NOTÍCIA

Edição 232

Tecnologia sozinha não substitui aprendizado

Encantamento com a máquina e falta de tempo e recursos afastam professores dos benefícios de aprendizado por meio da prototipagem

Publicado em 15/09/2016

por Carmen Guerreiro

fablab-livre-sp-2 Tentação a ser evitada: o fascínio da máquina, ou dos objetos por elas produzidos | © Divulgação/FabLab Livre/SP

Tentação a ser evitada: o fascínio da máquina, ou dos objetos por elas produzidos | © Divulgação/FabLab Livre/SP

Tentação a ser evitada: o fascínio da máquina, ou dos objetos por elas produzidos | © Divulgação/FabLab Livre/SP

Em sua dissertação de mestrado (Um processo para utilizar a tecnologia de impressão 3D na construção de instrumentos didáticos para o ensino de ciências), Leonardo de Conti Dias Aguiar aponta para a ausência de diretrizes que orientem o uso da impressão 3D na educação. “Parecem vê-la sem defeitos”, critica. Quando se fala de tecnologias educacionais, não é novidade observar que o encantamento pela máquina muitas vezes ofusca e se sobrepõe à sua real contribuição no processo de ensino-aprendizagem.
Para funcionar, no entanto, o trabalho em laboratórios de prototipagem (fab labs) deve fugir dessa glorificação que valoriza o meio – a ferramenta – em vez do fim – o aprendizado. “Isso iria desmistificar a perspectiva errônea que muitos professores têm, na qual se pensa que após o professor passar uma informação teórica, propõe aos seus alunos uma prática para comprovar o que foi dito”, analisam os pesquisadores Carla Camargo Reginaldo, Neusa John Sheid e Roque Ismael da Costa Güllich no artigo “O ensino de ciências e a experimentação”. O problema dessa mentalidade, segundo os autores, é a crença de que os estudantes vão para o laboratório deduzir algo já predeterminado, “como se a ciência fosse algo exato, neutro, incapaz de mudança”. Assim, existe apenas uma possibilidade de acerto, e o erro volta a ter um caráter negativo, ruim, deixando de ser parte essencial do processo, como acontece na prototipagem.
Um efeito colateral desse encantamento tecnológico é aderir ao tempo da máquina, não do processo de aprendizado. É o que aponta Fernando Almeida, professor de pós-graduação em Educação e Currículo da PUC-SP. Ele critica a busca por uma solução rápida de um problema sem que o aluno tenha tempo de compreender o processo. “E o jovem vai dizer: ‘se você testar isso aqui dá aquilo’, mas não se apropriar do algoritmo de compreensão do que significa mudança”, diz. Almeida constrói uma metáfora com o período de gravidez, lembrando que nenhuma tecnologia criada até hoje seria capaz de abreviar o tempo de desenvolvimento de um bebê. O mesmo acontece com o aprendizado: “Os processos cognitivos são auxiliados pelas simulações. No entanto, elas não substituem nem conseguem acelerar processos cognitivos que passam pela decantação assimilativa própria do tempo de aprendizagem”.
Paulo Blikstein, da Universidade Stanford, levanta a mesma questão ao definir a “síndrome do chaveiro”, observada por ele durante uma pesquisa. A proposta era criar protótipos de chaveiros, o que gerou grande animação dos alunos em produzir algo simples e bonito, e não em aprender o processo – logo já estavam falando de personalizar e vender chaveiros. Por isso, Blikstein lembra que a atividade de prototipagem deve ser complexa e extensa o suficiente para que o processo de aprendizado seja mais relevante do que o objeto produzido.

Ainda há despreparo

Existem obstáculos, no entanto, anteriores a este. Em seu mestrado, Aguiar aponta que os professores em geral concordam que a melhoria do ensino passa pelas atividades experimentais, porém raramente as realizam devido a vários motivos, como a falta de infraestrutura, recursos e tempo de planejamento. “Para superar alguns desses problemas, os professores improvisam aulas práticas e demonstrações com materiais do dia a dia, mas, muitas vezes, eles se desestimulam por causa de resultados alcançados parcialmente”, escreve. Carla, Neusa e Roque listam em sua pesquisa também “o tempo curricular, a insegurança em ministrar essas aulas e a falta de controle sobre um número grande de estudantes dentro de um espaço desafiador como o laboratório e a falta de formação inicial adequada para essas situações que envolvem o ensino experimental” como motivos para deixar atividades como a prototipagem de lado.
Essa questão não diz respeito apenas aos professores, mas às instituições. César Fava, consultor de tecnologia para instituições de ensino, coordena o Seminário de Tecnologia do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo), que reúne os principais assuntos da educação para os gestores das instituições. A partir dessa experiência e do contato com diretores de escolas que oferecem ensino médio, ele acredita que a maior parte das instituições não está preparada para implementar a prototipagem em toda a sua potencialidade. “Como coloco esses conceitos dentro da minha instituição? Como eu preparo essa instituição? Eu tenho o amparo do meu corpo docente para fazer a entrega qualitativa desse recurso?”, ele questiona. “As instituições estão fazendo investimentos, têm dado muita atenção a esse ponto, mas ainda não é algo consolidado.”
Em relação à falta de tempo de planejamento e execução das atividades de prototipagem, já que os turnos são limitados e existe um currículo básico a ser cumprido, especialistas têm sugerido soluções. De fato, as aulas que envolvem prototipagem não podem ser feitas às pressas: o processo envolve diversas etapas que exigem tempo de assimilação, como defendeu Almeida. Além disso, ao prever o erro como parte da atividade, é necessário que haja tempo para corrigir a rota e testar novamente (e mais outras vezes, se preciso). Aguiar aponta que professores podem usar propostas e modelos prontos na internet e compartilhar os resultados para que mais educadores tenham acesso ao trabalho, por exemplo, o que economiza bastante tempo de planejamento. Outra solução, apontada por Blik­stein, envolve mudanças mais estruturais: ele defende a importância de saber do que abrir mão de ensinar, considerando o limite de tempo e de currículo. “O que estamos preparados para deixar de lado e quais novas coisas queremos ensinar?”

Autor

Carmen Guerreiro


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