NOTÍCIA
Comer bem é algo que se aprende (também) na escola. Segundo especialistas, ponto de partida é darmos - nós, os adultos - o exemplo
Gustavo Morita
A escola deve dar bronca nos pais por uma lancheira com guloseimas? A questão ganhou o noticiário nos Estados Unidos em janeiro, quando um médico se negou a assinar o bilhete de uma professora que criticava o almoço levado por sua filha. Segundo a professora, a refeição incluía barras de chocolate, marshmallows, biscoitos e picles. O pai respondeu via redes sociais, dizendo que o almoço enviado não se resumia a isso – incluía também pedaços de presunto e queijo – e classificando a atitude da professora como invasiva.
A advogada Diana Arruda, de São Paulo, também relata alguns problemas com a escola particular em que está matriculado seu filho de quatro anos, mas por outros motivos. “Sempre fiz questão de uma escola com alimentação saudável”, conta. Quando descobriu que o cardápio incluía salsicha, ela fez sua primeira queixa à direção e foi atendida: o embutido deixou de ser servido. Depois, enfrentou problemas com as “sextas-feiras livres”, em que as crianças podem levar lanche de casa. “Toda sexta havia refrigerante, salgadinho, bolo industrializado. Meu filho dizia que não queria jantar porque tinha comido essas coisas na escola.” Diana reclamou e novamente foi atendida: a escola passou a pedir que os lanches fossem mandados dentro de um cardápio definido.
Para a nutricionista Patricia Grantham, que trabalha com escolas de educação infantil no Rio de Janeiro, entregar aos pais uma lista com sugestões de lanches saudáveis é realmente uma boa saída. “No caso de escolas que dão a opção de levar lancheira, é uma ação que organiza e facilita o dia a dia familiar, além de estimular uma mudança de hábitos”, afirma. Contudo, não cabe à escola proibir que a criança coma os alimentos escolhidos pela família, e sim buscar uma estratégia para estimular lanches mais saudáveis. “Caso a criança tenha uma reação muito negativa, vale combinar com ela o envio de dois ou três alimentos saudáveis e uma guloseima. Nesse caso, minha orientação será aos poucos diminuir a frequência da guloseima até que não haja mais necessidade dela.”
Outro elemento que tende a incentivar a mudança de hábito entre as crianças é a influência do grupo, explica Patricia. Sentar à mesa ao lado de crianças que aceitam uma determinada refeição é um estímulo para que a criança experimente novos sabores. O grupo tende a agir positivamente também no caso de crianças que têm alguma restrição alimentar. Quando a escola se pauta pela inclusão, diz a nutricionista, é comum ver as crianças cuidando umas das outras, prestando atenção para que o colega não coma algo que poderá lhe fazer mal.
Alimentação e meio ambiente | |
O projeto Alimentação Saudável e Sustentabilidade, desenvolvido no CEI Conjunto Prestes Maia, na zona leste de São Paulo, busca incentivar o aproveitamento integral dos alimentos. O objetivo é estimular, ao mesmo tempo, a alimentação saudável e a redução do desperdício. “A ideia é aprimorar o olhar sobre a questão da sustentabilidade, da repercussão da nossa alimentação no meio ambiente. Envolve colocar no prato o que você realmente vai comer”, afirma a diretora da instituição, Maria da Paz Souza Santana. Para passar da teoria à prática, foram criadas receitas que aproveitam partes nutritivas dos alimentos que muitas vezes jogamos fora – como, por exemplo, a casca da melancia, aproveitada em receitas como a de arroz vegetariano, e a casca de banana, que entra no preparo de um bolo. As receitas foram reunidas em um livro, entregue aos pais. Outra ação foi criar uma horta didática, que recebe sobras de alimentos para compostagem e onde as crianças aprendem sobre o ciclo de produção de alimentos. Maria conta que as crianças também participam de oficinas sensoriais. “É importante, por exemplo, não mostrar apenas a fruta descascada e cortada para ser servida, mas também in natura.” A diretora faz questão de destacar a importância de ver a alimentação como parte do direito da criança a um desenvolvimento saudável. “É importante pensarmos também na prevenção de doenças na vida adulta, como hipertensão e diabetes. Uma criança saudável na educação infantil será um estudante mais saudável no Ensino Fundamental, depois no Ensino Médio e assim por diante.”
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Questão de exemplo
O estímulo à alimentação saudável deve envolver os familiares, destaca Liliane Bittencourt, doutora em saúde coletiva e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). “Não adianta trabalhar apenas com as crianças se a rede social da qual ela faz parte tem hábitos opostos. Por mais que as crianças sejam ótimas multiplicadoras e consigam envolver a família, é muito injusto que elas tenham que assumir essa responsabilidade, pois o cuidado com as crianças é papel dos adultos”, afirma. “Um dos principais problemas é a referência. Não adianta dizer para a criança que é bom comer fígado e você rejeitar o fígado na frente dela.”
Patricia Grantham aponta mais alguns erros que os adultos cometem em relação à alimentação das crianças, como distraí-las com a televisão enquanto alguém leva a colher à sua boca, apresentar guloseimas como prêmios, fazer ameaças do tipo “você não vai brincar se não comer” e usar o medo como estratégia (falando que há um “monstro” no ambiente, por exemplo). Para incluir a família no trabalho de educação alimentar, a nutricionista conta que realiza palestras e encontros com os pais para discutir a alimentação infantil em casa e na escola.
A advogada Diana Arruda conta que não se sentia sozinha em suas reclamações nas reuniões de pais. “Embora alguns façam cara feia e digam que é exagero, muitos outros apoiam. Sinto a diretora preocupada com o tema e disposta a ouvir. Acho que tem crescido a preocupação com a alimentação nas escolas.” Patricia diz que são muitos os casos de famílias que, além da busca por um bom trabalho pedagógico, procuram uma escola também com “a expectativa de introduzir ou modificar hábitos alimentares, muitas vezes não adequados”.
Comer mal afeta o aprendizado?
Segundo Patricia e a professora Liliane Bittencourt, a alimentação pode, sim, afetar a maneira como uma criança aprende. “Não é algo mágico, mas lógico”, explica Liliane. “O alimento saudável faz com que o organismo da criança funcione adequadamente. Ele permite o desenvolvimento adequado em termos físicos, emocionais e, consequentemente, cognitivos. Os alimentos que não são saudáveis levam a problemas de saúde, que tornam a criança menos ativa, mais cansada e mais dispersa.”
A relação direta entre alimentação e aprendizado aparece em resultados e pressupostos de pesquisas na área de nutrição. Para exemplificar, Patricia Grantham cita dois artigos que descrevem estudos de observação de hábitos alimentares na escola: Influências da Alimentação na Aprendizagem e A Alimentação no Processo de Aprendizagem.
Carne é essencial? | |
Chegamos ao CEI Lar de Crianças Ananda Marga, na zona norte de São Paulo, bem na hora do almoço. Os pratinhos coloridos recebiam, cada um, sua porção de macarrão à bolonhesa com proteína de soja e de salada de beterraba com tomate. A maior parte das crianças raspou o prato. Mantida pela ONG internacional Ananda Marga Equipe de Auxílio Universal (Amurt-Amurtel) e conveniada à Prefeitura de São Paulo, a instituição oferece às crianças e aos funcionários refeições vegetarianas. Além das carnes, o ovo também não entra no cardápio. E há restrição a alguns outros alimentos que, segundo a filosofia seguida pela ONG, não são benéficos à mente, como o alho e a cebola. O CEI Lar de Crianças Ananda Marga também oferece às crianças massagens e ioga. A ONG Amurt-Amurtel segue a filosofia do neo-humanismo, que entende a busca por saúde e equilíbrio como um princípio que envolve todos os seres vivos. No vídeo a seguir, a economista filipina Didi Jaya, que coordena o CEI, e a cozinheira Erinete Monteiro falam sobre a alimentação servida às crianças atendidas pela creche.
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