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ENSAIO | Edição 196 Para além do abalo econômico, as mudanças na concessão do financiamento estudantil implicam alterações na regulação a médio prazo por Thiago Francisco O ambiente complexo da educação superior foi pego de surpresa com a promulgação dos instrumentos legais que legitimam alterações […]
ENSAIO | Edição 196
Para além do abalo econômico, as mudanças na concessão do financiamento estudantil implicam alterações na regulação a médio prazo
por Thiago Francisco
O ambiente complexo da educação superior foi pego de surpresa com a promulgação dos instrumentos legais que legitimam alterações no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e requisitam uma nota mínima de 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para que os estudantes possam pleitear o crédito. Em tese, o que foi percebido pelo segmento como proposição de um impacto econômico, na verdade, é o cabedal com traços de um novo cenário na regulação da educação superior.
Os indicadores de avaliação que se consolidam no Índice Geral de Cursos (IGC) apresentam uma série de impactos na estratégia da instituição. Não vem ao caso aqui discutir a legitimidade desses termos, entretanto o abalo está posto e é considerado pela comunidade acadêmica. A não observância desses termos traz problemas para a imagem das instituições, além do impedimento a diversas possibilidades de expansão e, até mesmo quando for o caso, perda da autonomia e prejuízos no ato regulatório. Essa alteração no Fies, portanto, pode trazer influências que estão muito além das questões econômicas e financeiras, já que os 450 pontos podem impactar substancialmente a formulação desses indicadores. De modo pontual, no que se refere aos indicadores da avaliação estabelecidos, as alterações no Fies demandam preocupação sobre os seguintes aspectos:
• IDD (35%): Um dos grandes questionamentos das instituições do segmento privado é o viés estabelecido pelo Indicador de Diferença dentre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD) no cálculo do conceito Enade e, posteriormente, no Conceito Preliminar de Curso (CPC). Como as universidades públicas recebem estudantes com melhores escores no Enem, têm uma real possibilidade de aproveitar melhor os 35% desse impacto. Com o requisito dos 450 pontos, urge que sejam criadas políticas de acompanhamento do ingressante em todo o seu percurso formativo, já que há a latente possibilidade do ingresso de estudantes com um nível maior de qualificação e que demandará uma formação mais efetiva ao longo do seu percurso formativo. Como consequências gerenciais, isso vai elevar a responsabilidade do coordenador do curso na gestão do projeto pedagógico, já que a formação do egresso deverá observar um padrão de desempenho alinhado com o perfil do ingressante de “melhor qualificação”. “Trocando em miúdos”, a elevação do índice para participar do Fies vai trazer estudantes melhores e impactos no cálculo do IDD, já que a nota do Enem vai ser utilizada e portanto isso pode impactar o afastamento calculado pelo IDD.
• Conceito Enade: Conceito Enade e IDD configuram 55% do cálculo do CPC. Com os 450 pontos, é fundamental que as instituições atentem para o fortalecimento das políticas e ações que possam desenvolver as competências dos concluintes, especialmente no sentido de incentivar o bom desenvolvimento na prova de conhecimentos específicos no Enade. Em algumas áreas, com exemplo à das ciências sociais aplicadas, essa é a principal lacuna no desempenho desse estudante que participa do Enade. Com a exigência dos 450 pontos do Enem, fica a pergunta para as instituições do segmento privado: será que há algum tipo de ação que vai levar em consideração o desenvolvimento de um percurso formativo aderente ao perfil desse ingressante de melhor qualificação? Caso isso não ocorra, certamente o impacto do alto índice do Enem vai afetar a nota do Conceito Enade, influenciando um desempenho insatisfatório nesses quesitos e prejudicando indicadores que compõem 55% do CPC.
• Um novo perfil do corpo discente: Dependendo da quantidade de contratos, há a possibilidade da construção de um novo perfil do corpo discente, certamente com comportamentos mais exigentes e que vai demandar uma gestão mais profissional do curso.
• Um novo perfil do corpo docente: Indiretamente haverá a necessidade de um ajuste no corpo docente, em nível de titulação e regime de trabalho. Às universidades, talvez, isso não será um grande problema. Mas para as pequenas e médias instituições, isso certamente vai trazer um impacto relevante.
• Ações de sensibilização para o preenchimento do questionário do estudante: Da mesma forma, isso vai fazer com que possam surgir possibilidades para o aproveitamento dos insumos do CPC.
• Políticas de gestão do estudante ingressante: O acompanhamento das notas do Enem, e possivelmente pela previsão do que pode vir a ser o IDD, vai exigir que políticas de gestão do estudante ingressante possam se constituir.
Pode ser que isso não seja tão percebido em um cenário de curto prazo, mas certamente a preocupação com esses aspectos pode fazer todo o sentido em um cenário de médio e longo prazo, considerando as tendências que se alinham ao campo da gestão da educação superior. É possível vislumbrar uma série de novas possibilidades para o estudo do campo científico da educação superior, de maneira que novos estudos e pesquisas possam surgir para fomentar o entendimento de uma série de processos que ainda requerem um conhecimento profundo de suas linhas complexas.
Thiago Francisco é membro do corpo docente do curso de Administração da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), doutorando em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC) e mestre em Administração Universitária (PGAU/UFSC)