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Ensino Superior

Economia improdutiva

ENTREVISTA: Gustavo Loyola | Edição 196 Para economista, mesmo com a necessidade de um severo ajuste fiscal, a redução de recursos na área da educação impactará ainda mais negativamente o desenvolvimento do país a longo prazo por Luciene Leszczynski | fotos Gustavo Morita Defensor da […]

Publicado em 24/03/2015

por Redação Ensino Superior

ENTREVISTA: Gustavo Loyola | Edição 196
Para economista, mesmo com a necessidade de um severo ajuste fiscal, a redução de recursos na área da educação impactará ainda mais negativamente o desenvolvimento do país a longo prazo
por Luciene Leszczynski | fotos Gustavo Morita
© Gustavo MoritaDefensor da austeridade fiscal necessária para salvar as contas do governo e não levar o país para uma recessão mais severa no ano seguinte, o economista Gustavo Loyola acredita que tudo é uma questão de prioridade. E, para ele, a educação é uma delas. “É talvez o único meio de redução de desigualdade e portanto tem de ser prioritária em qualquer política pública”, defende.
Ex-funcionário do Banco Central, onde começou a exercer a carreira de economista, passou por diversas funções até chegar a diretor e assumir a presidência por duas vezes, Gustavo Loyola se considera um burocrata. Em entrevista para falar sobre os rumos da educação no país, ele sai em defesa da burocracia para justificar a necessidade de se ter a constituição técnica de órgãos públicos. “É um vício de funcionário público. Acredito na importância de ter instituições tecnicamente referentes no Brasil.” Assim, Loyola critica mudar as regras do jogo, como no caso das mudanças promovidas pelo novo ministro no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), sem uma prévia combinação ou prazo de adaptação.
Na entrevista a seguir, concedida com exclusividade para a Ensino Superior na sede da empresa de consultoria em que atua atualmente, Gustavo Loyola, que foi considerado o Economista do Ano em 2014 pela Ordem dos Economistas do Brasil, faz sua análise sobre a crise econômica e impactos no setor educacional, também levada ao Geduc 2015, que ocorre entre os dias 25 e 27 de março, em São Paulo. Na opinião dele, antecipando uma previsão em parte catastrófica para a economia do país, caso os ajustes de orçamento não sejam bem realizados, a curto prazo os efeitos não serão tão danosos para o setor da educação. “A educação é como um negócio que está sujeito às interferências da conjuntura econômica. Por isso gestores têm de trabalhar com alguns cenários, e estar preparados para o que possa acontecer para o bem ou para o mal”, sinaliza.
Ensino Superior: Em reportagem do jornal, o crescimento dos repasses para o Fies foi relacionado ao aumento das mensalidades. Que avaliação o senhor faz desse cenário?
Gustavo Loyola: Ainda que o aumento tenha sido abaixo da inflação, do ponto de vista da teoria econômica, com mais acesso ao financiamento mais alunos passaram a procurar o ensino superior, aumentando a inserção nesse segmento, o que, aliás, era mesmo o objetivo. Se parássemos por aí, considerando apenas o aumento da demanda os preços deveriam aumentar mesmo. Ocorre que ao mesmo tempo em que houve aumento da demanda também ocorreu aumento do número de vagas, respondendo ao maior financiamento. Não dá para dizer a priori que os preços aumentaram por conta disso, porque na realidade ocorreu um aumento tanto da oferta quanto da demanda. O que a gente vê, por outro lado, é uma concorrência muito forte entre as instituições, o que às vezes acaba acirrando a competição por preço.
Seria justamente ao contrário então, porque a competitividade faz cair os preços…
Exatamente. O mercado de educação não é exatamente um mercado não regulado, mas a regulação do governo tem de ser muito mais por conta da qualidade do que propriamente pela questão de preço. O que se precisa ter é uma maneira de assegurar aos alunos um mínimo de qualidade da educação. Porque diferentemente de uma feira livre em que você pode ver e escolher entre uma maçã ou banana melhor do que a outra, na educação é difícil identificar uma boa formação porque isso não é facilmente perceptível. Só quando o aluno for para o mercado de trabalho é que vai perceber que teve um ensino deficitário.
O governo alega a busca pela qualidade do ensino para as mudanças no Fies. Por outro lado, fazendo as contas de quanto o programa despenderia com a exigência de 450 pontos mínimos para acesso ao financiamento, chegou-se a uma redução de quase R$ 8 bilhões, um valor semelhante ao corte indicado pelo governo para o Ministério da Educação. Seria coincidência?
Houve uma escolha do governo federal em algum momento de ampliar o acesso de alunos ao ensino superior. Independentemente do mérito disso, ocorre que se agravou uma tendência no Brasil de subinvestimento no ensino básico, especialmente do ensino médio, que ficou ensanduichado entre os dois níveis. A partir de meados dos anos de 1990 houve praticamente a universalização do ensino básico, com um grande fluxo de alunos presente, mas com perda de qualidade, apesar de várias iniciativas mais recentes para suprir isso. E o ensino médio ficou meio esquecido. Temos então um grande número de pessoas chegando no ensino superior, mas sem base, porque essas pessoas não foram preparadas adequadamente. Na realidade a questão atual tem muito a ver com isso, com esse número grande de alunos chegando ao ensino superior, mas com um nível insatisfatório de conhecimentos. A priori eu não vejo como ruim estabelecer uma nota mínima para acesso ao programa, mas por outro lado se tem de assegurar na base oportunidades equitativas para os alunos e que compitam de uma maneira mais ou menos justa por essas vagas. Isso nos remete ao atual debate que está ocorrendo no Chile: você quer o ensino superior universal ou quer deixar um espaço para a meritocracia? Quer dizer, todo mundo vai para a universidade independentemente do esforço individual ou não – e como é que você vai mensurar o esforço individual a partir de situações que são diferentes? Você pode ter um esforço individual muito grande, mas de um aluno que não teve a felicidade de estar num meio adequado para ele, que teve acesso minimamente decente no nível básico. Então eu acho que são questões bastante complexas que tem de ser discutidas no âmbito das questões educacionais.
Quer dizer que o problema seria de aplicação das verbas?
Evidentemente que tem o lado financeiro disso, pois o governo tem limite para os seus gastos, e não pode viver além dos meios. O que aconteceu nos últimos anos no Brasil foi que o governo se tornou um perdulário, o que gerou essa necessidade de o Brasil fazer esse ajuste agora. Se o país não fizer o ajuste esse ano, haverá uma série de consequências na esfera econômica: o país começa a ser visto como muito arriscado para os investidores, desce o grau de investimento, gerando consequências macroeconômicas negativas para todos. Existe muito mérito no programa de ajuste fiscal do governo. Evidentemente a gente poderia estar numa situação melhor não fossem gastos perdulários no governo anterior. Uma outra questão é como você faz os cortes e quais são as prioridades. Acho que no Brasil se tem muita prioridade invertida, quer dizer, um país que tem 39 ministérios e não tem dinheiro para repassar R$ 170 milhões para Pronatec, por exemplo… Então é uma prioridade invertida a educação ser tratada dessa maneira. São duas questões, uma coisa é a política educacional e outra, como financiar. Economia é uma profissão em que se tem muito debate de tudo, assim se você põe dois economistas juntos saem três ideias diferentes. Mas uma coisa mais ou menos consensual é que educação é fundamental para o desenvolvimento econômico. Não há ramo importante de pensamento na economia que rejeite a ideia de que a educação seja uma ferramenta para o crescimento econômico. A educação é talvez o único meio de redução de desigualdade na América a longo prazo e, portanto, tem de ser prioritária em qualquer política pública. Um dos bons investimentos que o país faz para ele mesmo é a educação.
Que perspectivas podemos traçar para a economia brasileira e seus impactos para o setor da educação?
O Brasil, entre o início dos anos 2000 e até o final da década, viveu um momento favorável da economia mundial. Houve um forte crescimento da China e aumento das commodities, o que nos beneficiou. Além disso, a abundância de capitais e a expansão da liquidez internacional também favoreceram o Brasil, assim como os países emergentes como um todo. Esse quadro começou a mudar a partir da crise de 2008. Nós temos hoje uma situação em que a China cresce menos, há perspectiva de aumento de juros nos EUA, que afeta a liquidez, sem contar ainda que os efeitos da crise econômica perduram sobre a Europa e o Japão. O Brasil então não conta mais com aquele vento a favor com o qual contávamos até recentemente. Isso não significa que o mundo esteja em crise econômica, não há um sintoma de uma crise que seja mortal. O mundo está crescendo menos, mas está. É uma questão aritmética, pois a China crescia muito até um tempo atrás, mas porque a economia chinesa era muito menor. A contribuição da China para o crescimento mundial continua sendo importante apesar de a taxa de crescimento ter caído. O Brasil continua sendo o grande fornecedor de alimentos, e a demanda por alimentos na China é crescente, pois há um processo demográfico e socioeconômico em que você tem um aumento constante do consumo per capita de proteínas, por exemplo. Então a situação para o Brasil no ponto de vista de demanda de commodities não é tão ruim assim. Além disso, você tem também a crescente recuperação da economia americana, embora os juros subam por causa disso. O grande problema para o Brasil é que sem o forte vento a favor que se tinha há até pouco tempo, numa situação mais ou menos neutra, nós ficamos mais dependente de nós mesmos para crescer. Quer dizer, o Brasil hoje precisa mostrar mais a sua cara do ponto de vista de fatores de crescimento. E aí que nós estamos com um problema, decorrente de equívocos de política econômica que o Brasil adotou a partir de 2009, quando tivemos uma política deliberada de estimular demanda.
Mas a economia baseada no consumo não faz parte do jogo? Onde está o equívoco?
De início essa política deu muito resultado porque você tinha capacidade ociosa da economia, tinha, por exemplo, uma taxa de desemprego relativamente alta, que pode absorver mão de obra adicional; tinha capacidade instalada ociosa, que pode ser utilizada; não tinha gargalos tão presentes de logística; as famílias brasileiras eram pouco endividadas; e o governo estava numa situação financeira favorável permitindo que se aumentasse o volume de transferência para as famílias via aumento do salário mínimo e programas sociais. Tínhamos então toda essa facilidade. Hoje não apenas o governo está sem folga fiscal, as famílias estão endividadas, o mercado de trabalho não tem ociosidade como, de um lado, você não tem mais como incentivar a demanda e de outro, você tem um aumento do déficit externo do país, porque com essa política de aumentar a demanda não se teve a produção necessária para atendê-la, aumentando o consumo de produtos do exterior. O que não vem do exterior são os serviços e no fim o que aconteceu foi que os serviços aumentaram. Estamos num momento em que temos de consertar todas essas coisas, mas para você consertar isso tudo tem um custo, porque, num primeiro momento, ao combater a inflação, diminui-se o crescimento, ao reduzir o déficit público, tem-se retração da economia… O governo também cometeu equívocos sérios nas tarifas, mantendo-as extremamente baixas e que agora tem de se ajustar. Então esse ano você tem tarifas mais altas, Banco Central tendo de combater a inflação com juros mais altos, tem restrição fiscal… Não bastasse isso, os problemas que decorrem do escândalo da operação Lava Jato afetam o investimento no setor de óleo, gás e infraestrutura, sem contar a turbulência política provocada que afasta os investidores. Então você tem uma série de ajustes necessários num contexto político desfavorável. Desse modo a perspectiva para 2015 é, infelizmente, ruim. Isso tudo sem falar do risco de racionamento de energia e água… Precisamos então da retomada da confiança tanto dos empresários quanto dos consumidores. Isso tem de ser construído esse ano. Retomada da confiança, se não se construir esse ano, 2016 fica comprometido também.
Os problemas advindos desse cenário de crise pode respingar no caso das instituições de ensino superior?
Com a crise atingindo a classe C, uma das que mais cresceram nos últimos anos, há uma redução de consumo, o que significa que o consumidor está com a renda mais apertada. Isso pode afetar as instituições com o aumento da inadimplência, por exemplo. Programas como o Fies amortecem esse problema, se tornam fundamentais para manter o nível de demanda. A questão aí basicamente, nos remete de volta ao início da entrevista, para a mudança das regras do jogo. As instituições passaram a ficar muito dependentes dos programas de governo e o governo muda de política da noite para o dia sem muito avisar. Não quer dizer que essas mudanças não precisem ser feitas, mas fica-se muito dependente do que pode acontecer. O efeito desse período mais crítico sobre as instituições de ensino vai depender muito do que o governo fizer com os seus programas de apoio a esses estudantes. Porque está sendo cortado justamente no momento em que as famílias estão mais apertadas.
Qual a sua recomendação para se manter o equilíbrio financeiro nas instituições de ensino superior?
Hoje a situação fiscal e econômica do país como um todo sugere cautela. O investimento deveria ser mais cauteloso, de redução de custos e de adaptação a uma situação complexa. A dependência de programas sociais como o Fies é um problema. A pergunta não é fácil, porque ao limitar a aceitação de alunos do programa as instituições também ficam limitadas no crescimento. Mas acho que o próprio governo poderia procurar alternativas para o financiamento de alunos. O crédito educacional não precisa ser 100% público. Poderia haver um sistema misto, por exemplo, com uma contrapartida do setor privado. São questões que você tem de estudar, imaginando uma situação em que o dinheiro é mais escasso e em que precisa ser empregado de uma maneira mais inteligente. O que de fato é desastroso é o governo mudar as regras da noite para o dia.
A crise financeira não demostrou um certo esgotamento do sistema capitalista?
Se o governo faz uma política errada… O número de vagas que temos nas universidades no Brasil é suficiente, insuficiente ou adequado, quando você tem um programa de incentivo desse tipo pode estar criando vagas em excesso. Está sinalizando para os empresários investirem aqui e de repente não é nada disso. São intervenções governamentais de políticas até socialmente desejáveis mas que – não sendo bem ajustadas – geram… Então acho que o capitalismo não está numa crise terminal, mas sim, de transformação.

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Redação Ensino Superior


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