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ESPECIAL CRISE / GESTÃO FINANCEIRA | Edição 205 Em ano difícil, IES adotam estratégias para navegar na turbulência econômica: enxugam custos, investem mais em EAD e tentam conter a evasão, mostrando aos alunos que o mais importante agora é continuar estudando por Raquel Marçal […]
ESPECIAL CRISE / GESTÃO FINANCEIRA | Edição 205
Em ano difícil, IES adotam estratégias para navegar na turbulência econômica: enxugam custos, investem mais em EAD e tentam conter a evasão, mostrando aos alunos que o mais importante agora é continuar estudando
por Raquel Marçal
Mesmo antes de o ano começar, as instituições de ensino superior já sabiam: 2015 seria complicado. E foi. As mudanças repentinas no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), anunciadas nos últimos dias de 2014, obrigaram instituições a refazer contas e já se preparar para o que viria pela frente. Nos meses seguintes, o que se viu foi o número de contratos do Fies despencar mais de 40% em comparação ao ano anterior, como revelado pelo Mapa do Ensino Superior no Brasil, pesquisa nacional realizada pelo Semesp. Os números da entidade ainda mostraram queda de 30%, aproximadamente, nas inscrições no vestibular do 2º semestre em relação ao mesmo período de 2014.
A inadimplência também aumentou. A Serasa Experian registrou um incremento de 22% no número de universitários que não conseguiram pagar a mensalidade nos seis primeiros meses do ano. Reflexo do salto no desemprego, que atinge especialmente a faixa etária de 18 a 24 anos. Em algumas instituições os calotes foram maiores. “Nossa inadimplência aumentou 32%”, revela Alexandre Nunes Theodoro, superintendente da Faesa, em Vitória (ES).
Com 8 mil alunos na graduação, a instituição capixaba refez todo o planejamento anual para apagar o incêndio. Com as despesas revistas – valeu até negociar descontos com o provedor de internet –, o orçamento total do 2º semestre acabou reduzido em 18% em relação ao da primeira metade do ano. “Recuamos em investimentos, olhamos para cada centavo que entrou e que saiu e fizemos ajustes sem perder qualidade na sala de aula. O desafio foi enorme, mas terminamos o ano em uma situação razoável”, afirma Theodoro. Por causa do aperto, a comunicação da faculdade migrou das mídias tradicionais para a digital, como as redes sociais, que saíram mais em conta. Outra medida envolveu o uso dos laboratórios. Intervalos longos entre as aulas foram eliminados para evitar que equipamentos tivessem de permanecer ligados – e consumindo energia – sem necessidade. Mas o maior refresco veio da reorganização de cargas horárias.
Nas engenharias, por exemplo, havia um problema: nos períodos iniciais dos cursos, as salas do turno da manhã estavam sempre cheias, mas, à medida que os alunos avançavam, e conquistavam estágios no horário comercial, as aulas matutinas ficavam quase às moscas. Na luta para melhorar a eficiência, as disciplinas comuns aos seis cursos da faculdade passaram a se concentrar na grade do primeiro ao quinto períodos, fase em que há menos vagas de estágio disponíveis. Já as matérias específicas de cada especialidade (mecânica, civil, de produção etc.) agora são ofertadas somente no turno da noite.
Além disso, matérias como sociologia e economia, comuns a vários cursos, passaram a ser dadas na modalidade a distância, uma mudança aplicada a 19 dos 33 cursos da instituição. Resultado: 2,5 mil alunos a menos ocupando o espaço físico dos dois campi. Já nos três cursos das áreas da saúde (enfermagem, odontologia e psicologia), a carga horária de estágio obrigatório supervisionado caiu de 4 horas para 3 horas semanais. Para compensar a hora a menos em campo, os estudantes fazem discussões sobre a prática clínica em sala. A atividade demanda a presença de apenas um professor, enquanto nos atendimentos é preciso ter um professor para cada cinco alunos. Com todos esses ajustes, foi possível diminuir a carga horária semanal de docentes em 10%.
Quem também apertou o cinto foi o Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos (Unifeob), de São João da Boa Vista (SP). A instituição criou comitês de gestão com metas de redução de despesas com energia elétrica, água, viagens, transporte e cópias de documentos. A tesoura chegou também à biblioteca. Para economizar na aquisição de acervo impresso, foram feitas assinaturas das bibliotecas digitais da Saraiva e da Pearson. Outras medidas importantes incluem a junção de turmas com menos de 30 alunos e a integração de disciplinas comuns a vários cursos, de modo que estudantes de cursos diferentes passaram a assistir juntos às aulas.
Ajustes generalizados
Nem as gigantes do setor escaparam das medidas de austeridade. A Anima Educação é uma delas. O grupo repactuou 12 contratos de aluguel e chamou cada um dos fornecedores para buscar oportunidades de redução de custos. Por causa do menor número de ingressantes no 2º semestre, professores acabaram dispensados e as aulas ficaram concentradas em menos docentes. Para melhorar o aproveitamento dos espaços de aulas, um comitê criado especialmente para a missão analisou a oferta de turnos e concentrou alguns cursos em menos campi, gerando economia com aluguéis, pessoal, limpeza, água e energia elétrica.
A partir do 2º semestre, o grupo passou a oferecer mais vagas para o ProUni (bolsas parciais de 50%) direcionados para cursos, campi e turnos onde havia ociosidade nas salas de aula. “É uma base de alunos a que dificilmente teríamos acesso, que vem academicamente robusta, porque passa por toda a seleção do ProUni, mas que não se matricularia em nossas instituições por falta de condições de pagar o tíquete. Conseguimos ter acesso a essa base de alunos e completar a sala de aula”, disse Gabriel Ribeiro, diretor financeiro (CFO) da Anima, durante a apresentação dos resultados do 3º trimestre de 2015. O impacto dessas medidas será contabilizado nos resultados do 4º trimestre.
Contratos com aluguéis foram revistos também na Estácio, que ainda registrou uma boa economia nos desembolsos com material didático: o aumento da utilização de livros próprios, da migração para o formato digital e da melhor gestão do estoque se traduziu numa redução de 26,6% nas despesas dessa área. O efeito positivo pode ser notado na divulgação dos resultados do terceiro trimestre de 2015, em novembro.
De capital aberto, a instituição registrou aumento de 5,8% na captação de estudantes de graduação presencial no 3º trimestre de 2015. A taxa de renovação de matrículas da graduação presencial no período chegou a 87,4% da base renovável, apenas 1,2% menor do que no mesmo período de 2014, quando a bomba do Fies não tinha estourado. A instituição conseguiu segurar até quem contava com o crédito do governo, mas ficou na mão, oferecendo renegociação de dívidas e prazos mais longos. O aumento foi mais expressivo no EAD, cuja captação na graduação saltou 20,4% no 3º trimestre de 2015 frente a 2014. A tecnologia passou a ser mais usada inclusive nos cursos presenciais. “Isso barateia o curso, sem perda de conteúdo”, frisa Erico Ribeiro, diretor da regional Sul da Estácio. O EAD tem tíquete médio de R$ 160,10, enquanto o valor do presencial é de R$ 588,40.
Serviços customizados
Além de investir na captação de novos alunos, a Estácio vê outra boa opção para engordar as receitas: os cursos corporativos sob demanda, alternativa que ao menos por lá segue aquecida apesar da crise. “Muitas empresas tinham centros de treinamento próprio e na crise diminuíram esses centros e criaram oportunidades para nós”, diz Ribeiro. “Temos professores, salas de aula, plataforma on-line. Dá para fazer várias parcerias não só no ambiente da graduação, mestrado e doutorado, mas também na oferta de cursos customizados”, ressalta. A Estácio Soluções Corporativas tem mais de 30 clientes, entre eles a Natura, o laboratório Aché e o Comitê Rio 2016, para o qual treinou mais de 120 mil voluntários que vão trabalhar nos Jogos Olímpicos de 2016. Novos contratos foram fechados em 2015 e, para 2016 há outros em fase de negociação.
Aposta na EAD
A necessidade de fazer o custo da faculdade caber no bolso do estudante pode mudar a tendência verificada entre 2010 e 2015, quando a taxa de crescimento do ensino presencial dobrou, ao mesmo tempo que diminuiu a da EAD. Apesar de mais acessíveis, os cursos a distância sempre apresentaram altos números de evasão, um desestímulo para as universidades ofertarem mais opções. A realidade agora é outra. Na Anima Educação, por exemplo, o projeto é crescer rápido no ensino a distância, que entrou em operação neste ano. Foram ofertados apenas seis cursos de graduação e quatro de pós-graduação, mas para 2016 o portfólio será ampliado com quatro novos cursos de graduação, sete novos de pós-graduação, além de dez híbridos, com atividades presenciais e a distância.
Na Unifeob, a estreia do EAD estava mesmo marcada para 2015, mas a crise fez a instituição aumentar suas apostas para atender alunos com orçamento mais apertado. Enquanto o tíquete médio de um curso de graduação presencial na instituição é R$ 800, o do EAD será de R$ 300. “O plano era lançar 10 cursos, seis de graduação e quatro de pós, mas aumentamos para 30 cursos, 15 de cada”, diz Carlos Guisasola, pró-reitor administrativo. Além disso, começará a funcionar um modelo híbrido de graduação, com três noites de aulas presenciais e duas noites a distância, utilizando todo o limite de 20% de disciplinas a distância em todos os cursos presenciais, com exceção de arquitetura, agronomia e engenharia civil.
Com os novos programas, autorizados pelo MEC no final de novembro, a universidade espera atrair 3 mil novos alunos em 2016, aumentando em 50% sua base atual de 6 mil alunos – e reduzir em 10% a folha de pagamento de docentes. A plataforma on-line foi estendida ao programa de nivelamento, disponível gratuitamente para estudantes que precisam de reforço em disciplinas como matemática, português, história, química e biologia. “Essas aulas de reforço apresentavam um alto custo e não atingiam todos os alunos por causa do horário. As salas ficavam ociosas e o objetivo de ajudar o estudante não era alcançado”, diz Guisasola.
Na Faculdade Projeção, que tem 12 mil alunos no Distrito Federal, crescimento também é o mote para o próximo ano. Ajustes, claro, tiveram de ser feitos. “No planejamento de 2016, cada gestor teve de cortar entre 20% e 30% do orçamento”, explica o diretor acadêmico José Sérgio de Jesus. A verba de eventos, por exemplo, chegou a encolher 40% com cortes em lanches, transporte e confecção de camisetas. Mas mesmo com um orçamento mais enxuto, as equipes de captação estão sendo reforçadas. “Achamos melhor não fazer cortes na essência do negócio. Não cortamos pessoal, por exemplo. Temos até contratado”, diz José Sérgio. “Criamos uma agenda mais positiva em vez de nos deixarmos contaminar pelo pessimismo. A crise é algo que passa”, finaliza.
Inadimplência e retenção |
Para lidar com a inadimplência, a ordem na Faesa tem sido buscar formas de ajudar a quem sempre foi bom pagador, mas agora está em dificuldade. Estes puderam renegociar prazos e jogar parcelas mais para a frente. “Temos de sentar com o aluno e perguntar o que podemos fazer, mostrar que é nesta hora que ele precisa se qualificar para ocupar os melhores lugares quando a crise passar”, diz o superintendente. O mesmo argumento é reforçado para os estudantes do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos (Unifeob), em São João da Boa Vista (SP), onde foi criado um setor de fidelização para conter a debandada de alunos. Em reuniões individuais de até uma hora e meia, às vezes com os pais junto, conselheiros falam da importância de investir na educação. “Contamos que ele vai ter retorno, um aumento de 20% a 25% no salário dele. Está fazendo efeito e temos conseguindo reter alunos que tinham a intenção de parar de estudar”, diz Carlos Guisasola, pró-reitor administrativo. Para gerar receita, e chegar ao final do ano com o caixa equilibrado, a Estácio também optou pela estratégia de investir na captação e retenção de alunos – e mostrar que é possível estudar mesmo em tempos bicudos. A campanha “Compromisso Estácio”, lançada em 2015, foi fundamental na avaliação dos gestores. Além de ressaltar pontos fortes da instituição, focou o financiamento PraValer, da Ideal Invest, e o Seguro Educacional, que permite ao estudante deixar de pagar até um determinado valor se ele ou o responsável financeiro indicado em contrato ficar desempregado. |