NOTÍCIA
Parcerias entre instituições de ensino superior e empresas públicas ou privadas mostram bons resultados na oferta de novos cursos
por Paulo Franco
Imagine a rotina de um hospital em pleno funcionamento e acrescente os imprevistos que vão surgindo ao longo do dia, como a pane em uma ambulância e a consequente impossibilidade de prestar pronto atendimento nas ruas. Agora, pense nos responsáveis por administrar a complexidade desses processos. Além de conhecer profundamente a área da saúde, eles devem ter um excelente preparo como administradores para executar planejamentos, coordenar equipes e gerenciar – ou ao menos supervisionar – as operações financeiras dos setores sob sua coordenação.
Como acontece em muitos segmentos, a contratação de profissionais habilitados em todas essas frentes é um desafio para as instituições da área da saúde. Foi pensando em sanar essa dificuldade que o Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, entrou em contato com a Universidade Metodista de São Paulo, de São Bernardo, para criar um curso de graduação em gestão hospitalar. “A formação é totalmente a distância. São três anos de duração, com quatro disciplinas em cada semestre. Os alunos, que podem ser de dentro ou fora do Instituto, só precisam ir a um lugar físico duas vezes por período para fazer as provas”, explica Airton Viriato, coordenador do curso.
A opção pela Metodista se baseou em aspectos como a presença de polos educacionais em várias partes do país – o que facilita o acesso dos estudantes – e a oferta de toda a infraestrutura necessária para o ensino a distância, como estúdios, bibliotecas e material pedagógico. As disciplinas abrangem a rotina de todos os setores de um hospital: administrativo, técnico, hotelaria, manutenção de equipamento, sustentabilidade, finanças, material e patrimônio. “Para a seleção dos professores, buscamos o equilíbrio entre as áreas. Um deles foi escolhido por nós e os demais pela universidade”, informa Viriato.
O acordo de cooperação educacional entre a Metodista e o Emilio Ribas inclui também a pós-graduação lato sensu em administração hospitalar. “O lato sensu começou em agosto de 2014 e vai formar a primeira turma no final de fevereiro de 2016. São aulas presenciais a cada 15 dias e sempre aos sábados. Já temos três turmas em andamento”, diz o coordenador.
Exclusivo para funcionários
Outro modelo de parceria foi implantado pela Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, que tem mais de 80 associados e representação em cerca de 20 países. Nesse caso, o objetivo da entidade foi aprimorar o time de lideranças com um curso de MBA oferecido apenas aos funcionários. O diretor de recursos humanos da entidade, Márcio Oliveira, diz que além do conteúdo tradicional de comércio exterior e relações internacionais, o programa “incluiu disciplinas específicas voltadas ao comércio com o mundo árabe, como questões sociopolíticas e religiosas”.
A Câmara Árabe escolheu as Faculdades Integradas Rio Branco como instituição parceira, trabalhando em sistema colaborativo durante três meses para conceber o currículo do curso, cuja primeira turma se formou em 2015.
Para o professor de direito e especialista na área de educação Edgar Jacobs, parcerias como essas melhoram a dinâmica do ensino superior. “A oferta se adapta à demanda e isso pode trazer resultados muito positivos. Se alguém tem uma expertise diferente, ela tem de ser aproveitada”, avalia.
Além de parcerias como as estabelecidas pela Metodista e pela Rio Branco, as instituições de ensino superior podem ainda se unir para formar convênios na área da educação. Segundo Jacobs, um bom exemplo desse modelo de atuação é a Redemat, grupo criado em 1995 pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e a Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) para oferecer pós-graduação e cursos de especialização em engenharia de materiais. “Elas reuniram o que cada uma tem de melhor. O aluno tem professores de várias instituições, que mantêm sua autonomia. É misturar sem diluir”, resume o professor.
Cuidados
Toda parceria requer atenção por parte dos envolvidos. Na área da educação, o ponto mais sensível é a qualificação dos professores, como enfatiza Edman Altheman, diretor das Faculdades Integradas Rio Branco. “Em caso de pós-graduação ou especialização, os alunos já trabalham na área e têm um certo grau de conhecimento. Se você não tiver especialistas em cada disciplina, os estudantes podem se sentir lesados”, alerta.
Outro fator que precisa ficar claro é o escopo do curso. O programa não pode ser pensado para atender exclusivamente às demandas da empresa parceira. “Temos de formar o aluno para o mercado, assim ele adquire uma empregabilidade maior”, explica Altheman. Os professores também devem fazer o estudante separar o papel que exerce dentro da empresa das atividades em aula. No ambiente de ensino, todos são iguais, independentemente da hierarquia na instituição em que trabalham.
Jacobs acrescenta ainda a importância de esclarecer ao público quem tem a responsabilidade acadêmica da parceria, quem emite o certificado, seleciona os professores e faz a supervisão.
Tendo esses e outros cuidados respeitados, o saldo é de benefícios para todos os envolvidos. Márcio Oliveira, da Câmara Árabe, afirma que todo o conhecimento adquirido pelos alunos no curso agora está sendo aplicado dentro da instituição. “Esse conteúdo ficou registrado e tem um impacto direto no desenvolvimento do negócio”, afirma. E embora a formação de turmas com vários funcionários da mesma organização não fortaleça o networking, há um ganho de relacionamento interno favorável para a empresa. “O trabalho em equipe se fortalece à medida que o curso avança e as relações internas melhoram”, complementa.
Já o diretor da Rio Branco ressalta as vantagens do custo-benefício para as organizações que demandam profisionais com formação específica. “Se alguma empresa estiver na dúvida entre fazer ou não uma parceria, faça.” Para ele, muita gente não quer investir no funcionário por temer que ele peça demissão depois do curso e o investimento fique sem “retorno”. “A empresa que promove a capacitação fica bem-vista. O funcionário pode até sair, mas vai querer voltar um dia e estará mais qualificado”, acredita Altheman.
Depois da experiência in company, o próximo passo é lançar um segundo programa voltado aos parceiros da Câmara Árabe. “Vamos mexer no conceito, tirar umas disciplinas de gestão de pessoas e focar em relações internacionais e comércio exterior. Esse curso deve ter 24 meses de duração”, adianta. A instituição de ensino também quer ampliar as parcerias com outras entidades e já iniciou conversas com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Atuação expandida
No caso da parceria entre o Emilio Ribas e a Metodista, a universidade ganhou experiência em gestão pública, o que poderá ser aproveitado em outros de seus cursos. “Saúde e educação andam sempre juntas. Todos somos gestores e todos somos professores”, afirma Airton Viriato. Para ele, os benefícios serão os frutos colhidos após a graduação, quando o formando tiver maior conhecimento dos setores e maior desenvoltura em seu trabalho. “Conhecendo todos os serviços do hospital, você agiliza processos e elabora projetos. O que era lento e burocrático passa a ser ágil e resolutivo”, acrescenta.
Outra vantagem das parcerias é a divisão do custo entre os envolvidos. No caso do curso de gestão de lideranças, a Câmara Árabe arcou com 1/3, a Rio Branco com mais 1/3 e o terço restante foi pago pelo aluno. “No final, todos ganharam: a faculdade agregou uma experiência de aulas in company, a Câmara investiu no desenvolvimento de lideranças internas e os alunos se valorizaram no mercado. Esse ganha-ganha é que viabilizou o programa”, explica Marcio Oliveira.
Para o curso de gestão hospitalar, a Universidade Metodista conseguiu oferecer desconto de 20% aos funcionários do Emilio Ribas. “A mensalidade caiu de R$ 357 para cerca de R$ 290. Esperamos conseguir manter esse valor nas próximas turmas”, almeja Viriato.
O que diz o MEC |
O Ministério da Educação não impõe regras específicas para as parcerias, mas quando uma IES deseja abrir um novo curso presencial, deve pedir autorização para tal. Na análise, o MEC avalia a organização didático-pedagógica, os corpos docente e técnico-administrativo e as instalações físicas. Quando a primeira turma do novo curso completa entre 50% e 75% de sua carga horária, a instituição deve solicitar o reconhecimento junto ao Ministério. É feita então uma segunda avaliação para verificar se foi cumprido o projeto apresentado para autorização. O reconhecimento de curso é condição para a validade dos diplomas emitidos. A duração mínima de 360 horas vale para cursos de pós-graduação lato sensu e, ao final, o aluno recebe um certificado, e não um diploma. O corpo docente deve ter professores especialistas, sendo que pelo menos 50% deverão ter título de mestre ou doutor. Os cursos de especialização em nível de pós-graduação lato sensu presenciais independem de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento. Para iniciar a oferta de um curso superior na modalidade a distância, as regras são as mesmas, mas a instituição precisa ser credenciada pelo MEC. Já os cursos de graduação seguem as diretrizes curriculares do Conselho Nacional de Educação e o processo de abertura de um curso deve seguir a portaria normativa nº 40/2007. De acordo com ela, após a autorização do curso, a instituição compromete-se a observar, no mínimo, o padrão de qualidade e as condições em que se deu a autorização, as quais serão verificadas por ocasião do reconhecimento e das renovações de reconhecimento. Universidades e centros universitários, que são instituições com autonomia, não precisam pedir autorização para novos cursos (exceto nas áreas de medicina, odontologia, psicologia e direito), apenas o reconhecimento do MEC. |