Os bonequinhos de Rithy Panh: se partimos da ideia de um mundo ideal, por que não moldar os seres humanos?
Como é possível representar o horror de uma guerra na tela? De que maneira o realizador consegue levar ao público não só as batalhas e os heróis, mas a vida das pessoas comuns atingidas pela destruição e pelo sofrimento?
O “filme de guerra” é um gênero cinematográfico que guarda algumas similaridades com o “western”, o primeiro grande “tema” do cinema americano. Não há uma definição estrita sobre o que é um “filme de guerra”, podendo se desdobrar em subgêneros como “filmes de fuga” ou “filmes de submarino”, assim como sátiras – basta lembrar de O grande ditador de Charles Chaplin. Convencionou-se dizer que o gênero tem início com filmes sobre a Primeira Guerra Mundial.
A guerra sempre foi um tema preferencial do cinema, especialmente do americano. É possível dizer que são os “vencedores” contando sua história, como nos inúmeros filmes sobre a Segunda Guerra Mundial ou mesmo sobre a Guerra da Secessão, mas, por outro lado, a Guerra do Vietnã, em que os americanos saíram como perdedores, rendeu igualmente uma grande quantidade de obras – muitas das quais críticas sobre a própria ideia da guerra.
Se no século 21 a guerra é feita de drones e lobos solitários alvejando civis, no século 20 o horror dos conflitos era em grande parte patrocinado pelos Estados combatendo inimigos ideológicos – reais ou imaginários. A imagem que falta, filme cambojano de 2013, aborda a tomada de poder do Khmer Vermelho capitaneada por Pol Pot. De 1975 a 1979, o regime de inspiração comunista, baseado no desprezo aos intelectuais e em qualquer tipo de posse material, custou a vida de cerca de dois milhões de pessoas, grande parte morta de fome nos campos de trabalhos forçados.
O diretor Rithy Panh tinha 13 anos quando foi levado, junto com a família, para um campo de arroz. Fotos, livros, roupas e brinquedos ficaram para trás. A capital, Phnom Pehn, foi quase que totalmente esvaziada pelo novo governo. As escolas se tornaram centros de execução. Como o narrador diz sobre o êxodo da cidade, então com três milhões de habitantes: “A revolução é tão pura que não deseja seres humanos”.
No filme, as memórias são encenadas utilizando bonequinhos de argila, que se intercalam com imagens de arquivo, a maioria de propaganda do governo. Se o novo homem poderia ser moldado pelo regime, por que não moldar em barro as imagens perdidas, que, apesar do horror, sobreviveram no pensamento?
Filmoteca
As imagens da guerra não se restringem aos campos da batalha. A vida de pessoas comuns e as consequências dos conflitos no íntimo dos sobreviventes são matéria-prima de obras que refletiram sobre o século 20.
Alemanha, ano zero (1948)
Berlim, destruída pelos bombardeios ao final da Segunda Guerra Mundial, é o cenário da obra do diretor italiano Roberto Rosselini. Como era praxe no neorrealismo, utiliza atores amadores e imagens não ficcionais da destruição causada pela guerra. O fio condutor é Edmund, um garoto que perambula pelas ruas em ruínas tentando arrumar algum dinheiro.
O franco-atirador (1978)
As consequências da guerra na vida de três amigos de uma pequena cidade industrial americana que se alistam para lutar no Vietnã. Dirigido por Michael Cimino, morto em julho, se aprofunda na maneira com que os traumas se manifestam nos indivíduos que viveram a experiência da guerra – como praticar a roleta-russa tal qual um esporte macabro.
Além da Linha Vermelha (1998)
Dirigido por Terrence Malick e tido como um dos melhores filmes de guerra contemporâneos, acompanha o avanço do exército americano, no Pacífico Sul, em momento-chave da Segunda Guerra. Mais do que mostrar os combates, se volta ao interior dos personagens e procura retratar o sentido de permanência da natureza ao redor.
Cartas de Iwo Jima (2006)
Clint Eastwood mostra o ponto de vista japonês a respeito da batalha de Iwo Jima, ocorrida na ilha de mesmo nome no Pacífico durante a Segunda Guerra. Realizado com A conquista da honra, que retrata o lado americano da história, é falado em japonês. Concentra-se em questões como a honra e a humanidade enquanto soldados esperam a morte.
O ato de matar (2012)
Dirigido por Joshua Oppenheimer, recria – por meio de gêneros cinematográficos variados – execuções ocorridas na Indonésia na década de 1960, como reação à tentativa de um golpe comunista, quando mais de um milhão de pessoas morreram em dois anos. Um personagem real, Anwar Congo, calcula ter matado mais de mil pessoas.