, com a chancela de Cambridge.
“É preciso entender que a proficiência linguística demanda de tempo e que trabalhar planejamento e desenvolvimento pessoal desses professores não é algo que acontece de uma hora para outra”, reforça Fátima.
Sobre o crescimento do interesse tanto no ensino bilíngue quanto na educação internacional, Fátima evidencia um ciclo que acaba fluindo naturalmente. “Quando se investe no ensino de inglês, essa geração está chegando com níveis cada vez mais avançados do idioma e daí surge a pergunta ‘o que fazer para manter esse cenário?’ – é aí que entram os programas de high school dentro e fora do país, graduação no exterior, etc”.
Muito mais que vender livros
Com 45 anos de existência e impressionantes 400 mil alunos, a rede de idiomas CNA inovou mais uma vez em seus planos de ensino em outubro de 2017.
Com o lançamento nacional da plataforma CNA na Escola, o grupo passa a oferecer a toda sua rede nacional de franqueados um novo produto, com foco em uma sólida proposta de aplicação de ensino bilíngue em escolas de todo o Brasil.
“É essencial fugir dos modismos e do que chamo de ‘bilinguismo de prateleira’”, exemplifica o diretor Comercial do CNA, Eduardo Murin. “É pensando nisso que as unidades da plataforma CNA na Escola possuem uma vasta carga horária, com material didático todo renovado e recursos de trabalho e tecnologia para o ensino de idiomas”, diz. “São 14 passos que a escola deve atender para fazer parte da parceria com o CNA e, é claro, concordar com as premissas de qualidade”, ressalta.
Com a nova plataforma, o grupo oferece quatro modalidades de ensino. Com a Extra, o colégio leva um profissional do CNA para complementar o ensino; na Curricular, o grupo assume carga horária do ensino de idioma do colégio; com a Integral, além da curricular, há uma ampliação da carga horária no contra-turno focada nesse aprendizado. Por fim, a proposta Bilíngue intensifica toda a formação linguística em inglês dos alunos.
“A gente não vende livro, mas sim compromisso com a qualidade, solidez e com a ‘tecnologia humana’”, ressalta Murin ao exemplificar que o CNA disponibiliza, inclusive, um coordenador pedagógico de especialidades, sem onerar a folha de pagamento da instituição, para atuar nesse processo.
“No CNA na Escola, os alunos que chegarem ao nível avançado e forem aprovados na prova preparatória poderão prestar o exame para o certificado internacional FCE, de Cambridge, gratuitamente”, complementa.
O material didático e o bilinguismo
O gerente editorial de Idiomas da Editora FTD, Cayube Galas, ressalta o peso que o material didático assume na missão de formar esse aluno com habilidades para a vida – e não apenas curriculares.
“Em vez de apenas livros didáticos tradicionais, oferecemos materiais de formatos diversos, como pôsteres, encartes para recortar e montar, livros cuja capa é branca para ser personalizada pelo aluno”, cita.
De acordo com o gerente, as escolhas metodológicas de cada uma das peças é levada em conta no acompanhamento desses produtos.
“Os materiais são pensados, por exemplo, a partir da cultura maker, da resolução de problemas, levando em consideração habilidades socioemocionais – empatia, autonomia, capacidade de adaptação, controle das emoções, etc.”, diz.
Na visão de Galas, a inserção de uma proposta bilíngue exige da instituição intensa movimentação – seja no aumento de carga horária ou na implementação de metodologias ativas de ensino.
“É mandatório que a escola esteja disposta a incluir nos seus planos estratégias de ensino-aprendizagem, que subvertam o modelo das aulas expositivas”, finaliza.
Solução para implementação e manutenção
Com a entrega de chromebooks, formação gamificada de professores e orientação de coaching pedagógicos, o Educate Bilingual Program by Richmond tem a proposta de ser uma solução completa para escolas que queiram implementar ou aperfeiçoar essa proposta já em andamento.
O programa, que pertence ao Grupo Santillana, o qual também faz parte a Editora Moderna, foi lançado em meados do ano passado e passa a ser aplicado a 2,5 mil alunos, em instituições espalhadas pelo Brasil.
De acordo com o gerente de Negócios, Carlos Henrique Trindade, “o mercado que estamos investindo é aquele que vai trabalhar o inglês como meio, dentro da carga horária mínima de 10% do currículo total, mas não vai se fixar em matérias específicas, mas com temas que são conteúdos de várias disciplinas, por temas interdisciplinares”.
A escola pode trabalhar o restante do currículo normalmente, sem desestruturá-lo – e pode dizer que possui um programa de ensino bilíngue (e não que é uma escola bilíngue).
O gerente observa que existe uma demanda maior que a oferta de profissionais qualificados nesse segmento. “Não há no Brasil uma graduação focada no ensino bilíngue – seja ele qualquer – e temos poucos cursos de extensão na área, que têm aparecido apenas recentemente”, aponta.
Para Trindade, o sucesso do programa está relacionado ao oferecimento de estrutura e apoio pedagógico frequente e intenso às escolas, ao longo dos anos.
“O conceito utilizado é o de ser uma solução all inclusive, que vai propiciar à instituição um custo único – ela não tem que gastar nada além desse valor contratado”, salienta Trindade.
Sob o mesmo pacote, o Educate oferece certificação internacional para professores, alunos, formação contínua, assessoria de marketing, entre outras medidas.
O valor da autonomia
O idioma é, sim, parte integrante essencial dos requisitos para um aluno globalizado, porém, não é tudo. Esse é o pensamento do diretor de Inteligência Educacional da Conexia Experiências Educacionais, Luiz Magalhães Filho. “Há uma demanda muito grande pela autonomia, ou seja, para que esse aluno seja capaz de tomar decisões e busque o engajamento na construção do seu próprio conhecimento”, ressalta.
A Conexia é o novo hub de soluções educacionais do Grupo SEB, um dos maiores do país, que atua tanto na operação de 40 escolas próprias em todo o país quanto neste novo segmento. Lançada em 2017, a Conexia já atende cerca de 100 mil alunos em 220 escolas parcerias, mas todas as soluções que oferece nasceram das experiências de sucesso vividas nas operações próprias do SEB. Segundo Magalhães Filho, o hub prioriza cinco pilares de um “ecossistema” que considera fundamental: “Material didático, tanto curricular quanto bilíngue, tecnologia educacional, metodologias ativas, ensino a distância e gestão escolar − todos alicerçados por uma intensa formação continuada de professores”.
Quando se trata de educação bilingue, o diretor da Conexia acredita que o mercado precisa compreender os diferentes modelos de bilinguismo ofertados no mercado para poder tomar decisões mais assertivas. “Temos a Escola Internacional, que é bilíngue, mas pressupõe que o aluno já tenha conhecimento do idioma; a Educação Bilíngue, referente às escolas com currículo brasileiro e carga horária intensa em uma segunda língua, inclusive em aspectos do conteúdo curricular; e o Programa Bilíngue, como o oferecido pela Conexia, que ajuda a escola em um processo inicial de transformação cultural”. A solução comercializada pela Conexia conta com uma série de diferencias, completa Magalhães Filho. “Nosso material didático é desenvolvido para alunos não nativos, possuímos um inédito programa de certificação internacional e um amplo programa de formação de professores desenvolvidos pela Oxford University, além de oferecer o apoio de nossas inovadoras tecnologias educacionais, incluindo o LMS Scules by Mosyle, reconhecida plataforma de gestão da aprendizagem”, detalha.
Para o diretor, o conceito de aluno global exige, sobretudo, novas habilidades para além da fluência na língua estrangeira. “Não podemos ver a efervescente discussão sobre os desafios da nova não abraçar também a questão do bilinguismo. Acreditamos numa grande mudança de paradigma que envolve a escola como um todo: sair do foco no ensino para o da aprendizagem. A formação nas escolas brasileiras, até aqui, foi baseada no instrucionismo; hoje, tentamos entregar algo diferente, em consonância com as necessidades dos alunos do século XXI, especialmente por meio de metodologias ativas, com o apoio de tecnologia educacional de excelência e novas plataformas”, diz.
Pensando nessa visão prática e complementar da formação multicultural, a Escola Eleva, no Rio de Janeiro (RJ), insere em seu currículo a aula de Cidadania Global.
“Ela consiste em projetos e discussões que buscam o desenvolvimento do senso de comunidade – e que aborda desde os pequenos problemas e sala de aula até as questões mais amplas”, explica o diretor do Conselho Pedagógico da Escola Eleva, Márcio Cohen.
Com o início das operações em 2017, a unidade ampliou – de forma controlada – seu número de matriculados de 370 para 1050 alunos, em 2018.
Na unidade, o estudante assiste a uma parte da grade curricular em português e várias aulas totalmente em inglês: como educação física, public speaking, maker space, música, entre outras.
No Ensino Infantil, os alunos têm mais contato com a língua inglesa, no Ensino Fundamental, o contato entre inglês e português é equivalente e, no Ensino Médio, o estudante é capaz de optar por qual idioma deseja receber maior carga horária.
Por meio de parcerias, a Escola Eleva também incentiva a educação internacional.
“O bilinguismo é uma parte da equação, mas não significa que ela esteja completa: é necessário que o aluno tenha a capacidade de trabalhar em equipes multiculturais”, reforça Cohen.
Separar o joio do trigo
“Dentre os passos para uma escola fazer a seleção de um programa bilingue, o primeiro deles é saber diferenciar o trigo do joio, ou seja, identificar o que é um programa de qualidade de outros que estão apenas surfando na onda do bilinguismo – e que, certamente, vão cair da prancha!”, brinca a gerente Editorial da International School, Virginia Garcia.
Além dessa análise inicial, de acordo com a gerente, um dos grandes desafios está na formação dos professores para uma abordagem bilíngue de qualidade.
“É totalmente diferente a atuação do professor que leciona o inglês como uma matéria daquele que ensina o inglês como linguagem, numa proposta bilíngue”, pontua Virginia.
Com foco nessa dificuldade, a International School oferece uma área de formação exclusiva para os docentes. O programa contém etapas iniciais, em EAD e presenciais, além de um completo programa de formação continuada, com observação prática e workshops.
“Um de nossos maiores empecilhos é que não há uma regulamentação do Ministério da Educação (MEC) sobre bilinguismo no Brasil”, lamenta a gerente Editorial.
Para ela, é importante entender que a aplicação de um programa bilíngue está estritamente ligada a um processo de transformação. “A linguagem propõe transformar o estudante, desenvolvê-lo como cidadão ético, solidário e aberto à integração cultural, à aceitação – e não submissão – a uma nova cultura estrangeira”, ressalta.
Virginia acredita que, só assim, os programas vão transformar alunos, professores, escolas e, assim, causar impacto positivo na sociedade do século XXI.